novembro 24, 2024
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Artigo de Celso Lungaretti: QUEM DEU SUMIÇO NO VÍDEO DO VANDRÉ, A DITADURA OU A TV RECORD?

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Por Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia

 

Odiado pela ditadura e também pelos barões da mídia
Quando se fala em censura musical nos anos de chumbo, a maioria lembra:

  • das muitas canções que permaneceram proibidas durante anos e anos (“Caminhando”, do Vandré, foi o episódio mais marcante);
  • do artifício que Chico Buarque usou para ludibriar os serviçais da dona Solange, enviando-lhes as letras no nome de Julinho da Adelaide e conseguindo, assim, sua liberação;
  • das ridículas alterações que os artistas eram obrigados a fazer, tipo Walter Franco trocar “eu quero que esse feto saia” por “eu quero que esse afetosaia” (“Mixturação”), ou Raul Seixas, em “Cachorro urubu”, substituir “o que houve na França/ vai mudar nossa dança” por “o que houve na trança(?!)”, como se assim ninguém fosse perceber que se tratava de uma alusão às manifestações contestatórias de maio de 1968;
  • de trechos deixados em branco nos discos (como na canção “Zebedeu”, de Sérgio Ricardo: “e eu encerro a cantoria, pelo amor de Deus,/ mandando vocês à … pelo Zebedeu!”) ou, ao vivo, com os vocalistas mudos e imóveis enquanto os músicos executavam a passagem vetada, etc.

Neste mês em que se comemora o centenário do evento inicial do ciclo, o 1º Festival de Música Popular Brasileira, realizado pela TV Excelsior no Guarujá (SP) e vencido por Elis Regina com “Arrastão”, quero acrescentar que as emissoras de tevê também fizeram aplicadamente a sua parte no serviço sujo.

A TV Globo, p. ex., além de ter pressionado o júri do 3º Festival Internacional da Canção a não premiar “canções que fazem propaganda da guerrilha”, ainda apagou a memória (deu sumiço nos vídeos) dos dois momentos mais marcantes dos FIC’s, o desabafo de Caetano Veloso contra a platéia que vaiava “É proibido proibir” na eliminatória paulista e a revolta do público do Maracanãzinho na final nacional, quando “Caminhando” foi anunciada só como segunda colocada. A queima de arquivos para satisfazer a pirraça dos fardados foi total. As novas gerações jamais verão o que se passou, tendo de contentar-se com áudios e fotos.

O que houve na TRANÇA, Raulzito?!

Pior ainda pode ter feito a TV Record, pois não teria sequer a desculpa de submissão a uma força maior: é possível que ela haja assumido a posição de censora por conta própria e motivo fútil. Vale uma recapitulação.

Logo que foi extinto O fino (sucessor de O fino da bossa), fez-se uma tentativa de lançar um programa nos mesmos moldes, mas sem ter Elis Regina como apresentadora exclusiva. Chamava-se Frente Única da Música Popular Brasileira, durou apenas dois meses e o comando era confiado, alternadamente, a Elis Regina e Jair Rodrigues; Chico Buarque e Nara Leão; Gilberto Gil; e Geraldo Vandré.

Este último acabou brigando ruidosamente com o Paulinho Machado de Carvalho, da família proprietária da emissora, a quem acusou de censurar a emissão que ele e sua equipe de produção haviam concebido.

Clique aqui e ouça a versão de estúdio de “Ventania”. Ver o registro ao vivo ninguém pode.

A ruptura se deu bem às vésperas do 3º festival da Record, que tinha “De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando” (ou, simplesmente, “Ventania”), do Vandré, como uma das fortes concorrentes.

Então, a emissora desencadeou uma formidável campanha de desqualificação do dito cujo, com medalhões criticando em entrevistas a “agressividade” de sua composição, mexeriqueiras espalhando que ele teria contratado uma claque para vaiar o Roberto Carlos, etc.

A pressão sobre o júri funcionou e Vandré, que vinha de retumbantes vitórias nos festivais anteriores da Record (com “Disparada”) e da Excelsior (“Porta-estandarte”), despencou para a 10ª colocação.

Um disco censuradíssimo do Chico

Chocante é constatar que, na edição dos melhores momentos desse festival de 1967, que a Record exibiu quando comemorava o seu 35º aniversário, ficou faltando… exatamente a “Ventania”!!!  Algo muito suspeito quando todo o resto se mostra perfeitamente conservado. Terá sido um caso de incêndio seletivo?

