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Gonçalves Viana: 'O Brasil em forma de aquarela…'

Gonçalves Viana:

‘O BRASIL EM FORMA DE AQUARELA…’

 

Numa noite chuvosa de 1939, um casal recebe a visita de outro casal: são os cunhados. Após os cumprimentos e as devidas acomodações, o dono da casa, inspirado que estava, dirigiu-se ao piano, dizendo: ─ “Estou com uma ideia batucando aqui dentro – batendo na testa – vou fazer um samba cheio de inovações…”. Meia hora depois, a música e a letra estavam prontas.

O cunhado, um engenheiro, pessoa afeita às exatas, não gostou da letra e zombou: – Pô, Ary! Coqueiro que dá coco? Você queria que coqueiro desse o que? Abobrinhas, bananas! Além do mais, essas palavras esquisitas: inzoneiro, merencória; tenha paciência, né Ary! Esse Ary era nada mais nada menos que Ary Barroso, o já então um compositor de certa projeção, e o samba em questão, Aquarela do Brasil! Ele ficou um tanto quanto encabulado, mas não disse nada e nem deu muita bola para o cunhado.

Ary de Rezende Barroso, era um homem de múltiplas atividades; além de compositor, era também cronista, jornalista, radialista, vereador, amante de futebol (era flamenguista doente) e boêmio sadio, isto é, não bebia!

Levou a composição para uma peça teatral, onde seria cantada pela atriz Araci Côrtes, mas o samba passou despercebido. Pouco depois, outra Aracy, então no auge da carreira (Aracy de Almeida), desistiu de gravá-lo, porque exigiria uma grande orquestra para acompanhá-la e ela só gostava de acompanhamento de regional.

Conforme Ary havia dito, era um samba com muitas inovações, ele acabava de criar uma nova forma de samba, que passou a ser chamado de Samba-Exaltação.

Esse samba ficou esquecido, até que um grupo de americanos, em passagem por Belém do Pará, quis ouvir música brasileira e pediu ao sofrível quarteto que se apresentava no restaurante do hotel que tocassem alguma coisa do Brasil. Eles tocaram de maneira mais sofrível ainda a Aquarela do Ary.

Foi o suficiente para que o americano mais influente do grupo quisesse saber quem era o compositor. Esse americano era simplesmente Walt Disney, que vinha ao Brasil fazer um desenho animado com motivos de um país tropical (estava criando o personagem Zé Carioca). Colocou a música na trilha sonora do filme. Entusiasmado com Ary, incluiu mais três composições dele na trilha.

Foi o que bastou para que Ary Barroso ganhasse renome internacional, foi chamado a Hollywood, para fazer mais trilhas sonoras para filmes.

Aquarela do Brasil foi gravada em inglês – com o nome de “Brazil” – por um batalhão de cantores famosos: Bing Crosby, Dick Haymes, Doris Day, Frank Sinatra, Ray Connif, etc…

Estaria tudo bem, se não fosse um pequeno senão, nos Estados Unidos ela mereceu um trocadilho gaiato, para não dizer infame, os americanos cantavam como “brassiere”, que é semelhante foneticamente com a pronúncia de “Brasil”, que significa sutiã.

Aquarela do Brasil é também considerada – com coqueiro que dá coco, inzoneiro, merencória e tudo mais – um segundo Hino Nacional.

Essa música, além de ter feito a fama tanto nacional como internacional, permeou a vida de Ary até a sua morte, senão vejamos:

♦ Ary era o animador de um programa de rádio: ‘Calouros em desfile’, quando apareceu um candidato muito tímido.

─ Vai cantar o quê, meu filho? – perguntou Ary Barroso.

─ Vou cantar um sambinha! – responde o calouro.

─ É sempre assim. Se fosse mambo, não seria um mambinho. Se fosse um bolero, não seria um bolerinho. Mas samba é um sambinha. E qual sambinha o senhor vai cantar? — Retruca Ary!

E o calouro: ─ Aquarela do Brasil! Quase que Ary teve um infarto.

─ Pois então comece!

Introdução musical feita, o rapaz deu a partida:

Brasil,

meu Brasil brasileiro,

meu mulato inzoneiro

vou cantar-te em meus velsos

Ary simplesmente arrancou o microfone das mãos do candidato, aos gritos:

─ Vá cantar nos velsos de outro! Porque nos meus versos o senhor não canta, não!

♦ Além do enorme talento, ele ficou conhecido também pela fama de rabugento e encrenqueiro. Conta a lenda que, semanas antes de morrer, ele teve um encontro com o jornalista e compositor Antônio Maria (outro gigante da MPB), com quem andava às turras por conta de uma disputa de pura vaidade. Ary vivia repetindo que a música mais conhecida dentro e fora do país era Aquarela do Brasil, de sua autoria. Antônio Maria rebatia com veemência, alegando que a canção mais badalada aqui e no exterior era a sua belíssima Ninguém me Ama.

Depois de tantas brigas e com Ary muito doente, Antônio Maria foi à casa de Ary visitá-lo, e este fez um insólito pedido:

─ Maria, canta pra mim Aquarela do Brasil.

Comovido, Antônio Maria não se fez de rogado. Puxou uma caixinha de fósforos e cantarolou a música inteirinha, sem errar uma palavra sequer.

