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Ferrer, os conservadorismos e as múltiplas faces da Justiça

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Barcelona, 13 de outubro de 1909. As forças reacionárias da Espanha fuzilam o pedagogo Francisco Ferrer y Guardia, acusado de ser “mentor intelectual” da chamada “Semana Trágica”, uma série de protestos violentos contra a Guerra do Marrocos, de 26 de julho e 2 de agosto de 1909, que contou com incêndios de templos católicos. Sendo Ferrer um anarquista anticlerical, a culpa pela incitação dos protestos recaiu sobre ele.

O professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da Unicamp, Sílvio Gallo afirma que “Ainda que a acusação feita contra ele no tribunal militar tivesse sido a de mentor intelectual e incitador das revoltas populares em Barcelona, conhecidas como “Semana Trágica”, o processo contra ele deixa entrever que a criação da Escuela Moderna de Barcelona, em 1901, havia provocado os conservadores além do que eles podiam suportar”.[1] A Escola Moderna, criada por Ferrer propunha uma pedagogia desvinculada da religião, com esteio na ciência, na razão, na autonomia dos estudantes e no ensino misto (meninos e meninas na mesma sala de aula). Isso pode não parecer novidade hoje em dia, mas no início do século XX chocou a atrasada sociedade espanhola, alicerçada em superstições, em conservadorismos e intolerância.

Aliados a setores reacionários da Igreja, os militares julgaram Francisco Ferrer e a “justiça” o condenou ao fuzilamento por ter “inspirado” pessoas a protestarem violentamente contra a Guerra do Marrocos. Essa condenação injusta manchou a memória da Espanha por longos anos e, ainda, é um borrão que macula a honra dos espanhóis.

Passados mais de cem anos, novamente decisão emitida por um Tribunal, agora no Brasil, carrega em suas letras o gosto amargo da injustiça. Coincidentemente, a vitima desse processo tem por sobrenome Ferrer.

Nesta semana foi divulgado trecho do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a influenciadora digital catarinense Mariana Ferrer. Durante os trabalhos do julgamento, o advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, apresentou fotos de Mariana de quando ela era modelo para insinuar que a vítima consentiu na relação carnal com o acusado. Depois de humilhá-la de diversas formas, o advogado ainda argumentou que “jamais teria uma filha do nível” e ao choro incontido da vítima, Claudio Gastão respondeu: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.[2]

Por sua vez, o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira levantou a tese do “estupro culposo”. De acordo com essa tese, o crime é cometido sem que haja dolo (deliberação de cometer, má fé). O réu estuprou, mas sem querer estuprar!

Não bastasse o hediondo espetáculo de crucificação pública da vítima, o promotor levanta a tese de um crime não previsto em lei. E como não há previsão legal, não existe crime e o réu foi absolvido.

Obviamente que a sentença de absolvição, pelo acolhimento da tese do promotor, exarada pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis causou indignação geral. O ministro STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes se manifestou nas redes sociais, afirmando que: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”.

Coincidentemente – ou nem tanto – vivemos num momento em que o conservadorismo, aliado de uma visão reacionária do cristianismo e do militarismo, contamina as consciências. Assim como na Espanha de cem anos atrás, vivemos uma época de retrocessos e ranços. Como ocorreu com Francisco Ferrer, se não tomarmos cuidado, carregaremos para sempre o gosto amargo de uma injustiça cometida.

Mais vil que o cálice de cicuta, que calou a voz do maior pensador de sua época, Sócrates, será a injustiça que hoje se proclama entre nós se não gritarmos hoje bem alto: Chega! Já basta!

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

04.11.2020

[1] https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072013000200015

[2] https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/tese-de-estupro-culposo-por-promotor-em-caso-de-mariana-ferrer-gera-revolta/

 

 

 

 

 

 

Carlos Carvalho Cavalheiro
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