Tal trecho do vídeo também não deve ter passado pelas mãos dos diretores do documentário Uma noite em 67, Renato Terra e Ricardo Calil, caso contrário eles certamente o teriam aproveitado, sendo Vandré, como é, uma lenda e uma referência obrigatória da era dos festivais

Já a “Disparada”, do festival de 1966, pode ser vista normalmente hoje em dia e é encontrada no Youtube. Ou seja, Jair Rodrigues interpretando Vandré, tudo bem; mas o próprio cantando, tudo mal. Das tantas e tantas vezes em que ele se apresentou na Record, só restou um registro de três míseros minutos de “Aroeira”.

A pergunta que não quer calar é: foram funcionários da ditadura que –como os bombeiros daquela distopia célebre de Ray Bradbury, Fahrenheit 451— vasculharam a emissora à cata dos vídeos do Vandré, ou era a Record que, mesquinhamente, ainda o continuava retaliando tanto tempo depois?

Cadê a “Ventania” que estava aqui? O fósforo queimou? (clique aqui p/ abrir o vídeo expurgado do 3º festival da Record)

A ÉPOCA DE OURO DA MPB/1
O PRIMEIRO GRANDE FESTIVAL COMPLETA 50 ANOS.
Por Celso Lungaretti, no blogue Náufrago da Utopia.
 

Brasil, 1965. A repressão que se abatera sobre sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis não foi estendida às artes, cuja importância como fator  subversivo  até então vinha sendo quase nenhuma.

O teatro de denúncia, os Centros Populares de Cultura da UNE, o cinema novo, tudo isso repercutira tão pouco que os militares se permitiram adotar, com relação à cultura, uma postura de  déspotas esclarecidos

Como consequência, os palcos e telas começaram a ser catalizadores do repúdio ao regime e das esperanças de uma reviravolta popular, no lugar dos canais de comunicação que permaneciam bloqueados.

Surgiam espetáculos de integração entre a música, a literatura e o teatro, como Liberdade, Liberdade e o Show Opinião (colagem em que os personagens-símbolos do povo oprimido, camponeses e favelados, eram representados, respectivamente, pelo compositor de baião João do Valle e o sambista Zé Keti).

O cinema, por meio de Paulo César Sarraceni, lançava seu Desafio, filme de Paulo César Saraceni cujo título aparecia em pixações  contestatórias nos muros de São Paulo.

A música, após o refluxo da bossa-nova, tendia para um maior engajamento político e social, na linha defendida por Carlos Lira, Sérgio Ricardo, Edu Lobo e Nara Leão.

E a redescoberta ou revalorização dos sambistas do morro, colocados em evidência graças às parcerias com expoentes da bossa-nova (Pixinguinha/Vinícius de Moraes, Carlos Lira/Zé Keti, etc.), ainda rendia dividendos.

Foi quando o Centro Acadêmico Onze de Agosto, da tradicional Faculdade de Direito da USP, sediada no Largo São Francisco (de papel destacado em vários episódios de resistência ao arbítrio), decidiu promover noitadas de música popular no Teatro Paissandu, sob o comando do radialista Walter Silva.

Logo esses shows eram assistidos por plateias entusiásticas (estudantes, intelectuais, boêmios, profissionais liberais).

Um ótimo documento do período foi o LP Uma Noite no Paramount, lançado em 1983 pela RGE — não é fácil de encontrar-se na internet, mas os obstinados o conseguem baixar. Divide-se quase que meio-a-meio entre a bossa-nova tradicional e canções de protesto como “Terra de ninguém”, “Maria Moita”, “Sem Deus com a família”, “Aleluia”, “Pedro Pedreiro”).

A temperatura do espetáculo pode ser aferida pelo frenesi do público quando César Roldão Vieira canta versos tipo “a minha mulher é só minha,/ a do branco eu nem sei se só dele é”.

Um observador atento, Solano Ribeiro, viu a chance de realizar um evento de grande repercussão. Ele era um dos mandachuvas da TV Excelsior – Canal 9 (emissora paulista já extinta). PARA LER O RESTANTE DO TEXTO E ASSISTIR A 7 VÍDEOS RELATIVOS AOS GRANDES FESTIVAIS DE MPB, CLIQUEAQUI. A SÉRIE DE 5 ARTIGOS CONTINUA NO PRÓXIMO DIA 14.

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