Fingindo-se agradecido e pretendendo retribuir a gentileza, Ary alfinetou:

─ Agora pede para eu cantar Ninguém me Ama.

─ Bom, Ary, se você faz questão…

A resposta do encrenqueiro: ─ Não posso, eu não sei a letra!

♦ No carnaval de 1964, a Escola de Samba Império Serrano escolheu como enredo o tema Aquarela do Brasil e criou o samba-enredo Aquarela Brasileira.

Pouco antes de a escola pisar na avenida, chegou a notícia: Ary Barroso morrera! Era o dia 9 de fevereiro de 1964. Quem assistiu garante que a Império Serrano conseguiu, apesar de tudo, fazer um belo carnaval.

Com o caixão coberto pela bandeira do seu querido Flamengo, o corpo do compositor que deixou para a música brasileira perto de trezentas canções, foi enterrado no dia seguinte, no Rio de Janeiro.

* Em novembro de 1997, a Academia Brasileira de Letras, que estava comemorando cem anos de existência, encomendou, ao pesquisador Ricardo Cravo Albin, uma enquete que estabelecesse as catorze canções mais marcantes da música brasileira nesse período.

Albin convidou a votar sete autoridades no assunto e seis jornalistas ligados à música popular. Os treze jurados foram os pesquisadores: Albino Pinheiro, Ary Vasconcelos, Jairo Severiano, Lena Frias, Luiz Fernando Vieira (presidente da Associação Brasileira dos Pesquisadores da Música Popular), Sérgio Cabral, e o próprio Ricardo Cravo Albin; além dos jornalistas, João Máximo (O Globo), Tárik de Souza (Jornal do Brasil), Joaquim Ferreira dos Santos (O Dia), Carlos Rennó (Folha de São Paulo), Okky de Souza (Veja) e Ruy Castro (O Estado de São Paulo).

Ao júri, foi pedido apenas que selecionasse os títulos “mais marcantes” desses cem anos de música popular. Cada jurado entendeu essa classificação a seu critério: pela importância histórica, pela beleza das canções, pelo gosto pessoal ou por uma combinação das três condicionantes.

Na tarde do dia 21 de novembro, Nélida Piñon, então presidente da Academia Brasileira de Letras, anunciou o resultado da enquete:

Aquarela do Brasil, a monumental saga de Ary Barroso, composta em 1939 e talvez a primeira canção em technicolor da história (vide o filme de Walt Disney), obteve 12 votos entre os 13 jurados.

A importância do que essa música representou, até então, foi reavivada por essa enquete realizada pela Academia. Mas por que 14 músicas? Porque esse é o número padrão de faixas de um CD.

A título de curiosidade, segue as 14 canções eleitas as melhores do século:

Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939)

Carinhoso (Pixinguinha-João de Barro, 1937)

Asa Branca (Luis Gonzaga-Humberto Teixeira, 1947)

Último Desejo (Noel Rosa, 1937)

Chega de Saudade (Tom Jobim- Vinicius de Moraes, 1958)

O Que Será, Que Será (Chico Buarque-Milton Nascimento, 1973)

Se Você Jurar (Ismael Silva-Newton Bastos-Francisco Alves, 1931)

Chão de Estrelas (Sílvio Caldas-Orestes Barbosa, 1937)

Alegria, Alegria (Caetano Veloso, 1967)

As Rosas Não Falam (Cartola, 1975)

Abre-Alas (Chiquinha Gonzaga, 1900)

O Mar (Dorival Caymmi, 1939)

Pelo Telefone (Donga-Mauro de Almeida, 1971)

O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco-Aldir, 1972)

 

Gonçalves Viana

 

AQUARELA DO BRASIL

Brasil,

Meu Brasil brasileiro,

Meu mulato inzoneiro.

Vou cantar-te nos meus versos.

O Brasil, samba que dá

Bamboleio que faz gingar

O Brasil do meu amor.

Terra de Nosso Senhor.

Brasil!… Brasil! Pra mim… Pra mim!…

Ôi! Abre a cortina do passado,

Tira a mãe preta do cerrado,

Bota o rei-congo no congado.

Brasil, Brasil.

Deixa cantar de novo o trovador

À merencória luz da lua

Toda a canção do meu amor.

Quero ver essa dona caminhando

Pelos salões arrastando

O seu vestido rendado.

Brasil!… Brasil! Pra mim… Pra mim!…

Brasil, terra boa e gostosa

Da moreninha sestrosa

De olhar indiferente.

O Brasil, samba que dá

Para o mundo admirar.

O Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor.

Brasil!… Brasil! Pra mim… Pra mim!…

Ôi! Esse coqueiro que dá coco.

Onde eu amarro a minha rede

Nas noites claras de luar.

Brasil!… Brasil! Pra mim… Pra mim!

Ôi, ouve essas fontes murmurantes

Oi, onde eu mato minha sede

E onde a lua vem brincar.

Oh! Esse Brasil lindo e trigueiro

É o meu Brasil brasileiro.

Terra de samba e pandeiro.

Brasil!… Brasil! Pra mim… Pra mim!

(Ary Barroso)

 

Sergio Diniz da Costa
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