“Lupicínio, um gaúcho, nascido em Porto Alegre, em 16 de setembro de 1914, entrou para a história da MPB como o criador da música de fossa, da cornitude, enfim, da dor de cotovelo.”
Quando amamos desesperadamente a alguém, e não somos correspondidos, sobrevém uma angústia, um vazio, um nó na garganta, e um sentimento de morte no coração. Bem, a esse estado de coisas dava-se – há certo tempo – o nome de dor de cotovelo. Atualmente, não sei se existe algum nome. Dor de cotovelo ou qualquer outro nome que o valha, é também utilizado quando acontece de sermos traídos pela pessoa amada. Atualmente, está muito em voga o termo “sofrência”!
A esse respeito, Blota Júnior. – um célebre apresentador de TV, dos anos 1960 – contava o seguinte: Entre os italianos, quando se descobrem traídos – passionais que são – geralmente corre sangue, a adúltera ou o amante, quando não ambos, pagam com a vida, a traição.
Já, o francês, dotado de um espírito prático, chega ao êmulo e pergunta: ─ Há quanto tempo frequentas a casa? Se o outro, por exemplo, responde: ─ Dois meses! Conclui o traído: ─ Muito bem! Nossa despesa mensal é de 900 francos, que divido por três dá 300 francos, como são dois meses, portanto o senhor me deve 600 francos, e já estendendo a mão, diz, por favor!
E os brasileiros? Bem, os brasileiros, quando passam por isso, fazem um samba e, nesse particular, ninguém é melhor que Lupicínio Rodrigues, o criador do samba tipo dor-de-cotovelo.
Lupicínio, um gaúcho, nascido em Porto Alegre, em 16 de setembro de 1914, entrou para a história da MPB como o criador da música de fossa, da cornitude, enfim, da dor-de-cotovelo. Nessa área, ele atuou em todas as modalidades possíveis, foi o traído, foi o traidor, foi a vítima, foi o pivô, foi a testemunha.
Desde o seu primeiro sucesso em nível nacional, o que, na época – final dos anos 30 – era difícil para alguém, fora do eixo Rio-São Paulo, Lupicínio destacava-se nessa modalidade de música. Por exemplo, veja o samba Se Acaso Você Chegasse, em que ele figura como o traidor: “Se acaso você chegasse / e no meu chatô encontrasse / aquela mulher que você gostou…”.
Já, em Vingança, outro grande sucesso, ele era o traído: “Você deve estar bem consciente / do que praticou / me fazer passar essa vergonha / com um companheiro / E a vergonha é a herança maior / que meu pai me deixou…”.
Da mesma forma, o sentimento de dor de “corno” em Nervos de Aço: “Você sabe o que é ter um amor meu senhor / ter loucura por uma mulher / e depois encontrar esse amor meu senhor / nos braços de um tipo qualquer…”.
Aqui, em Cadeira Vazia, é o traído que perdoa: “Não te darei carinho nem afeto / mas pra te abrigar podes ocupar meu teto / pra te alimentar / podes comer meu pão…”.
São lembradas, também, as brigas conjugais por ciúmes, como em Brasa: “Você parece uma brasa / toda vez que eu chego em casa / dá-se logo uma explosão / ciúmes de mim não acredito / pois meu bem não é com grito / que se prende um coração…”.
Diante de tanta infidelidade, de ambas as partes, chega, então, ao irreconciliável, com o seu lacônico e contundente Nunca: “Nunca / nem que o mundo caia sobre mim / nem se Deus mandar / nem mesmo assim / as pazes contigo eu farei…”.
Em centenas de outras canções, ele explorou toda gama de carga emocional que um triângulo amoroso pode causar. Assim é que, esse gaúcho que não tocava nenhum instrumento, e nem conhecia qualquer nota musical, nos deixou um vasto repertório de lindas melodias e versos inspiradíssimos, retratando, quase sempre, uma tragédia, um drama conjugal, com tudo o que é de direito e se faz necessário para isso: o amor, a dor e a morte.
O eterno Lupi – como era carinhosamente chamado – criador da bossa da fossa, esse boêmio infatigável, que passava noites e noites bebendo com os amigos – dizem as más línguas que ele não tomava bebida alcoólica, só água e leite – desfiando seus dramas pelos botequins da vida, dramas que não eram seus, pois que, era até bem casado.
Faleceu em 27 de agosto de 1964, vinte dias antes de completar 60 anos, não sem antes conquistar definitivamente um lugar no panteão das celebridades musicais, junto aos muitos cantores e intérpretes contemporâneos, que incluem os sucessos de Lupi em seus repertórios. Gente do quilate de Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Joana, entre outros.
Se, Lupicínio, foi, por excelência, o compositor da dor-de-cotovelo, o cantor foi Jamelão, que era, segundo Lupi, quem melhor sabia interpretar suas músicas. Jamelão, embora não gostasse de ser considerado cantor de samba dor-de-cotovelo, gravou dois LPs com composições de Lupicínio, “Jamelão Interpreta Lupicínio Rodrigues” (1972) e “Recantando Mágoas – Lupi a Dor e Eu” (1987). Além de haver gravado vários sambas do gênero de outros autores, caso de Ary Barroso, “Folha Morta” e Lúcio Cardim, “Matriz e Filial”.
Acrescente-se, que “Ela disse-me assim” foi um dos grandes sucessos de Lupi, na voz de Jamelão. Nesse samba-canção, o autor coloca-se no lugar do sedutor que se mostra arrependido de ter sido o traidor.
Gonçalves Viana – viana. gaparecido@gmail.com
ELA DISSE-ME ASSIM
Ela disse-me assim
Tenha pena de mim
Vá embora
Vais me prejudicar
Está na hora.
E eu não tinha motivo nenhum
Para me recusar
Mas aos beijos caí em seus braços
E pedi pra ficar.
Sabe o que se passou
Ele nos encontrou, e agora
Ela sofre somente porque
Foi fazer o que eu quis.
E o remorso está me torturando
Por ter feito a loucura que fiz
Por um simples prazer
Fui fazer meu amor infeliz.
(Lupicínio Rodrigues)
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024