Fidel Fernando: ‘Quem sou eu, segundo os meus alunos?


às 12: AM.
Durante muito tempo, no processo de ensino e aprendizagem, entendi que a função de um professor era sobretudo ensinar, avaliar e classificar os alunos. No entanto, com o passar dos anos e a experiência em salas de aula, compreendi que também é necessário inverter esse processo: permitir que os alunos nos avaliem, nos observem e, com isso, nos devolvam uma imagem de quem somos enquanto docentes e enquanto pessoas.
Ao fazê-lo, deparei-me com percepções curiosas, outras constrangedoras e algumas que, de forma inesperada, revelaram aspectos fundamentais da minha prática pedagógica. A avaliação feita pelos alunos, sem filtros, revelou-se um instrumento poderoso de reflexão e autoaperfeiçoamento profissional.
A proposta era simples: disponibilizei quinze minutos no último dia de aulas do ano lectivo 2024/2025 para que os alunos escrevessem anonimamente o que pensavam sobre mim e sobre a minha actuação como professor. A princípio, confesso, esperava comentários sobre a metodologia, o domínio do conteúdo ou a interação pedagógica.
Contudo, surpreendi-me ao descobrir que os alunos também reparam em detalhes como a minha forma de vestir: “camisa branca, calças pretas e ténis brancos”, e até características físicas: “professor tem cabeça pequena”, “é baixinho”. Ri-me, claro, mas reflecti: o professor é mais do que a sua função. Ele é presença, figura, símbolo. A forma como nos apresentamos diz algo à turma, ainda que de forma indirecta.
Mais significativo para mim, contudo, foram os comentários sobre o modo como conduzo as aulas. Li, com alegria, observações como: “realiza dinâmicas connosco na sala de aula, dinâmicas bem melhores do que ter aulas fora ou jogar mata-piolho no pátio”. Estas palavras mostraram-me que, para além da imagem, o que realmente se destaca para os alunos é a qualidade da interação e o envolvimento que se cria em sala. É nesse espaço, e com essas práticas, que o ensino se torna memorável. Mas nem só de elogios se faz uma boa auscultação escrita.
Os chamados ‘defeitos’, termo usado por alguns alunos, foram igualmente reveladores: “o professor às vezes atrasa para entrar na sala” ou “tira stalo dos colegas e dá patadas”. O uso dessas expressões levou-me a consultar outros alunos e até colegas (professores) para as compreender. ‘stalo’ e ‘dar patadas’ referem-se a respostas ríspidas, geralmente dirigidas a comentários inconvenientes ou tentativas de piada durante a aula. Reconheço-me nessas situações. Por vezes, na tentativa de manter a disciplina ou a concentração na aula, posso responder de forma menos acolhedora.
Este momento levou-me a recordar o pensamento de Carl Rogers (1951), segundo o qual o professor deve aproveitar até os comentários descabidos dos alunos como oportunidades pedagógicas. Se um aluno, por exemplo, interrompe uma aula sobre ‘Meios de Transporte’ com um comentário aparentemente fora de contexto, tal como: “a minha avó está doente”, em vez de o repreender (ou ‘tirar stalo’): “E eu com isso” ou “o que isso tem a ver com a aula?”, podemos integrar essa informação na aula: “Que pena! Assim que for possível, vamos pegar um autocarro para ir vê-la.
Que tal?” Desta forma, o aluno sente-se escutado, valorizado, e o conteúdo é reforçado num contexto real e afectivo. Esta abordagem é um exemplo de como se pode transformar um potencial conflito em aprendizagem significativa.
A recolha destes testemunhos também me revelou a importância da linguagem dos alunos e da necessidade de o professor se manter actualizado quanto às suas referências culturais e linguísticas. Afinal, estamos todos no século XXI, mas certas expressões ainda nos surpreendem. Aceitar essa diferença e tentar compreendê-la é parte do nosso compromisso com a educação.
Ao partilhar esta experiência por mim vivida com alguns professores, um colega confidenciou-me ter deixado de aplicar essa avaliação depois de uma aluna ter-lhe declarado amor. Ri-me, mas sugeri que se pode aproveitar esse ‘amor platónico ou das ideias’ como estímulo à aprendizagem, com algo como: “aceito, sim, contando que te dediques em todas as disciplinas e obtenhas notas altas.” Neste sentido, o afecto transforma-se em incentivo, e o vínculo pedagógico aprofunda-se.
Pelo exposto, sugiro vivamente a todos os professores que reservem alguns minutinhos das suas aulas para serem avaliados por seus alunos, no final de cada ano lectivo. A prática, mais do que gerar constrangimentos, oferece ao professor um espelho necessário, honesto e revelador do seu percurso. É através da escuta dos nossos estudantes que podemos crescer, corrigir, aperfeiçoar e, sobretudo, humanizar a nossa prática docente.
Como escreveu Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho.” Talvez esta ‘pedra’ (o olhar do aluno sobre nós) seja, afinal, a base para um novo caminho, mais consciente, mais sensível e mais eficaz.
Fidel Fernando
- Autonomia profissional versus prescrição parental - 29 de agosto de 2025
- A palavra ‘cousa’ - 21 de agosto de 2025
- Quem sou eu, segundo os meus alunos? - 15 de agosto de 2025
Fidel Fernando reside em Luanda (Angola).
Academicamente, é licenciado em Ciências da Educação, no curso de Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED/Luanda), onde concluiu sua formação em 2018. Antes disso, obteve o título de técnico médio em educação, na especialidade de Língua Portuguesa, pelo Instituto Médio Normal de Educação Marista (IMNE-Marista/Luanda), em 2013. Profissionalmente, atua como professor de Língua Portuguesa, dedicando-se à formação e ao desenvolvimento de habilidades múltiplas nos seus educandos. Além das suas funções docentes, exerce a atividade de consultor linguístico e revisor de texto, contribuindo para a clareza e precisão na comunicação escrita em diversos contextos. Tornou-se colunista do Jornal Pungo a Ndongo, onde compartilha semanalmente sua visão sobre temas atuais ligados à educação e à língua.


Fidel, este texto realmente deveria ser lido e refletido por todos os professores. Afinal de contas, a educação, peo meu mdo e sentir, é uma via de duas mãos: ensinar e aprender, reciprocamente!
Considero plenamente conecte enfoque lee el proceso educativo mis felicitaciones desde Argentina