setembro 19, 2024
Editora Cubile lança livro sobre a história de Sorocaba
Exposição de Artes Janelas do Brasil
Homenagem ao concurso Miss Brasil
O luar e o amor
Aldravia (3)
Em toda estação há solidão
Penso em ti e logo te quero
Últimas Notícias
Editora Cubile lança livro sobre a história de Sorocaba Exposição de Artes Janelas do Brasil Homenagem ao concurso Miss Brasil O luar e o amor Aldravia (3) Em toda estação há solidão Penso em ti e logo te quero

A GUERRA DOS PAULISTAS – palestra do professor Dagoberto Mebius no Gabinete de Leitura de Sorocaba em 2015

DAGOBERTO MEBIUS

Em 2015, participando das comemorações dos 80 anos da Revolução Constitucionalista de 1932 o professor Dagoberto Mebius fez uma palestra no Gabinete de Leitura de Sorocaba com o sugestivo título ‘A Guerra dos Paulistas’. Abaixo a íntegra desse excelente trabalho do historiador sorocabano. (Helio Rubens)

“HOMENS EM ARMAS… MULHERES EM LUTA”


…Enquanto os varões paulistas armados e empolgados pelo sagrado dever de defender São Paulo, estimulados pelos vibrantes e apoteóticos discursos e palavras dos líderes “revolucionários” se aglomeravam ou marchavam para o “front”, as mulheres de São Paulo iam à luta, não nas trincheiras, mas na retaguarda, caladas, sacrificadas, chorando antecipadamente pelos seus maridos, filhos e parentes. Foram essas mulheres, milhares delas, “Helenas” anônimas que sustentaram e escreveram grande parte dessa trágica e heróica epopéia bandeirante.

