Hamilton Octavio de Souza: Artigo ‘O QUE O SÍTIO DE ATIBAIA NOS REVELA’
Por mais banal de seja essa história do sítio de Atibaia utilizado pelo ex-presidente Lula e sua família, entre tantos factoides que costumam dominar o noticiário político da grande imprensa, o caso merece sim uma leitura criteriosa e sem a paixão cega das torcidas organizadas. No momento em que o país está carente de debates sobre projetos nacionais, programas de desenvolvimento e propostas para as mais urgentes demandas do povo brasileiro, o episódio é revelador do nível de promiscuidade existente entre empresas privadas e lideranças políticas, sobretudo o modo de agir de alguns dos envolvidos, pessoas físicas e jurídicas.
Pode-se até afirmar que os órgãos do Estado (Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário) e a grande imprensa privada (jornais, revistas e concessionários dos serviços públicos de radiodifusão) não teriam o mesmo empenho de investigação e divulgação se o personagem central dessa história não fosse o ex-presidente Lula, mas qualquer outro político de destaque. No entanto, em tempos de devassa geral vale lembrar que a Operação Lava Jato já indiciou dezenas de poderosos empresários, lobistas, doleiros e mais de 40 parlamentares de vários partidos, a maioria do PP, PMDB e do PT.
A direção petista protesta contra a “injusta perseguição” das instituições do Estado e da imprensa ao ex-presidente Lula, principal e único candidato presidencial do partido em 2018. Está no seu papel defender o filiado, já que desgaste público e inviabilização da candidatura Lula seriam grandes trunfos das oposições. Sem a candidatura Lula, salvo surpresa de alguma outra liderança, o PT e seus aliados teriam muita dificuldade em recuperar a popularidade perdida com o atual governo e assegurar uma vitória em 2018.
Além do interesse político e eleitoral, evidentemente, a história do sítio nutre os sentimentos de boa parte da população em relação aos grupos dirigentes do país, especialmente após a onda de protestos iniciada em junho de 2013, o engodo eleitoral de 2014, a grave crise econômica de 2015. É evidente que o povo acompanha com justa indignação as denúncias de corrupção e o eterno malabarismo dos políticos em torno do poder. Boa parte da sociedade está cansada de bandalheira e se manifesta claramente contra a impunidade de quem quer que seja.
Se o caso do sítio fosse apenas uma denúncia falsa, sem pé nem cabeça, por que não foi rápida e facilmente desmontada pela família Lula, por seus amigos (José Carlos Bumlai, Roberto Teixeira, Fernando Bittar, Jonas Suassuna etc) e demais envolvidos (OAS, Odebrecht etc), já que, afinal, todos dispõem de bons e caros escritórios de advocacia e de amplo acesso aos meios de comunicação, sem contar o apoio de parlamentares, personalidades, blogueiros e redes sociais.
O que impede o desmascaramento da suposta perseguição eleitoral? Em primeiro lugar está a verdade dos fatos em relação à existência concreta do sítio, suas dimensões e valores, sua propriedade, sua utilização, obras da reforma, coisas e pessoas reais. Nada disso é ficção ou invenção fantasiosa, é a mais pura realidade. Em segundo lugar está o peso dos depoimentos de diferentes personagens (comerciantes, prestadores de serviços, engenheiros, arquitetos), os quais, apesar de contestados pelo Instituto Lula, fortalece a suspeita sobre o verdadeiro dono do sítio e a conexão das obras com algum esquema de propinas.
Mesmo que alguém considere normal que grandes empreiteiras patrocinem obras num sítio qualquer, sem receber nada em troca, por que os denominados proprietários do sítio, adquirido por R$1.500.000,00, Fernando Bittar e Jonas Suassuna, ambos sócios de um dos filhos de Lula numa empresa de games, não vieram a público rápida e prontamente esclarecer a intricada situação? Ao contrário, se esconderam da imprensa e deixaram que a história do sítio fosse tratada em notas divulgadas pelo Instituto Lula.
Nos depoimentos dados à Polícia e ao Ministério Público, comerciantes, engenheiros e prestadores de serviços forneceram informações e provas sobre o seguinte: 1) As obras das reformas do sítio custaram, só de material, mais de 500 mil reais, e foram acompanhadas de perto por familiares e amigos de Lula, entre os quais a esposa Marisa Letícia e o compadre Roberto Teixeira. 2) Todas as despesas, a maior parte paga em dinheiro vivo, foram rateadas pela OAS, Odebrecht e Usina São Fernando, de Bumlai.
