Espaço para a quarentena: uma necessidade sanitária
Desde que foi decretada pelos governadores dos Estados-membros do nosso país, a quarentena tem surtido efeitos nem sempre correspondentes ao pretendido isolamento para combater a contaminação das pessoas pelo coronavírus (covid-19).
Muitas delas preferiram sair às ruas por mais vezes do que o necessário e para fins estranhos àqueles admitidos na decretação da quarentena. Retornam aos seus lares carreadas com o agente patogênico, que poderá infectar os demais membros das suas famílias, se não fizerem a adequada higienização individual.
Outras, entretanto, tem seguido as orientações das autoridades públicas e profissionais da saúde e permanecem em suas habitações, isoladas do ambiente social e urbano.
Tais habitações nem sempre são aptas ao conforto e segurança adequados aos moradores contra o isolamento reiteradamente divulgado pelas administrações públicas e meios de comunicação. Assim ocorre nas favelas (ou comunidades) com mais ênfase.
Ao redor do mundo milhões de pessoas vivem em favelas, nas quais as habitações são erguidas com diversos materiais, muitos deles precários e impróprios para a construção, ainda que limitadas a um teto de um só cômodo.
São utilizados pedaços de tijolos, restos de madeira, placas de papelão, compensados, aglomerados, plásticos, telhados com folhas de zinco ou de fibrocimento e outros, ao exercício da criatividade desses habitantes. Outras, todavia, são erguidas com tijolos, por vezes de boa qualidade, mas sem orientação profissional e à mercê da experiência pessoal dos moradores.
Ocupam espaços diminutos, menores do que as normas técnicas e as leis determinam para a realização do conforto mínimo às pessoas. Formam um amálgama de construções sobrepostas e comprimidas umas às outras, desprovidas de iluminação, ventilação, acústica e temperatura internas adequadas ao conforto dos moradores, muitas vezes separadas por ruelas, passagens claustrofóbicas, insalubres e amplificadoras dos mais diversos sons e ruídos.
Além do aspecto material, em várias delas convivem famílias constituídas de muitas pessoas, das quais são comuns haver seis, sete, oito ou mais membros, confinados nessas precárias e impróprias habitações, que não tem espaço suficiente para o distanciamento mínimo entre eles e evitar a contaminação pelo covid-19.
Paralelamente, também eles convivem com inadequadas condições de higiene pessoal e de saneamento básico, os quais criam o ambiente propício à proliferação de outras viroses e enfermidades, em concurso com o covid-19, para reduzir ou eliminar a resistência imunológica, emocional e psicológica de vários desses moradores.
Nessas habitações a ausência do conforto previsto em leis e em normas técnicas favorece a contaminação pelo covid-19, na medida da elevada densidade populacional em espaços diminutos, insalubres e sem saneamento básico. É macabra a realidade desses moradores: ao lado deles convivem impiedosamente a peste e a fome (dois dos quatro cavaleiros do apocalipse).
A falta ou inadequada higienização individual ao se retornar às moradias e o ambiente urbano das favelas (ou comunidades) conspiram contra a quarentena. O sucesso do isolamento depende da permanente higienização e de espaços (minimamente) apropriados ao conforto individual e familiar. Não é a realidade sanitária, espacial e material das habitações nas favelas.
São necessários higienização e espaço para a quarentena, porque ambos são o cerne do conforto (iluminação, ventilação, acústica, temperatura e clima) e da segurança almejada pelas pessoas quando – e enquanto – estiverem recolhidas às suas moradas, no afã de viverem com saúde e bem-estar, tanto individual quanto familiar. Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira
paiva-pereira@bol.com.br
Fonte da ilustração
WWW.BOL.UOL.COM.BR: https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/04/06/em-sp-paraisopolis-ganha-caixas-dagua-mas-nao-tem-agua-em-torneiras.htm. Acessado aos 14.04.2020.
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Natural de São Paulo (SP), Marcelo Augusto Paiva Pereira é arquiteto e urbanista