A maioria delas serão sempre as desconhecidas e valentes guerreiras paulistas de 32…
Mas no final da década de 90 a falta de respeito para com essas mulheres beirou as raias da hipocrisia e desrespeito. Especialmente por aqueles e aquelas que lutaram por ideais em 1932, pelos ideais de que as leis fossem cumpridas e o povo respeitado nos seus direitos de voto. Esse assunto atualmente está encerrado por um motivo óbvio – a morte da maioria delas e deles.
Em 1990, ao assumir como Comissário Regional a União dos Escoteiros do Brasil – Região de São Paulo recebia visitas constantes de Veteranos, viúvas, advogados e interessados na obtenção de documentos para comprovarem suas participações em 1932. Pois já haviam surgidos os famosos “boatos” da mudança da lei da “Pensão Vitalícia transferida à viúva no caso de falecimento do beneficiário”. E isso realmente vai ocorrer através de um despacho Governador Mario Covas em 1996.
Deixei o cargo de Executivo Profissional do Escotismo paulista em 1994, mas não antes de ter realizado um intenso trabalho de relacionamento com o ainda MMDC em São Paulo e me oferecido para vasculhar todos os arquivos, documentos e fontes necessárias para solucionar o problema daquelas pessoas para mim tão especiais e por indicação do Professor Doutor Waldemar Baroni Santos – advogado e nobiliarista internacional e do Doutor Roberto de Aquino Lordy – Presidente da Sociedade Brasileira de Heráldica e Medalhística, do Professor Sólon Borges dos Reis, bem como me valer do fácil transito junto a Assembléia Legislativa, da Câmara Municipal de São Paulo, das Listas de Óbitos da Sé – que congregava uma série de registro de paróquias paulistas à época de 1932.
Não resolvi todos os casos, mas apenas uma parte. Poderia te-lo feito mais. Mas faltaram recursos financeiros.
De modo geral o problema deles era o mesmo. O Governo do Estado de São Paulo, através da Comissão Especial da Revolução de 1932, da Secretaria de Gestão Estratégica do Estado, a partir de um despacho de 1996 assinado pelo Governador Mario Covas, estaria exigindo dessas viúvas “algum documento”, “provas documentais” que comprovassem que os seus maridos participaram da Revolução 32, para continuarem a receber a Pensão Especial, de um salário mínimo e meio, que eles receberam a partir de 1978. Até 2004, segundo dados da Secretaria da Fazenda, 6.092 pessoas receberam a pensão, sendo 1.753 veteranos e 4.339 viúvas e filhas. A Lei 3.988 de 26/12/83 estabelece que a pensão é vitalícia e será transferida à viúva no caso de falecimento do beneficiário, ex-participantes de 32. Essa Lei estadual não estava sendo cumprida, pois exigia-se das viúvas uma “prova” que o próprio Governo paulista sabia não existir, por um fato extremamente frágil e simples.
“Ao se oferecerem como voluntários, os jovens informavam apenas nome, idade e se eram motoristas ou não, condição que qualificava o soldado. Não se pedia nome dos pais, endereço, nada. Davam-se um verniz no mosquetão e já iam para a área de combates”. Ou seja, a exigência de “provas” é descabida, pois tais provas não existem! E se houvesse alguma relação de nomes ou outros dados, o Governo do Estado saberia. Mas é público e notório também que o Governo do Estado e seus “Consultores” sabiam que foram destruídos os documentos da Revolução, os registros da revolução foram destruídos, queimados, pelas tropas “vitoriosas” do Getulio.
Quem conhece os fatos dessa Revolução, sabe que os voluntários e muitos dos combatentes não tiveram nem os seus nomes registrados em alguma lista, com raras exceções de algum batalhão organizado pela Sociedade M.M.D.C., quando dos preparativos da revolta paulista. Não existem listas de nomes de todos os que participaram de 32, em especial dos voluntários civis, como o Governo do Estado poderia exigir das viúvas uma prova que não existe nem nos arquivos históricos, como por exemplo, o do Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá, SP. ou nos arquivos da atual Sociedade Veteranos de 1932 -M.M.D.C.
É difícil achar algum documento que tenha registrado os nomes de voluntários, em especial os civis, que participaram de 1932, salvo algum que participou de algum acontecimento da guerra e que foi registrado por jornalistas da época. No Vale do Paraíba, a Frente Norte de Combates de 32, os voluntários iam direto para a frente de combates, sem ninguém anotar os seus nomes. Essa foi a realidade de muitos ex-combatentes e que participaram como voluntários da Revolução, pessoas que não lembram de ter dado seus nomes para algum registro. No Vale do Paraíba, palco de batalhas renhidas o benefício da Lei com provas “testemunhais” de três ou mais ex-combatentes ou outras pessoas, como os chefes de tropa, que participaram de 1932 foram suficientes para contornar o desconforto dessa viúvas. Onde estão as relações oficiais?
Essas decisões oficiais-pessoais foram de uma crueldade tamanha, que algumas dessas histórias devem ser conhecidas para que nunca voltem a se repetir.
Por exemplo: O Processo n.º4406/98 -SAMSP, um processo de quatro anos em que a viúva entra para receber a Pensão Especial deixada pelo falecido ex-combatente. Nesse processo, o Governo dá a desculpa que não havia provas suficientes de que o falecido lutou em 32, apesar de ele ter recebido a pensão durante décadas.
Outros processos, todos semelhantes que simplesmente a tal Comissão exigia das viúvas, geralmente pessoas com mais de 80 anos, provas de que seus ex-maridos lutaram em 1932. Essas viúvas tinham muita dificuldade para fazerem a prova e na maioria dos casos, chegavam a desistir da pensão, quando não morriam antes. No caso do Processo 4406/98, a viúva chegou até a impetrar Mandado de Segurança e a Comissão procurou ganhar tempo, mandando o processo para a Sociedade Veteranos de 1932-M.M.D.C., para que ela apresentasse provas, exigências consideradas descabíveis pela Sociedade.
Essa exigência do Governo paulista deixou as viúvas de ex-participantes de 1932, desesperadas. O que o Governo do Estado exigiu dessas viúvas foi uma afronta à memória dos que participaram da Revolução em benefício de um país melhor, com Constituição e mais liberdade e respeito às Leis constituídas. São Paulo lutou em 1932 por esses ideais, mas na atualidade seus representantes mostraram que não respeitam a Lei que estabeleceu que as viúvas tinham o direito à Pensão Especial e mostraram o desrespeito a idade dessas senhoras (conforme estabelece o Estatuto do Idoso), que ficaram desesperadas sem saberem o que fazer ante tais exigências para poderem continuar a receber o benefício que seus maridos recebiam. ^
A memória de muitos dos nossos homens públicos deve ter falhado. Os interesses outros e mais atuais desprezaram as imagens da realidade de um povo heróico, corajosos, porém ingênuo. Cerca de 40 mil brasileiros de São Paulo contra 120 mil brasileiros dos outros estados estiveram envolvidos nas operações militares que se caracterizaram por batalhas campais, ações de guerrilha nas montanhas e pequenos combates.
As fontes consultadas dão conta de que quase o dobro de mulheres esteve engajada nessa luta. 72 mil mulheres voluntárias, 15% da população feminina do Estado de São Paulo. Elas estavam nas comissões ou se dirigiram para as cidades próximas dos combates como enfermeiras, farmacêuticas, médicas, cozinheiras, motoristas, costureiras e as que iam as cidades distantes para fazerem propaganda para convencerem o povo a participar da guerra.
As mulheres paulistas se mobilizaram e atuaram na área industrial, confeccionando, capacetes, armas, munições e uniformes numa amostragem do que aconteceriam com a mulher norte americana na 2ª Guerra Mundial 10 anos depois. Foram 72 mil mulheres.
Para ela foram feitas estas estrofes numa modinha popular da época:

