Este trecho do editorial de hoje (5ª feira, 26) da Folha de S. Paulo colocou o dedo na ferida:
“…o fato é que as principais forças políticas, para nada dizer da própria sociedade, retraíram-se.
Os votos da oposição, embalados em discursos candentes, assim como os entreveros exaltados que pontuaram a sessão da Câmara, não chegaram a dissipar a impressão de que, em última análise, todos consideram a presença de Temer no Palácio do Planalto um fato consumado.
Amplamente majoritária a rejeição popular ao mandatário, esta não foi, contudo, acompanhada de nenhuma mobilização popular minimamente expressiva em favor do encaminhamento da denúncia“.
Impõe-se a conclusão de que as bandeiras eminentemente negativas, às quais o PT agarrou-se como uma espécie de tábua de salvação a partir do segundo semestre de 2014, já não estão empolgando contingentes mais amplos da população e nem mesmo a classe média se dispõe a sair às ruas para expressar seu descontentamento.
Votou-se em Dilma para afastar o perigo das reformas satânicas que os bancos estariam tramando na calada da noite com Marina Silva (e depois Aécio Neves), mas quem acabou assumindo a tarefa de impingir tais reformas aos brasileiros acabou sendo a própria Dilma.
Afastou-se Dilma na suposição de que bastasse tirar o PT do Palácio do Planalto para os problemas do país se resolverem num passe de mágica, mas ficou tudo como dantes no quartel de Abrantes, com melhoras e pioras localizadas que não alteraram substancialmente o cômputo geral aos olhos das grandes massas (quem mais se indigna com a guinada à direita são os bem pensantes, hoje não tão influentes como formadores de opinião quanto o eram no século passado).
Torceu-se pela Lava Jato acreditando que dedetizaria os universos viciosos da política e dos grandes negócios (e respectivos entrelaçamentos), mas a operação perdeu o foco e viu sua credibilidade arranhada à medida que alguns de seus expoentes passaram a utilizá-la para fins políticos.
Ademais, o distinto público reaprendeu a velha lição de que cortar cabeças de nada adianta (sai um corrupto, entra outro) quando a corrupção é inerente ao sistema político – até porque este foi satelizado e hoje não passa do biombo que o poder econômico utiliza para esconder que é ele quem realmente toma as decisões importantes sob o capitalismo, sem ter sido eleito por ninguém e sem ter de preocupar-se com reeleição, pois são apenas os seus serviçais que estão sujeitos à alternância.
O patrão é sempre o mesmo e os serviçais cada vez mais se evidenciam como farinha do mesmo saco, nem todos por crapulosidade intrínseca, mas também porque se trata de um sistema fechado, que facilmente isola e manieta os poucos abnegados dispostos a honrarem seus mandatos.
Em 2014, quando os responsáveis pela campanha presidencial do PT se apavoraram com o rápido crescimento da candidatura de Marina Silva e resolveram combatê-la com uma repulsiva desqualificação à base de mentiras cabeludas e demagogia rasteira, bem que alertei: o resultado de uma guerra de tortas de lama é fazer com que o cidadão comum tenha a sensação de que a política é toda um mar de lama.
Tem de fazê-los acreditarem na possibilidade de uma grande mudança para melhor, primeiro passo para engajarem-se nas lutas por esta mudança.
Apesar de as bandeiras eminentemente negativas possibilitarem êxitos momentâneos, em médio e longo prazo são desastrosas para a esquerda, pois desmobilizam, semeando o desencanto e a apatia. É exatamente o que se vê agora, quando ninguém gosta do Temer e quase ninguém move uma palha para tirá-lo de lá.
Na reavaliação de estratégia e táticas que a esquerda majoritária deveria estar fazendo desde maio de 2016, um ponto importante é voltar a ter uma pauta positiva, objetivos pelos quais o povo sinta-se impelido a lutar.
O fora este!, fora aquele! não só nos empurra cada vez mais para baixo, como, inclusive, já cansou.
O amargor já cansou. O rancor já cansou. E, consequência última do clima infernal engendrado por tanta negatividade, a impotência e a abulia já cansaram. É hora de virarmos o disco.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.