O SER MISERÁVEL
A questão perturbadora é por que a pessoa chega a uma condição de miséria humana. Encontrar-se com alguém assim é o mesmo que encontrar-se com uma criatura viva, porém morta. A amargura e o sofrimento tomaram conta da sua existência. Ela sobrevive em dimensões confusas e paralelas, reais e sombrias da imaginação. Apega-se a um único pensamento e não possui uma visão de horizonte.
Com certeza está aprisionada pela dor e pela angustia. O dia é um martírio e a noite um calvário. Esquecida e rejeitada, ela vaga em um ambiente degradado que reflete o seu próprio interior. É cega e surda. A cegueira e a surdez foram progredindo ao longo da sua jornada inconseqüente. Alguma coisa a empurrou para este estado deplorável de tristeza e de abandono absoluto.
A criatura miserável ainda é obrigada, levada e de alguma maneira deseja aprisionar outros seres que “inocentemente” parecem carregar lá no fundo algum resquício de bondade. O poder do seu rancor e da sua revolta acorrentam a consciência perdida destas aparentes vítimas.
A situação chegou a tal estágio que nem a morte é o portal da libertação. É apenas uma passagem de uma cela para outra, ou de um sistema carcerário para outro (podendo ser ainda pior). Tirar o que se chama de vida como ato de desespero e fuga é, portanto ilusão sem volta. É um tiro no escuro. É como cair eternamente em um abismo infinito. É como nunca conseguir acordar do pesadelo. Nesta queda violenta que pode ser comparada a sensação de estar se afogando a pessoa miserável vai se agarrando naqueles que estão a sua volta (aos que estão mais próximos).
O vazio da miséria suga a energia vital dos outros, alimenta-se insaciavelmente disso. O retrocesso torna-se constante. Em raros momentos brechas de luz se abrem no labirinto escuro onde é o habitat desta criatura, porém a frieza do seu próprio coração acaba por congelar e bloquear qualquer possibilidade de saída deste “não lugar”.
O amor provavelmente nunca tenha existido. A sua mente não conhece a paz, mas sim a loucura. O seu corpo produz, absorve e exala veneno tóxico. A tortura e as vozes do lamento atormentam o seu ser mergulhado em frustrações e decepções. E depois de incontáveis ciclos de desespero e de agonia, o fim destrói o que sobrou da utopia sufocada em meio ao lixo. Algo deve surgir.
Ricardo Hirata Ferreira
Doutor em Geografia Humana, FFLCH, USP.
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