Consciência negra ou consciência humana?
Quando entra o mês de novembro as redes sociais ficam repletas de imagens do ator estadunidense Morgan Freeman ao lado de uma frase supostamente dita por ele que em resumo diz que não existe a necessidade de uma consciência negra e sim de consciência humana.
Aparentemente, a propaganda exposta nesse banner carrega a mensagem de que todos nós somos iguais em nossa humanidade e que, portanto, não faz sentido existir uma “consciência negra”.
Infelizmente os dados e as informações, os números e suas estatísticas apontam para outro lado. Não se pode negar o legado histórico nas relações sociais. O fim da escravidão dos africanos e seus descendentes não foi acompanhado da devida reparação dos danos causados por sucessivos séculos de cativeiro.
A herança que se recebeu da escravidão foi tão trágica quanto a própria servidão: discriminação, racismo, preconceito, exclusão social, desrespeito, desvalorização… Não somos iguais, infelizmente. E os números revelam nossa desigualdade. Dados obtidos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a renda média do trabalho no Brasil é esta: R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos (Dados de 2017). Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as vítimas da polícia brasileira são homens (99%), negros (75%), jovens (78%).
Ainda assim, o deputado federal Delegado Tadeu, do PSL, rasgou um cartaz exposto na Câmara com um desenho que representa a morte da população negra pela violência policial. De acordo com o jornal “El País”, “ Daniel Silveira (PSL-RJ), subiu à tribuna para dizer que os negros morriam mais nas mãos dos agentes porque são “maioria no tráfico”. “Não venha atribuir à Polícia Militar do Rio de Janeiro as mortes porque um negrozinho bandidinho tem que ser perdoado”.” [1]
No mesmo dia, 20 de novembro, o professor Juarez Xavier, da UNESP de Bauru, foi esfaqueado e chamado de “macaco” pelo seu agressor.
Atribui-se a Steve Biko, líder sul-africano que combateu o apartheid (política de segregação racial que vigorou na África do Sul de 1948 a 1991), um texto escrito em 1971 no qual definia a Consciência Negra. Em suas palavras, Biko dizia: “a Consciência Negra é, em essência, a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem em uma servidão perpétua. Procura provar que é mentira considerar o negro uma aberração do “normal”, que é ser branco. É a manifestação de uma nova percepção de que, ao procurar fugir de si mesmos e imitar o branco, os negros estão insultando a inteligência de quem os criou negros. Portanto, a Consciência Negra toma conhecimento de que o plano de Deus deliberadamente criou o negro, negro. Procura infundir na comunidade negra um novo orgulho de si mesma, de seus esforços, seus sistemas de valores, sua cultura, religião e maneira de ver a vida”.
Na mesma década o movimento negro do Brasil, durante a vigência da Ditadura Militar, lançou a proposta de contraposição à comemoração do 13 de Maio (dia da Abolição da Escravidão) e elegeu o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Nesse dia, em 1695, morria o líder máximo do Quilombo dos Palmares, Zumbi.
A morte de Zumbi representa a luta contra a opressão do cativeiro. Continua representando a luta contra a opressão ao povo negro. Viva o Dia da Consciência Negra!
[1] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/19/politica/1574195977_206027.html Acesso em 26 nov 2019
Carlos Carvalho Cavalheiro
carlosccavalheiro@gmail.com
26.11.2019
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos