maio 12, 2025
Alento da morada materna
Poetizo, logo vivo – VI
Ser mãe
Ser Mãe, atualmente, é uma missão difícil
Dos galhos de uma árvore teci versos acreanos
Dia do Jornalista
A instabilidade do pronome você e ele
Últimas Notícias
Alento da morada materna Poetizo, logo vivo – VI Ser mãe Ser Mãe, atualmente, é uma missão difícil Dos galhos de uma árvore teci versos acreanos Dia do Jornalista A instabilidade do pronome você e ele

Karma certo e perfeito

image_print

Graciela De Castro Maria: Conto ‘Karma certo e perfeito’

Logo de seção Jovens Talentos
Logo da seção Jovens Talentos

Karma era um jovem estudioso e trabalhador, dono de muitas virtudes, apesar de uma vida marcada por infelicidades. Morava com a mãe, dona Mara, numa casa agradável, de bom tamanho. Mas a beleza da casa contrastava com o vazio do lar: fora abandonado pelo pai e desprezado pela mãe. Vivia debaixo de gritos, agressões e silêncio — um silêncio que doía mais que qualquer palavra.

Certa noite, ao voltar do trabalho, cansado não pelo esforço do dia, mas por saber que retornava ao mesmo ambiente hostil, respirou fundo e se jogou no sofá:
– Mãe, estou de volta! – gritou. Nenhuma resposta. Sabia bem o porquê: mais uma vez, a mãe estava embriagada. Com desânimo, levou-a ao quarto. Amava-a? Não. Tinha por ela um ódio silencioso, uma mágoa funda e mal resolvida. Desejava apenas o fim do sofrimento. E o que o mantinha de pé era apenas o nome que carregava: Karma, talvez ali estivesse um destino a cumprir.

Naquela noite, pela primeira vez em muito tempo, dormiu em paz. Sem gritos. Sem medo. Apenas o silêncio da madrugada.
– Que bela noite – murmurou, sentindo-se, por instantes, simplesmente… vivo.

No fim de semana, como de costume, Mara saiu pela manhã. Karma sabia que a procurar era inútil – os bares e becos da vila já a conheciam de cor. Resolveu apenas garantir que ela ainda estava viva.
– Lá está ela – disse, ao avistá-la apostando dinheiro num bar de esquina. Evitou confrontos. Manteve o passo e voltou para casa.

No caminho, encontrou um casal estranho à porta de sua casa.
– Quem são vocês? – perguntou, desconfiado.
– Precisamos conversar – disse a mulher, com seriedade no olhar. – Este é seu pai. Ele quer levá-lo para casa.

O espanto o paralisou. Mas algo no ar, no rosto daquele homem, parecia verdade. Os olhos, o semblante… Era como se se olhasse no espelho. Relutante, permitiu que entrassem. Metade do bairro já espiava a cena pelas janelas. A mulher, uma defensora dos direitos humanos, já o conhecia: sabia da violência que sofria, das noites choradas, do menino que não tinha para onde ir.

A casa estava limpa, organizada – exceto pelo cheiro estranho vindo do andar de cima. O homem, Zaqueu, era simpático. Acolheu Karma com carinho e respeito. Pela primeira vez, sentia-se amado. Era bem tratado. Tinha comida na mesa e palavras gentis. Mas havia algo inquietante: o quarto do segundo andar, malcheiroso e proibido, era evitado por todos. O pai sempre sorria, mas sua presença tinha um peso difícil de explicar.

– Kaká, meu filho, cuida da casa, vou sair para trabalhar – disse Zaqueu certa noite, saindo antes do costume. A casa ficou em silêncio.

Karma nunca foi curioso. Mas o cheiro que vinha do quarto era insuportável. A porta entreaberta o chamava. Hesitante, entrou. O que viu congelou seu corpo: cadáveres de crianças, em caixões alinhados, cobertos por um tapete vermelho de sangue seco. O horror subiu-lhe à garganta.
– O que é isso? Quem faria tal coisa?

Correu para fora da casa, tentando respirar. A mente confusa, o coração em guerra.
– Esse homem… tão carinhoso comigo… teria feito isso?
– Mas ele me salvou, me acolheu, me deu um lar! Isso não pode ser sobre mim… talvez…, talvez, essas crianças tenham feito algo errado… Eu não! Eu sou diferente! Eu mereço essa vida!

A luxúria do conforto cegava Karma. Preferiu ignorar a verdade. Pôs seu melhor sorriso e voltou à casa. Nada mudou. Mas ele sabia: algo dentro dele havia se partido.

– Você é uma criança admirável – disse Zaqueu, sorrindo. – Uma das mais perfeitas.

E antes que Karma entendesse o que aquilo significava, antes que pudesse responder ou fugir, foi morto. Sem piedade.
Zaqueu nunca foi bondoso. Nunca foi pai. Apenas mais um homem tomado por ganância, ódio e escuridão.

E Karma… Karma esqueceu o seu nome. Esqueceu que o verdadeiro karma – o certo e perfeito – não é o prêmio pelo sofrimento, mas a consequência das escolhas.


Graciela De Castro Maria

Voltar

Facebook

Sergio Diniz da Costa
Últimos posts por Sergio Diniz da Costa (exibir todos)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial
Ir para o conteúdo