julho 07, 2024
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Paulo Roberto Costa: 'A ilha do fim do mundo'

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“Eu precisava me distanciar um pouco de todo mundo e da minha própria vida, para tentar ordenar a confusão da minha mente. Mais do que tudo, eu precisava de um pouco de silêncio e solidão.

 

Eram seis e meia da manhã de um dia que prometia ser claro e quente. Não se via nuvem alguma no céu. Debrucei-me na amurada do cais, contemplando o horizonte, tentando decidir-me por alugar um barco e sair sem destino, ou pelo menos a uma distância da qual não visse mais ninguém ou sequer terra firme. O dia parecia ideal para isso.

Eu precisava me distanciar um pouco de todo mundo e da minha própria vida, para tentar ordenar a confusão da minha mente. Mais do que tudo, eu precisava de um pouco de silêncio e solidão. Fiquei pensando por que havia me decidido passar as férias justamente na praia. Talvez porque na agência de viagens os cartazes mostrassem cenas de paraísos solitários e maravilhosos, com todo o esplendor da natureza. Quando cheguei, entretanto, o que encontrei foi um oceano de gente congestionando um oceano de água. Ou seja, tudo aquilo do qual eu estava fugindo.

Decidi alugar o barco e, quando estava a alguns quilômetros de distância felicitei-me pela decisão. O mar estava calmo, o céu sem nuvens e o vento era apenas uma leve brisa; não se via mais a terra e sequer outro barco até onde a vista alcançava. Só se ouvia o leve marulhar das ondas, que em pouco tempo me fizeram adormecer. As imagens da realidade pouco a pouco se mesclaram com as imagens de um sonho profundo, como resposta do meu corpo a todo o cansaço e ansiedade acumulados por tanto tempo.

Não sei por quanto tempo adormeci. De repente, fui despertado por um violento trovão que me pareceu que o mundo todo tivesse explodido. Tremendo, assustado, me vi debaixo de um céu completamente escuro e ameaçador, com altas ondas que quase cobriam totalmente o barco, e um vento forte e repentino que trazia consigo uma tempestade que se aproximava rapidamente, como se fosse uma parede de água em movimento, lançando raios por todos os lados. Liguei imediatamente o motor do barco e tentei fugir em direção à terra; porém não tive tempo sequer para decidir-me por qual direção. Queria apenas distanciar-me da tempestade o mais rápido possível. A última coisa de que me lembro foi de ter vestido instintivamente o salva-vidas. O monstro negro me engoliu e, por um tempo que não consegui contar, mas que me pareceram muitas horas, fiquei em seu ventre sendo jogado de um lado para outro até que tudo desapareceu de minha mente e eu já não escutava nada; não sentia nada; não pensava em nada.

O suave barulho das ondas contra rochas trouxe-me de volta à consciência e a primeira coisa que percebi é que o barco já não mais existia. Eu estava agarrado a um pedaço de madeira do que fora o casco da embarcação. Olhei assustado ao meu redor. A tempestade tinha desaparecido, como se nunca tivesse existido. Olhei para o horizonte e para o céu tentando orientar-me. Não fazia ideia de onde estava. A pouca distância consegui vislumbrar uma ilha no ponto onde o mar e o céu se encontravam, o que me pareceu estranho, uma vez que não a havia notado nas cartas náuticas que havia consultado antes de partir. Chegar à ilha foi mais difícil do que imaginei. As ondas me puxavam de volta ao mar e precisei de muito esforço para vencê-las.

Quando finalmente consegui pôr os pés em terra, vi algumas pessoas que me fitavam, quase como se já me esperassem, embora nenhuma delas fizesse qualquer movimento no sentido de me ajudar, o que me surpreendeu muito. Percebi que a ilha era muito pequena e que sobre ela não havia quase nada, somente rochas e areia e duas colinas, uma em cada extremidade, que me lembravam enormes chifres. Era bonita, ainda que desolada. Juntei-me àquelas pessoas, feliz por encontrá-las e, de certa forma, aliviado por ter sobrevivido, pensando já em tudo o que teria para contar quando voltasse para casa.

Entretanto, à medida que aquelas pessoas respondiam minhas perguntas ansiosas, dúvidas terríveis começaram a invadir minha mente e um crescendo de terror abateu-se sobre mim. Ninguém sabia dizer onde estávamos. Nenhuma daquelas pessoas conhecia aquela ilha ou a havia visto nas suas cartas náuticas antes, apesar de alguns deles serem marinheiros experientes que diziam conhecer muito bem o mar. Todos chegaram à ilha da mesma forma que eu, arrastados por uma tempestade. Nunca tinham conseguido encontrar um meio de sair de lá. Nunca haviam visto um barco sequer passar pelo horizonte ou um avião pelo céu. Não havia nada para comer ou beber embora nenhum deles sentisse fome ou sede. Alguns deles disseram estar lá há muitos anos e não se sentiam um dia sequer mais velhos!

O que mais me surpreendeu foi que todos eles, antes de se perderem, assim como eu, saíram para o mar buscando tranquilidade e um pouco de solidão…

Sergio Diniz da Costa
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