Paulistinha querida,
qual é a tua cor,
que tanto disfarças
com teu pó-de-arroz?
Não és loira nem morena,
não tens nada de mulata,
paulistinha querida,
Agora sei
que a tua cor é 32.

Há uma questão ainda que precisa de resposta, é bem mais modesta e tenho me poupado um pouco na sua elucidação – O professor dos últimos tempos tem sido formado para apenas repetirem grades curriculares e parâmetros nacionais absolutamente estáticos e sem nenhuma criatividade ou estímulo de pesquisas – isso em todas as matérias do fundamental I e II , são automaticamente dirigidos a ensinar a História do Brasil de uma forma decorativa e superficial. E mais curioso ainda é a “zona de penumbra” na qual é colocada a Revolução de 1932. Nessa “terra de ninguém no tempo”, passa o “armador” dos programas educacionais pela Revolução de 30. Ora 32 é a seqüência inevitável da Revolução de 30 com seus impasses , suas disputas. È necessário tratar da história política, examinar as visões múltiplas, diferentes e por vezes fundamentalmente opostos.
Não é no entanto apenas um caso didático ou de civismo, mas de algo mais profundo, de um clima espiritual de solidariedade que assinalou o ponto culminante da Revolução de 32, com seus homens em combate e as mulheres em luta… e que lutaram atém bem pouco tempo atrás, muitas ainda levando a triste pecha de “mulher doida, viúva de veterano de 32!”.
Que vergonha!

Essa é apenas parte de uma história acontecida num século que primou pela brutalidade e estupidez … Ainda bem que ele acabou, estamos com um tempo todo novo pela frente, que a espiritualidade daqueles que lembramos nesta data tão importante nos ajude a realizar neste século novo, momentos de luminosa criatividade, beleza e fraternidade.

Que Deus cuide bem das nossas meninas de 32… precisamos delas como mães, irmãs, namoradas, esposas e filhas e um dia talvez nossas viúvas também.

Helio Rubens
Últimos posts por Helio Rubens (exibir todos)
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial
Pular para o conteúdo