Clayton Alexandre Zocarato: ‘Heaven, sem agrado’


às 16:34 PM
Havia um cheiro de desinfetante barato, luzes azuis piscando no ritmo errado, e corpos adolescentes fingindo ser adultos — naquela boate escondida entre dois postos de gasolina, na periferia daquela minúscula cidade , onde ninguém sabia muito bem o que estava fazendo.
Era anos 2000, e tudo parecia prestes a começar.
Galeno tinha dezessete anos e um coração que cabia inteiro dentro da sua camiseta polo listrada.
Ele não dançava bem, não bebia muito, e não sabia mentir.
Ficava perto das caixas de som como quem procurava refúgio — talvez para que ninguém notasse o modo como olhava para Luisa.
Luisa era dois anos mais velho.
Usava calças rasgadas antes que isso virasse moda e dançava como se o mundo estivesse em slow motion só para ela.
Todo mundo se apaixonava um pouco por Luisa . Mas Galeno — ah, Galeno se apaixonou e muito.
Foram três meses de encontros semanais, onde nada acontecia e tudo acontecia. Um cigarro dividido atrás da boate.
Um elogio sobre os tênis novos. Um olhar que durava meio refrão. A esperança, sempre silenciosa, caminhava ao lado.
Numa noite qualquer de outubro, o DJ colocou Heaven, de Bryan Adams.
E foi como se o tempo recuasse.
Galeno encostado na parede, segurando um copo de refrigerante quente, viu Luisa atravessar a pista, envolto por aquela melodia lenta, solene, carregada de alguma coisa que não cabia naquela boate suada.
Foi até ela. E a beijou. Como se aquela música fosse só para os dois. .
A noite estava morna, cheia de cigarras, e as lembranças da juventude mais fortes que o normal
Não chorou — porque às vezes o amor não correspondido é tão puro que dói bonito. Era como amar uma estrela: inatingível, mas brilhante.
A música não tocou.
O tempo foi passando. A boate virou uma farmácia. A farmácia virou um estacionamento.
E Galeno cresceu. Trabalhou. Leu livros. Amou outras pessoas — às vezes muito, às vezes pouco. Mas, de vez em quando, quando ouvia Heaven em algum rádio esquecido, lembrava-se.
Lembrava-se de quando amava alguém somente na imaginação.
E de como, mesmo assim, aquilo havia sido amor de verdade.
Clayton Alexandre Zocarato
Bryan Adams – Heaven – Acoustic Live
- A cidade das máscaras partidas - 27 de novembro de 2025
- Claroescuro - 21 de novembro de 2025
- O julgamento do tempo - 13 de novembro de 2025
Natural de São Paulo, Capital, possui Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista – Unicep – São Carlos/SP e graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano – Ceuclar – Campus de São José do Rio Preto/SP. Escreve regularmente para o site Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br) usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias. É Comendador da Ordem Cultural Beethoven.

