Fidel Fernando:
‘O reconhecimento que não alimenta professores, trabalho e dignidade’
A cada início de um ano lectivo, as escolas privadas, com as devidas excepções evidentemente, apresentam suas novas tabelas de propinas. Os custos para os pais sobem e, com eles, a promessa de uma educação de qualidade que justifique o valor pago. Mas, pergunto: onde está a melhoria na vida dos professores, aqueles que sustentam, diariamente, essa promessa?
É triste constatar que, enquanto as mensalidades aumentam, o salário do professor não acompanha esse crescimento. Muitos passam por 5 ou 6 turmas por dia, moldando mentes e preparando futuros, mas seu rendimento não equivale sequer à mensalidade de dois alunos. É uma falta de sensibilidade por parte de algumas instituições, uma miopia que ignora a realidade daqueles que são a espinha dorsal de todo o processo educativo.
Nelson Rodrigues, sempre crítico e sagaz, recorda-nos de que certos brios não se alimentam apenas de palmas e boas palavras; exigem um salário condigno e três refeições. E como discordar? O que vale ser aclamado como ‘Professora/r do Ano‘, se esse reconhecimento vem apenas em forma de um certificado cheio de belas palavras? O professor precisa de condições reais e dignas, que o façam sentir que seu trabalho é valorizado de verdade, além dos elogios.
Feedback é importante, claro. Sentir-se reconhecido motiva, mas elogios não pagam as contas. Se a instituição cresce, os professores também deveriam crescer com ela. No entanto, parece que vivemos um ciclo perverso, onde os donos de algumas escolas prosperam e os professores mal sobrevivem. Essa ideia romântica de que “Educação é coisa do coração” pode até tocar algumas almas, mas o coração bate descompassadamente quando o bolso está vazio e as despesas são maiores que o salário. Quantos professores, sem condições, tem de deixar seus filhos com fome enquanto veem seus alunos, da mesma idade, a levar para a escola sanduíches recheados, sumos naturais e outras delícias? O coração dói, e Santo Expedito, nessa hora, é invocado na esperança de dias melhores. Mas, a pergunta persiste: “Quando os índices de motivação dos professores estão baixos, é possível manter a qualidade do ensino ?” Sabemos todos que não.
O excesso de trabalho, a pressão por cumprimento de prazos e as tarefas que consomem os fins de semana corrigir provas, lançar notas, planificar aulas tornam-se cada vez mais insustentáveis. O que acontece, então? Perdemos professores e, com eles, a qualidade do ensino. Em conversas de corredores — sim, são diálogos dos corredores apenas, porque as instituições, quase sempre, nunca têm nas suas agendas de reunião o item “aumento de salário” —, ouvimos as razões: condições salariais desumanas, promessas de aumento salarial que não se concretizam e, muitas vezes, atrasos no pagamento.
Esse ciclo precisa ser quebrado. Não basta apenas romantizar o esforço do professor, como faz a frase: “Educação é Coisa do coração”. Não, a educação não é só coisa do coração, mas também do estômago, do corpo e da mente. Afinal, o coração precisa de combustível para bater.
No seu livro “Professor, você não é um coitadinho”, Hamilton Werneck lembra-nos da importância de valorizar a profissão docente. Ser professor não é uma sentença de pobreza ou de resignação, mas um chamado que merece remuneração justa. Do mesmo modo, Paulo Freire apontava para a necessidade de revertermos o paradigma da desvalorização da educação, não só em termos financeiros, mas também de respeito ao papel transformador dos docentes na sociedade.
A verdade é que a educação, tão essencial para a construção de uma sociedade forte e justa, não pode ser sustentada por profissionais desmotivados e mal pagos. Se queremos um futuro melhor para nossos filhos, temos, antes de tudo, de garantir um presente condigno para seus professores. Afinal, como bem disse Rubem Alves, “Ensinar é um exercício de imortalidade”. E a imortalidade merece, no mínimo, respeito e uma remuneração que faça jus ao seu valor.
Que a valorização dos professores deixe de ser um tema apenas de discursos e crónicas — à semelhança desta que está a ler — e passe a ser realidade. Afinal, educar não é só um acto de amor. É também um trabalho que merece ser bem pago.
Fidel Fernando
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Fidel Fernando reside em Luanda (Angola).
Academicamente, é licenciado em Ciências da Educação, no curso de Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED/Luanda), onde concluiu sua formação em 2018. Antes disso, obteve o título de técnico médio em educação, na especialidade de Língua Portuguesa, pelo Instituto Médio Normal de Educação Marista (IMNE-Marista/Luanda), em 2013. Profissionalmente, atua como professor de Língua Portuguesa, dedicando-se à formação e ao desenvolvimento de habilidades múltiplas nos seus educandos. Além das suas funções docentes, exerce a atividade de consultor linguístico e revisor de texto, contribuindo para a clareza e precisão na comunicação escrita em diversos contextos. Tornou-se colunista do Jornal Pungo a Ndongo, onde compartilha semanalmente sua visão sobre temas atuais ligados à educação e à língua.