Não podemos mais esquivar-nos desta amarga verdade: a esquerda ajudou a chocar o ovo do bolsonarismo
Vivemos numa sociedade que:
— desperdiça o potencial já existente para se proporcionar uma existência digna a cada habitante do planeta;
— que faz as pessoas trabalharem muito mais do que seria necessário para a produção do necessário e útil;
— que condena parcela substancial da população economicamente ativa ao desemprego, à informalidade e à mendicância;
— que estimula ao máximo a compulsão consumista sem dar à maioria a condição de adquirir seus objetos de desejo;
— que retirou do trabalho qualquer atrativo como realização individual, tornando-o apenas um meio para obtenção do vil metal (ou seja, uma nova forma de escravidão).
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TROCANDO EM MIÚDOS
.Na ótica marxista, o capitalismo representou um estágio superior de civilização em relação ao feudalismo. No entanto, às vezes o sistema que já esgotou sua contribuição positiva é bem-sucedido em bloquear as forças de mudança. Foi o caso de Roma e está sendo o do capitalismo hoje.
É ultrajante que ainda exista tanta gente passando fome, tantos desempregados e subempregados. Quanta sordidez e quanto sofrimento inútil!
TOQUE DO EDITOR —Caso os leitores não tenham notado, o texto acima nada tem de novo. Todas as suas frases foram extraídas do meu artigoA barbárie nos ronda(confiramaqui), que coloquei no ar há mais de 13 anos, em 22/02/2007, ainda no blogO Rebate, pois oNáufrago da Utopiasurgiria apenas em agosto de 2008.
Só acrescentei o intertítulo, nenhuma palavra mais. E deletei algumas passagens menos relevantes e outras que evidenciariam ser ele originário da década passada, além de melhorar a diagramação.
Perguntarão os leitores se isto não passa de um exercício de narcisismo ou tenho algo mais sério em mente? Tenho.
É que A barbárie nos ronda foi meu artigo daquela época no qual mais me alonguei sobre um posicionamento que perpassava muitos dos meus textos de então: o de que o compromisso dos revolucionários é conduzirem a humanidade a um estágio superior de civilização.
Isto porque o populismo de esquerda (leia-se PT) considerava irrelevante esta proposição marxista. Passara a nortear-se pela estreiteza dos critérios geopolíticos e pela amoralidade da realpolitik, adotando a postura utilitarista de que, para desgastar as nações capitalistas avançadas, valia tudo (mesmo apoiarmos as mais retrógradas tiranias fundamentalistas dos países árabes, que ainda estavam espiritualmente estacionadas na Idade Média!) e tratar os direitos humanos como perfumarias (já que algumas nações pseudo-socialistas não davam a mínima para eles).
Preguei no deserto, pois havia bem poucos ouvidos de esquerda abertos para escutarem críticas ao partido que estava no poder e era dono de todas as boquinhas a serem distribuídas aos que fechavam os olhos à sua descaracterização. Aliás, também nisto não havia novidade, pois acontecera exatamente o mesmo, em escala bem maior, durante o stalinismo.
Os resultados estão aí: arrogantes e impermeáveis às críticas que poderiam revitalizá-los e melhorá-los, tanto o stalinismo quanto o petismo ruíram fragorosamente.
E, no terreno semeado pelo populismo de esquerda, de desprezo pelo pensamento, pela ciência e pelos valores humanistas, com um líder cheio de limitações intelectuais, políticas e ideológicas sendo idolatrado como um messias, brotou o populismo de direita, que não passa de uma versão mais tosca e exacerbada dos mesmos defeitos.
As boçalidades que hoje tanto nos repugnam encontraram terreno fértil entre o povão porque ele passara anos e anos sendo doutrinado com base em meia-dúzia de slogans simplistas (pois o que dele se queria eram apenas os votos, não uma participação em pé de igualdade), até ficar acreditando piamente que, como diziam os versos sarcásticos da canção Cambalache, ¡Todo es igual!/ ¡Nada es mejor!/ Lo mismo un burro/ Que un gran profesor…
Eis que hoje, ao invés de um grande professor como o FHC, temos na presidência da República um burro chamado Bolsonaro. Alguém está gostando?
Mais: alguém já se deu conta de que a forma chocante como o populismo de esquerda ultrapassou todos os limites da civilidade para assassinar a reputação de FHC tem muito a ver com a perda de respeito dos incultos pelo conhecimento arduamente adquirido?
E que, graças a isto, essas hordas de primatas já não se envergonham (pelo contrário se orgulham), de desfilarem em carreata pela avenida Paulista, bloqueando ambulâncias e ecoando o mais grotesco besteirol da extrema-direita?
Tomara que as amargas lições que estamos recebendo há 15 meses nos façam perceber que, findo esse show de aberrações extemporâneo e que já está nos estertores, teremos de reconstruir a esquerda de forma bem diferente, reatando o compromisso com a civilização, com os interesses superiores da humanidade, com a plena liberdade, com a solidariedade, com a compaixão e com o pensamento crítico, pois estes são componentes indissociáveis da revolução com que Marx, Proudhon e outros titãs sonharam.
A igualdade econômica que, enquanto depreciam o restante, os reducionistas valorizam em sua retórica (sem, contudo, conseguirem viabilizá-la na prática), não basta.
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros, Editor-Geral do Jornal Cultural ROL e um dos editores do Internet Jornal. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA. Membro Fundador das seguintes entidades: Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA; Academia Hispano-Brasileña de Ciências, Letras e Artes – AHBLA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola – NALLA e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 7 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Dr. h. c. em Literatura, Dr. h.c. em Comunicação Social, Defensor Perpétuo do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro e Honorável Mestre da Literatura Brasileira; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela Academia de Letras de São Pedro da Aldeia e Associação Literária de Tarrafal de Santiago, Embaixador Cultural | Brasil África – Adido Cultural Internacional