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Na seção 'Memórias Ferroviárias', Arvelos Vieira, da Academia Cruzeirense de Letras e Artes relembra 'A realidade como ela é…'

“Meu avô Adolpho faleceu no segundo domingo do mês de maio, exatamente no ‘Dia das Mães’ de 1969. Sua Missa de Sétimo Dia se deu no sábado subsequente, e foi aí que vivi um dos grandes sustos da minha vida.”

 

Um susto para nunca mais ser esquecido!

Meu avô Adolpho faleceu no segundo domingo do mês de maio, exatamente no “Dia das Mães” de 1969. Sua missa de Sétimo Dia se deu no sábado subsequente, e foi aí que vivi um dos grandes sustos da minha vida.

A missa se deu, salvo engano, às dez horas da manhã, em Passa Quatro, onde ele residia.

Embora tristonhos com a perda recente do nosso “patriarca maior”, filhos, filhas, genros, noras, netos e sobrinhos que puderam estar presentes almoçaram juntos e juntos passamos o dia conversando e nos confraternizando até o inicio da tarde quando cada um começou a tomar seu rumo.

Meus pais e nós, filhos, ficamos por último, pois voltaríamos no “Misto”, trem ferroviário composto de 3 ou 4 carros de passageiros, um carro “bagagem” (espécie de escritório dos Chefes de Trens, nas pontas, tendo ao centro o Correio) e um carro “restaurante”, completado com vagões de cargas (fechados), vagões pranchas (abertas) e alguma vezes até carros gaiolas para transporte de bois, muito comum na época, em função do Frigorífico Cruzeiro, razão da composição ser chamada por “misto”.

Como sempre, além de atrasada, a composição ferroviária chegava à estação lotada de passageiros. Uma vez em pé, a viagem de 1h20 até Cruzeiro, naquela lentidão da subida da serra era extremamente tediosa e cansativa, mas, era o melhor que nós tínhamos. Nossa ferrovia, chamada RMV (Rede Mineira de Viação), era satirizada por Ruim Mais Vai… E o pior é que ia!…

Papai, ferroviário convicto que muito nos orgulhou, conhecido de todos, logo acomodou-nos no carro restaurante numa mesa só para nós da família. Lembro-me na época esses restaurantes tendo como gerentes o Sr. Luiz, o Sr. Manoel (antigo e famoso churrasqueiro de espetinhos na esquina da Rua 2 com a Avenida), o próprio Manoel “filho”, que hoje tem revenda de moveis e utensílios usados defronte o Sindicato dos Metalúrgicos, o Djalma, o Toninho, dono de um restaurante na entrada de Soledade de Minas.

E assim acomodados na mesa, papai, mamãe de costas para o nosso destino e do outro lado, meus irmãos Adriana, Alexandre e eu, de frente para eles. Tínhamos pela ordem dos nomes, 11, 10 e 13 anos de idade.

Não sei precisar a hora, mas recordo-me que o trem que nos conduziu até Cruzeiro partiu de Passa Quatro depois das 23 horas. Naquela lentidão, subindo os 10 quilômetros de serra até a divisa dos estados de Minas Gerais com São Paulo, até a estação de Coronel Fulgêncio, deve ter levado uns 40 minutos. E lá estávamos nós, crianças curtindo a viagem tomando guaraná e comendo batatas fritas, afinal, estávamos num restaurante sobre rodas.

Ao transpor o grande túnel de 996 metros de cumprimento (e pensar que um “mequetrefe” veio propor-me fazer uma campanha para aumentar o túnel em 4 metros para ficar com exatos 1 km. Pedi muita “paciência” a Deus, e não “força”, se não eu o estrangulava, rsrsrs!), eis que encetamos a operação descida da serra, e foi aí que deu início ao nosso inferno astral.

Composição meio extensa, pelo menos uns 12 carros na totalidade e pesada muito mais pela carga que transportava, a locomotiva que a tracionava perde o freio. O trem começa a disparar serra abaixo e, no ímpeto de contê-lo, o maquinista utilizava uma manobra de emergência, idêntica a você tentar colocar ré no carro com ele em movimento para frente, provocando um tranco dos diabos, que ia de vagão em vagão, mais parecendo queda de dominós.

No carro do restaurante onde estávamos todas as cadeiras foram jogadas para trás, ou à frente, dependendo da posição das pessoas. Meus pais foram imprensados de encontro à mesa, já nós, meus irmãos e eu, como outros passageiros, caímos de costas sobre as pessoas que estavam atrás da gente, indo muitos ao piso do carro, uns batendo a cabeça na quina de alguma coisa, provocando lesões. O armário de pratos no canto do carro veio abaixo, quebrando tudo que era louça. A gritaria era imensa. Você punha a cabeça pela janela, era só precipício que avistava (ou melhor, sabia que existia, pois tudo era escuridão!), e a certeza que tínhamos é que a composição iria despencar precipício abaixo a qualquer momento. Lembro-me como se fosse hoje: tomado pelo pânico eu saí correndo, abri a porta do carro restaurante com a intenção de pular fora do trem, meu pai correu atrás e mais rápido, segurou-me no momento que eu atingia a plataforma e se atirou no chão comigo, e assim outros trancos vieram e, dessa vez, com todos estirados ao piso do vagão, vivendo aquele desespero que parecia não ter fim, minutos que se transformaram em horas.

Nos carros de passageiros, muita gente se machucou apresentando escoriações diversas, pois muitos viajando em pé foram arremessados uns contra os outros, também indo ao solo, e os que se encontravam assentados, foram arremessados de rosto contra as poltronas da frente. E assim foi durante toda a descida da serra, trancos e mais trancos, até que a composição conseguiu parar em Rufino de Almeida, estação na entrada de Cruzeiro (Em Perequê, estação que existia no meio da serra, ela passou batida, pois o trem deslizava sobre os trilhos!).

Depois de algum tempo parado, fôlego tomado, ânimos refeitos e um balanço da situação o trem seguiu viagem para Cruzeiro, agora em trajeto plano, sem ribanceiras, sem perigo, para alívio nosso, que não acreditávamos que estávamos saindo vivos daquela aventura aterradora.

Lembro-me do papai comentando depois entre amigos, também ferroviários, que o maquinista foi muito bom (disse o nome dele, que não me recordo!), pois fosse outro com menos experiência a tragédia seria inevitável.

Como disse, não sei quem era o maquinista, certamente já morreu como a maioria dos ferroviários e, como naquele tempo tudo era na “marra”, no “cabresto”, sei que ele não ganhou nenhuma medalha ou moção pelo ato de bravura de não ter permitido que uma composição inteira despencasse precipício abaixo, na Serra da Mantiqueira, o que, sem dúvida alguma, dificilmente permitiria deixar alguém para contar a história, como estou fazendo agora, exatamente 48 anos depois, história essa que faz parte da minha REALIDADE COMO ELA É…

Sergio Diniz da Costa
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