novembro 21, 2024
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Ranielton Dario Colle: 'Somos boas pessoas?'

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Ranielton Dario Colle: ‘Somos boas pessoas?’

– … agora dorme meu filho, amanhã é outro dia!

– Mas pai, o Sr. acredita em Deus?

– Como é que eu vou saber? Ele nunca falou comigo!

– Ah, engraçadinho, eu perguntei se você acha que ele existe, porque você nunca vai à missa comigo, a mamãe e as minhas irmãs…

– Tá bom… olha filho, você ainda é muito novo para entender essas coisas. Mas eu não sei mesmo se ele existe ou não. Só que isso não deveria mudar o comportamento das pessoas, né? Quer dizer, eu não devo me pautar na existência dele para saber o que é certo ou errado, não é mesmo?

– O que é pautar?

– É… bem, o que eu disse é que eu não devo depender de Deus para saber o que é errado.

– Como não, papai? Se Deus não existisse, nada seria errado, e eu poderia fazer de tudo o que eu quisesse!

– Não é bem assim, né filho? Você gostaria de magoar a sua mãe?

– Ah, pai, uma coisa é eu gostar de fazer outra é eu poder fazer…

– Agora você já está filosofando…

– O que é filosofar?

– Olha, supondo que Deus não existe, talvez você até possa fazer qualquer coisa, mas não deve né? Já pensou como seria o mundo se todo mundo fizesse o que quisesse sem se importar com os outros? Vamos fazer o seguinte… você dorme agora, e eu te prometo que outro dia a gente retoma esta conversa…

Quanto tempo se passou desde daquela época? Eu tinha seis anos de idade e estava num quarto de hospital depois de ter acordado de um coma de sete dias… Hoje, com quase quarenta e dois anos de idade, não tenho mais o meu pai para terminar essa conversa comigo, e essa, se Deus existe ou não, é uma resposta que eu ainda não tenho…

Naquela época, enquanto eu estava num quarto de hospital, meus pais se revezavam para passar a noite comigo e, embora eu e minha mãe sempre fizéssemos as orações antes de dormir, com o meu pai era diferente. Mesmo quando orávamos, parecia que ele o fazia mais por um pedido de minha mãe do que por acreditar realmente em algo e foi por isso que aquela noite eu perguntei se ele acreditava mesmo em Deus.

Sim, meu pai e eu nunca mais falamos sobre aquilo, afinal eu tinha seis anos e, como qualquer outra criança dessa idade, tinha preocupações mais urgentes para me debruçar… e meu pai, é claro, também!

Com seis anos a gente se interessa por quase tudo com uma grande facilidade, e se desinteressa da mesma forma. Meu pai era meu ídolo e, portanto, era uma referência para mim, que passei a encarar as orações antes de dormir como algo desnecessário, quase que feminino eu diria. As orações passaram a ser algo que, a meu ver, era mais apropriado para as mulheres.

Ontem, todavia, eu estava conversando com um amigo em um café quando essa conversa veio a tona… “Se Deus não existe, então tudo é permitido”, ele falou, citando um filósofo. E eu  imediatamente, sem refletir, rebati sua fala: “Pode até ser, mas meu comportamento não deve ser pautado na existência ou não de Deus”.

Eu não sei como aquela frase ficou por tantos anos em meu inconsciente. Porém, depois, me dei conta de que ela tem guiado minhas ações desde então. Não é porque Deus existe que eu devo ser um tipo de pessoa e não outro. Não é a existência, ou não, de Deus que vai fazer que eu tire vantagem dos outros; e também não é porque Deus existe que eu devo ser uma boa pessoa e tratar bem os outros. Não, isso não importa para que eu defina que tipo de pessoa eu devo ser…

Acredito mesmo que tudo é uma questão de ter ou não empatia ou, sei lá, de saber que eu não gosto de sofrer e sentir dor e, portanto, também não devo querer fazer com que as pessoas sofram…

Mas, no meu caso pelo menos, isso também pode ser só uma questão estética: acho que as pessoas felizes são mais belas e agradáveis de conviver do que as pessoas infelizes. E eu me sinto bem entre pessoas felizes e não gosto de estar entre pessoas infelizes e mal humoradas… então, sim, pode ser por um motivo totalmente egoísta que eu me comporte de forma a querer o bem de todos. Mas, sem dúvida nenhuma, isso não tem nada a ver com Deus.

Esses pensamentos me vieram à cabeça logo depois daquela conversa com o meu amigo. E me fizeram ter saudades de meu pai, uma pessoa fantástica que, não obstante sua pouca educação formal, me ensinou as coisas mais importantes que uma pessoa deve saber acerca da vida.      Infelizmente, porém, ele partiu cedo desse mundo, e ele também magoava as pessoas, não por querer magoar, mas porque a vida é algo muito estranho e, embora não tenhamos a intenção, fatalmente acabamos ferindo os outros. E por quê? Porque não somos iguais, temos sensibilidades diferentes, dependemos de coisas diferentes para sermos felizes e, às vezes, nossa carência exige do outro que ele nos dê mais do que ele pode ou tem. E isso, de certa forma é trágico.

Então, independentemente da existência de Deus, ficou para mim outra pergunta: o que nos torna uma boa pessoa? ‘Meus atos!’ é a primeira resposta que vem à minha mente… mas, se meus atos são dirigidos por intenções puramente egoístas ainda que eu não faça mal a ninguém, pelo contrário, ainda assim posso ser considerado uma boa pessoa?

Pois bem, dado essas dúvidas sinceras que volta e meia perpassam por minha alma, não posso dizer que sou uma boa pessoa e penso que, seguindo essa linha de raciocínio, todas as religiões acabam por prestar um grande desfavor às pessoas ao colocar a bondade como um caminho para se obter algo (o Céu), ou se fugir de algo (o Inferno).

E isso, de certa forma, é terrível, pois não deixa com que a pessoa religiosa verdadeiramente saiba se é boa ou apenas um trabalhador em busca de uma recompensa no Paraíso ou um covarde com medo do Inferno.

Para além de todos os clichês, no entanto, acreditando na natureza egoísta de nosso instinto de sobrevivência, talvez no fundo, para a sociedade, em termos pragmáticos, não importe o que te torna aparentemente uma boa pessoa, desde que o seja, pois é isso que permite com que continuemos a conviver uns com os outros e evoluirmos enquanto espécie…

Dito isso, você acredita que é uma boa pessoa? E por quê?

 

Sergio Diniz da Costa
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