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Bruna Rosalem: 'O que é isso que habita em mim? Que me controla o tempo todo?'

Bruna Rosalem

PSICANÁLISE E COTIDIANO

O que é isso que habita em mim? Que me controla o tempo todo?

O isso, propositalmente em destaque no título, é a tradução mais próxima do alemão es para o que chamamos de inconsciente.

Jacques Lacan (1901-1981), um icônico psicanalista francês, nos apresenta um inconsciente que vai muito além daquilo que estaria em alguma profundeza; ele seria estruturado como linguagem, isto é, refere-se à descrição do sintoma e do desejo que habitam em nós como metáforas e metonímias e, ainda reforça, que haveria toda uma estrutura de linguagem que preconiza o poder da palavra: não há nada o que procurar além dela, mas só a partir dela. Não há dizer sem intenção, não há palavra sem sentido, não há equívocos quando se trata do inconsciente. Ele simplesmente é o que é: singular, marcante, assertivo.

Já parou para pensar nas diversas vezes que você falou consigo mesmo? Cria questionamentos, depois os responde, coloca-se em dúvida, martiriza-se, vangloria-se, enfurece-se… como uma espécie de debate constante com as inúmeras vozes que habitam em ti, cada uma dizendo coisas diferentes. E neste caos, você se acha ou se perde mais ainda.

Parece que possuímos um outro ser (ou seres) dentro de nós, algo que escapa às luzes da consciência, que governa nossa respiração, digestão, batidas do coração e é depósito de nossas mais profundas lembranças e sentimentos. Este isso, quase como se fosse inominável, foi uma descoberta que nos proporcionou nos aproximar de nossa subjetividade e, talvez clarear, as origens das angústias, medos, aflições, ansiedades, conteúdos recalcados, inacessíveis, ‘lixos abissais’”, escondidos em lugares profundos da mente. E este ‘lugar’ nunca se esquece de nada. Se compararmos a algo que permanece, é como se fosse tatuagem, em suas mais diversas cores, texturas, nuances, imagens, representações.

Sigmund Freud bem lembrava que poetas e filósofos – e incluiria artistas também – já haviam descoberto o inconsciente muito tempo antes, afinal, de onde tirariam tanto material criativo e até delirante, sublimados em pensamentos, imagens, desenhos, pinturas, textos, esculturas, entre outros? Freud, com muito trabalho árduo, criou um método científico para estudar o isso. A psicanálise está aí, para nos lembrar que não controlamos muita coisa que nos afeta, que nos faz agir, que nos faz pensar. E, por vezes, ousamos nos defender: “Não fui eu, só pode ter sido meu inconsciente!”. E a quem ele pertence, cara pálida? Até tentamos afastá-lo quando dizemos: “Agora, pensando de maneira consciente…”. Não meus caros, isso não descansa, nem pode ser colocado de lado, ele atua o tempo todo, isso te escapa, isso é maior forte; movimenta-se até dormindo.

O ato de sonhar é pura liberdade para o inconsciente! Está livre para colocar em ação desde os maiores prazeres como voar fazendo acrobacias no ar, teletransportar-se, dar um passe de mágica, andar nu, fazer amor com várias pessoas (e ao mesmo tempo!), até os mais nefastos desejos como matar alguém, bater nos pais, se livrar dos filhos, atirar no chefe, roubar, dirigir pela contramão etc… Sem censura, pudor ou limite. É adentrar numa volúpia de sensações e emoções condensadas nas mais loucas imagens que somente nos sonhos poderiam se revelar. Sem cronologia, lógica, tempo.

Alguns sonhos são tão tenebrosos que imediatamente nos dá uma sensação de alívio quando despertamos. Outros tão envolventes que não queremos mais acordar. Sem contar, quando ficamos impulsionados pela imaginação a querer dar continuidade àquela história fascinante que estávamos sonhando. É claro, uma tentativa frustrada, já que assim que retornamos ao estado de vigília, a repressão massacrante entra em cena, dissipando tudo.

Mesmo o inconsciente sendo algo tão dominante, dinâmico e imenso, ele é impalpável, porém faz questão de atuar insistentemente: falhas nas ações, os próprios sintomas, tropeços nas palavras, lapsos de memória. Parafraseando Freud: é aquela voz sutil dentro da cabeça da gente que não descansa até ser ouvida! Ele age silenciosamente, mas pode fazer um estrago ensurdecedor. É inapreensível, porém faz questão de deixar seus rastros na história do sujeito. É dual: ama e odeia; ao mesmo tempo que preza pela vida, anseia em destruí-la.

Antero de Quental no soneto ‘O inconsciente” parece querer identificar este isso sombrio, fantasmagórico que carrega consigo:

O espectro familiar que anda comigo,

Sem que pudesse ver-lhe o rosto,

Que umas vezes encaro com desgosto,

E outras muitas ansioso espreito e sigo,

É um espectro mudo, grave, antigo,

Que parece a conversas mal disposto…

Ante este vulto, ascético e composto,

Mil vezes abro a boca e nada digo.

Só uma vez ousei interrogá-lo:

_ Quem és (lhe perguntei com grande abalo),

Fantasma a quem odeio e a quem amo?

_ Teus irmãos (respondeu), os vãos humanos

[…] Mas eu por mim não sei como me chamo…

Pois é, tarefa impossível.

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

@psicanalistabrunarosalem

www.psicanaliseecotidiano.com.br

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bruna Rosalem
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