Sônyah Moreira:
‘Guerras sangrentas, passado e futuro!’
A visão causa-me náuseas! O chão está empapado de sangue, o cheiro nauseabundo arde as narinas, os sons são de gemidos alucinantes de dor. Um campo de batalha sangrento!
Nada pode mudar o que já foi feito, lutar contra um inimigo que nem ao menos sabemos seu nome, enterrar uma lança em seu ventre, sem se dar a chance de uma palavra.
As guerras nascem em salas suntuosas, longe, muito longe do campo sangrento que vejo; os homens que aqui jazem sequer imaginam o verdadeiro objetivo de tudo isso.
Os peões defendem seu rei com a vida, os gemidos clamam por socorro, ou gritam aos deuses que lhes mande a morte. Procuro por um olhar sereno neste mar de sangue, mas nada encontro. Na escuridão, o frio, e o medo fazem arrepiar minha pele.
Meu companheiro de guerra, um quadrúpede, está morto; foi atingido em seu flanco. Tive a misericórdia de acabar de matá-lo, pois não suportei seu olhar de dor. Sua pelagem branca tornou-se rósea com seu sangue.
Vá em paz, meu amigo de batalha, obrigado pela companhia em todos esses anos!
Eu caminho desolada ao ver em que se transformou a batalha, uma verdadeira carnificina. Aqui neste campo não há vitoriosos ou perdedores, e somos iguais na dor e na morte.
Ao entrar em uma guerra, deixamos de lado a coerência; porém, levamos junto a honra, lutamos pelo que acreditamos ser certo. Lutar por quem se admira, no entanto, isso é o início da guerra. Acreditar que matando o inimigo eliminaremos o mal para sempre.
Onde está a honra em matar? Cavalgando no lombo de meu companheiro de jornada, eu acreditava que seria imbatível; eu, que estava habituada a lutar, a guerrear, empunhava uma espada com a gloria do Senhor.
Lutei em campos jamais imaginados, minha armadura iluminava-se com minha coragem e determinação. Agora, nesta escuridão em que me encontro, reavalio minhas batalhas: será que o objetivo foi atingido? Será que valeu a pena?
Sinto o peso da espada, e somente no calor da emoção é possível empunhá-la com desenvoltura, tamanho é seu peso. Ninguém, sem sentir a coragem dos deuses e a nítida ilusão de vitória entra em uma guerra somente munido de ideais, com os quais acredita ser possível levar adiante tal empreitada.
Agora, ao lado de cadáveres às vésperas da putrefação, vejo a insanidade de qualquer batalha; o cheiro da morte nos dá a dimensão da guerra. Algo absolutamente sem nexo é uma guerra, por ceifar seres semelhantes.
Ouço o chamado de alguém! Meus pés afundam nesta lama vermelha, minha armadura aperta e fere ainda mais minhas feridas abertas, o sangue escorre, percebo minha fragilidade, a fraqueza toma conta de meu corpo. Um pensamento invade minha mente: não conseguirei sair daqui!
Olho para trás, como a dar adeus a meu velho amigo. O cavalo que suportou o peso de meu corpo agora repousa na terra banhada de sangue. Adeus, meu amigo! Quem sabe nos encontraremos um dia, na gloria dos céus, na eternidade!
Preciso seguir a voz que me chama e, quem sabe, conseguir sair deste campo lamacento de sangue e suor. Grandes guerreiros estão inertes agora, homens leais, corajosos. E agora, ao ver seus corpos frágeis e inertes, a dor do fundo da alma me consome.
Estou cansada, minha armadura pesa mais que o habitual. Eu, que sempre respeitei meus oponentes, lutei com a honradez, e honestidade dos meus ideais. Agora, sinto que vou desfalecer. Somente a coragem inata em meu ser me impulsiona a seguir em frente.
O caminho parece imenso, não vejo a saída dessa situação, me parecia mais fácil quando os guerreiros estavam em pé. Neste momento, ao vê-los caídos em cima de suas entranhas, invade-me o sentimento de culpa; é o peso maior que carrego. Muitos me seguiram e acreditaram em mim, compartilharam os meus ideais. Eu, contudo, os comandei e os levei à morte!
Os abutres famintos já começam a fazer a parte que lhes cabe nas batalhas. O banquete será farto. Muitos de meus homens apodrecerão em sepulcro, não conhecerão o descanso de seus corpos.
Por qual motivo a humanidade aspira pela guerra? Em nome de Deus? Por mais terras? Por demonstração de poder bélico? Qual é o objetivo?
Essas batalhas que enfrentei, eram no corpo a corpo, com espadas lavadas no sangue; sangue de guerreiros, de homens honrados, e nessas batalhas lutava-se com o coração, pela honra de um povo, e pela coragem de seguir acreditando.
Hoje, as batalhas são muito diferentes: não há honra, o sangue que escorre das mãos dos governantes é o sangue de inocentes, é o sangue de quem ainda nem nasceu, é o sangue da vergonha.
Não há campos de batalhas, nem espadas, nem cavalos. As guerras de hoje são a vida miserável de um povo, de uma nação, da qual seus governos usam de maneira déspota seus recursos, somente para benefício próprio e dos seus familiares e agregados.
Guerras sangrentas! Muitas travadas nas portas dos hospitais, na barriga roncando de fome, nos corpos inertes mortos pelo frio nas ruas das grandes cidades. A desigualdade de uma sociedade mata diariamente maiss inocentes do que um campo de batalha.
Hoje as guerras continuam a nascer em salas suntuosas; porém, seus guerreiros não possuem mais honradez e coragem, são covardes, se escondem atrás de balas detonadas a um simples aperto de botões e teleguiados por GPS, com uma margem de erro ínfima.
Os mísseis atingem inocentes, não distinguem soldados guerreiros, de crianças, mulheres e idosos, todos civis e desarmados.
O mundo mudou, mas, será que pra melhor? Os generais não sentem mais o cheiro nauseabundo de sangue, não lutam lado a lado de seus comandados. Realmente, o mundo mudou, mudou muito!
Guerras sangrentas sendo travadas diariamente pelo mundo, inocentes chorando, sem saber o motivo e sem entender a razão da guerra; choram ao ver seus brinquedos bombardeados nos escombros de seus lares.
Os abutres de hoje são seres humanos; não voam e nem comem carniça, estão assentados em seus tronos de poder, à espera da estatística da guerra.
Os campos de batalhas estão espalhados pelo planeta, as guerras sangrentas estão travestidas de fome, miséria, abandono, mulheres e crianças sendo escravizadas e ultrajadas em suas dignidades.
A dor de uma guerra é a mesma, essa não mudou! Não se usa mais espadas, armaduras e cavalos, a honra, somente existe como palavras, nos discursos bem escritos e elaborados de ditadores camuflados de lideres.
Mais de dois séculos se passaram desde esse relato que, para essas guerras do passado, era preciso um exército enorme de cavaleiros e arqueiros. Para as guerras do futuro, internet, tela de computador e um dedo indicador!
Sônyah Moreira – sonyah.moreira@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024