Mesmo que se afirme que o sítio é emprestado e que alguns amigos empresários deram as obras de presente para o ex-presidente Lula, é no mínimo estranho que tais obras tenham sido destinadas a uma propriedade de terceiros. Ao aceitar presentes de OAS, Odebrecht e Usina São Fernando, quando ainda estava no exercício do mandato, o ex-presidente pode até não ser acusado da prática de crime, mas nada impede que venha a ser questionado se tal comportamento fere ou não o decoro do cargo e eticamente a imagem do mandatário da Nação? Não atinge também a imagem pública de um líder popular que quer disputar novamente a Presidência da República? No mínimo mostra os tipos de negócios tratados no círculo de amizades do ex-presidente.
É evidente que a história do sítio muda completamente se ficar comprovado que os presentes dados foram em troca de alguma ação de governo. É exatamente isso que a Operação Zelotes e agora a Operação Lava Jato estão investigando: se tais presentes tem a ver ou não com a venda de Medidas Provisórias ou com as propinas da Petrobras. Se algo assim for provado, o ex-presidente Lula pode ficar mesmo bem encrencado com a Justiça brasileira. E aí não se poderá alegar que se tratou de “linchamento político e moral” de Lula com objetivos eleitorais.
Igualmente grave é que se venha a descobrir que o sítio de Atibaia não está apenas emprestado, mas pertence mesmo ao ex-presidente. Nesse caso, mais do que justificar a origem dos recursos utilizados na compra da propriedade, como acontece com qualquer cidadão, o ex-presidente precisará explicar à Receita Federal e ao povo brasileiro porque ocultou o sítio na sua declaração de bens. Essa não é uma questão privada, é uma questão pública. Até agora as notas divulgadas pelo Instituto Lula não esclarecem os aspectos nebulosos dessa história. O esclarecimento é uma exigência da sociedade. Nenhum povo constrói verdadeira democracia em cima da dissimulação e da mentira.
Hamilton Octavio de Souza
Jornalista profissional desde 1972.
Trabalhou na reportagem geral e na reportagem política de O Estado de S. Paulo (1972-1979), Folha de S. Paulo (1983-1986) e na imprensa alternativa, sindical e popular. Em 1974 participou da cobertura jornalística da Revolução dos Cravos, em Portugal. Foi diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo de 1975 a 1978 e um dos criadores do jornal Unidade. Em 1981, recebeu o Prêmio Wladimir Herzog de Direitos Humanos por reportagem sobre a repressão política no Cone Sul, publicada no jornal Movimento. Foi repórter do jornal Retrato do Brasil (1986), editor da revista Nova Escola (1987-1989), editor-chefe do jornal Gazeta de Pinheiros (1989-1991), diretor de Comunicação da Unifeob de 2001 a 2004; editor da revista Sem Terra, do MST, de 2001 a 2006; e articulista de vários jornais, revistas e sites, entre os quais Brasil de Fato, PUCViva, Cantareira (SP) Tribuna (VGS) e Correio do Brasil (RJ). Foi editor-chefe da revista Caros Amigos de fevereiro de 2009 a março de 2013. Colabora atualmente com a revista Vírus (RJ) e com o jornal Correio da Cidadania (SP).
Professor da PUC-SP de 1982 a 2015.
Lecionou as disciplinas Jornalismo Político, Jornalismo Econômico, Crítica da Imprensa, Jornal Laboratório, Projetos Experimentais, Sistemas de Comunicação no Brasil, Técnicas de Reportagem e Orientação de TCC. Foi também professor de Jornalismo na FEMA, de Assis (SP), e em cursos de comunicação popular e comunitária do Núcleo Piratininga de Comunicação (RJ). Lecionou também nos cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) em Jornalismo Político e Jornalismo Social da PUC-SP-Cogeae. Formado em Jornalismo pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), tem curso de especialização na Universidade de Navarra, Espanha. Tem atuado nas áreas de jornalismo alternativo e popular, ética profissional, crítica da mídia e democratização dos meios de comunicação. Foi chefe do Departamento de Jornalismo da PUC-SP de 1991 a 1995 e de 2001 a 2009. Foi diretor da Apropuc de 2000 a 2008 e de 2014 a 2015 e integrante do Conselho Editorial do Jornal PUCViva. Em dezembro de 2015 desligou-se da PUC-SP.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.