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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Cururu: o canto do Médio Tietê' (parte 1)

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Carlos Cavalheiro

Carlos Carvalho Cavalheiro: ‘Cururu: o canto do Médio Tietê’ (parte 1)

 

O Rio Tietê possui uma característica interessante: na sua teimosia natural, em busca de notoriedade, ele corre para o interior – caminho longo e que atravessa quase que completamente o Estado de São Paulo – em vez de seguir o curso que seria natural, qual seja, o mar. No entanto, se tivesse buscado o litoral, seria um rio insignificante e não teria marcado a história paulista como a principal via que empurrou o homem ao sertão.

Mas as águas do Rio Tietê (conhecido também como Anhembi) não sulcaram somente terra. Elas produziram povoamentos e com isso auxiliaram na criação de uma cultura específica e, portanto, numa identidade cultural. O Rio foi dividido em partes: Alto, Médio e Baixo Tietê.

Das proximidades de Araçariguama até Barra Bonita, constitui-se, mais ou menos, a região do Médio Tietê que inclui, portanto, a cidade de Porto Feliz. Nessa região, algumas manifestações culturais são características como a Festa do Divino Espírito Santo (com os encontros de canoas, os pousos na zona rural, com os cânticos característicos…), o Batuque de Umbigada e o Cururu. Este último é o objeto da nossa atenção neste momento.

O cururu é um desafio cantado característico do Médio Tietê. Diferentemente dos outros estilos de desafios espalhados pelo Brasil – como a trova gaúcha, o desafio calangueado do Espírito Santo e o repente nordestino – o cururu se estrutura da seguinte forma: 1) o cantador (aquele que faz os versos improvisados) não é o mesmo que toca a viola. Ou seja, cantador e violeiro são pessoas distintas, embora ajam com comunhão; 2) um primeiro cantador desenvolve sua narrativa em versos durante um considerável tempo (podendo variar, mas que geralmente é algo em torno de 15 a 30 minutos). Somente depois é que o oponente tem seu turno para resposta; 3) as toadas de viola são variadas e com significativa multiplicidade de tipos que auxiliam no andamento da cantoria; 4) os versos de todo o canto devem possuir uma só rima, chamada de carreira. Se a rima das palavras for “ao”, diz-se que o cantador está se utilizando da carreira de “São João”. Se o término das palavras for em “ino” (corruptela do dialeto caipira para “indo”), então, a carreira será do “Divino” e assim por diante.

O cururu nasceu dentro da religiosidade que se formava no início do povoamento paulista, segundo acredita um dos maiores pesquisadores do assunto, o maestro Eduardo Alberto Escalante, cuja dissertação de Mestrado – “A música no cururu do Médio Tietê paulista” – tornou-se uma referência. A partir dos anos 1910, o cururu deixou de figurar exclusivamente nos pousos do Divino e passou a ser incorporado como espetáculo em rádios, teatros e, posteriormente, discos por obra do tieteense Cornélio Pires.

Piracicaba e Sorocaba tiveram cantadores que se evidenciaram na arte do desafio de cururu. Quando se tornou espetáculo, esse desafio começou a aparecer em praças, em clubes, em comícios políticos e também em outras festas que não a do Divino. Em Porto Feliz, por exemplo, há notícia da ocorrência de desafio de cururu na Festa de São Benedito, com a presença dos afamados João Davi, Sebastião Roque, Pedro Chiquito e Zico Moreira. De acordo com a reportagem da época, os quatro cantadores ocuparam o Largo da Igreja de São Benedito e foram assistidos por um público estimado em 3 mil pessoas (um número bastante elevado de assistentes).

Nessa época, os desafios de cururu lotavam os lugares onde eram realizados. Uma curiosidade: o cururu ao se “profanar”, ou seja, ao se afastar do aspecto especificamente religioso, tornou-se um “produto” cultural, cujo cachê era estimado de acordo com a fama do cantador. No caso acima, os quatro eram bem conhecidos como cururueiros.

Em sua origem religiosa, o cururu era dançado. A dança, de acordo com alguns depoimentos, realizava-se de forma simples, em roda e girando o corpo sobre o próprio eixo. Parece que no Mato Grosso ainda se preserva algo dessa dança, já que lá existe também o cururu (um pouco distinto da forma paulista), cantado ao som de violas de cocho.

A apreciação do cururu pelos portofelicenses fez surgir na cidade alguns cantadores e violeiros que tiveram seu nome. Alguns deles estão citados no livro “Cururu – Retratos de uma tradição”, de Aparecido Garuti, o famoso cururueiro Cido Garoto, residente em Sorocaba, e que lançou a sua obra em 2003. Dentre os nomes de portofelicenses que aparecem nesse livro estão João Carlota (João Batista Rodrigues), Evaristo Checa, Benedito Medeiros, Mizael de Medeiros (Medeirinho), Wagner Xavier da Silva (violeiro), João Batista das Neves Filho (Batistinha), Geraldo Cristo, Natálio Vivaldo das Neves (Jairo das Neves), Antonio José Tomé (Zé Tomé), Antonio Aparecido da Cunha (Toninho Cunha), Aristides Marciano (Tide Marciano), Santo de Souza (Santo), José das Neves, Roque Antunes de Campos (Roque do Reco-reco); este último, como diz a alcunha, tocador de reco-reco, um dos instrumentos que podem acompanhar o cururu. É comum encontrar, também, violão e pandeiro, além da já citada viola.

Por intermédio de apoio cultural do PROAC (Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo), o Grupo de Cururueiros de Sorocaba, do qual faz parte o Cido Garoto, promoveu o projeto “Cururu no coreto”, com apresentações gratuitas em coretos de diversas cidades, incluindo Porto Feliz, que recebeu a caravana em 27 de maio de 2017.

 

(Continua)          Carlos Carvalho Cavalheiro (16.08.2017)

Sergio Diniz da Costa
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