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Andreia Caires: 'Essa tal tecnologia'

Andreia Caires

Essa tal tecnologia

Já profetizava o sábio Daniel, quando dizia que “a ciência se multiplicaria”, os carros seriam velozes. Velozes? Os carros hoje são “velozes e furiosos”. Praticamente voam e já se viram sozinhos, sem o comando manual do homem.  Estamos ou não estamos na era dos Jacksons?

“Ah, os tempos são outros, minha neta!’ – dizia minha também sábia avó. Mas isso ainda no tempo em que a internet nem sonhava em ser famosa; tempos em que, enquanto a mamãe usava a enceradeira pra deixar o chão parecendo um espelho, a vovó fritava os deliciosos bolinhos de chuva para que eu e meus irmãos tomássemos o lanche da tarde.

Os meus papéis de carta, cheios de fofuras, perfumados com carimbinhos de tutti frutti… Eram a minha ‘ostentação’! Eu chamava as coleguinhas justamente para trocar os papéis repetidos. A cada novidade era uma alegria.

Isso não me impedia de tirar um tempo para observar as nuvens formando desenhos lá no céu; e era assim que eu comia os bolinhos; olhando para as nuvens que, rapidamente, formavam peixes, coelhos, corações…

Não tínhamos telefone, e quando precisávamos usá-lo, corríamos no orelhão da esquina, sempre disputado, na sua maioria, por adolescentes.

O tal computador foi-me apresentado, oficialmente, já na fase adulta, através de um curso básico e gratuito de informática, oferecido pela biblioteca de meu bairro.

Nunca usei o tal Orkut; atrasadinha, cheguei depois, já na explosão do Facebook;  e, preciso confessar: o impacto de toda essa tecnologia na minha vida foi muito grande.

As tardes de bolinho de chuva e trocas de papéis de carta foram substituídas por finais de semana inteiros de frente para o computador. Foram esquecidas como se nunca tivessem acontecido! O velho orelhão? Coitado, já havia sido extinto há muito tempo. O celular comandava nossos passos e ditava as regras!

Que mundo impactante era esse em que eu havia me conectado? Era como se eu tivesse entrado no guarda-roupa e descoberto Nárnia!

Quem ousaria me tirar da frente daquele PC? Havia tantas coisas para ver, lugares para conhecer, amizades pra fazer com apenas um click

De repente, sem eu menos esperar, a mensagem me notificando: ‘Você atingiu o limite máximo de amigos.’( 5000 ). Eu não poderia adicionar e aceitar mais ninguém.

E os blogs? Um atrás do outro! As dificuldades de outrora em publicar um livro agora dava lugar à esperança! Afinal, qualquer escritor podia publicar gratuitamente um livro online, e ainda fazer sucesso!

E as fotos? Selfies e mais selfies, podendo ser corrigidas à hora que quiséssemos! Cara feia nunca mais, com os aplicativos de embelezamento de fotos criado para nossos lindos aparelhos.

A pergunta que eu sempre fazia ao universo: ‘Como eu aguentei viver sem tecnologia esse tempo todo? Como sobrevivi?’.

Realmente, minha avó tinha total razão quando dizia: ‘Os tempos são outros!’.

E como ela estaria hoje, se  estivesse viva? Ah, com certeza pesquisando inúmeras receitas de bolinho de chuva diferentes na internet ou talvez já tivesse publicado seu livro de receitas por alguma plataforma on-line. E minha mãe? Ela até ri quando lembramos da enceradeira, da máquina de lavar antiga…

Até meu pai foi obrigado a acompanhar a tecnologia em seu trabalho. Meu irmão a cada ano trocava o celular por um mais novo. O computador já estava ultrapassado com aquele monitor enorme e pedia para ser aposentado. Os notebooks estavam explodindo em vendas. Fiquei estarrecida quando soube que o homem, ao pisar em solo lunar pela primeira vez, levou um computador pra lá, muito mais inferior que o smartphone que eu uso e chamo de lerdo.

Ah! vovó tinha razão em falar que ‘os tempos são outros’. Quem não conhece pelo menos um casal que se conheceu na internet? No Facebook, Twitter, Tinder

Um belo dia, ao ligar o PC, a imagem e uma travessa cheia de bolinhos de chuva me remeteu a um tempo nostálgico; um passado que não estava morto, apenas adormecido.

Avó, mãe, pai,  irmãos, tios e primos; de repente senti um vazio tão grande… não por culpa da internet, mas por culpa minha mesmo; a sensação de vazio e o anseio de que precisava urgentemente me desconectar!

Eu não havia percebido antes, mas agora entendi que precisava ser e estar. Ser filha e estar presente. Ser amiga e estar disposta a ajudar o outro. A ânsia em me desintoxicar do mundo virtual por algumas horas ou dias bateu forte em mim.

Procurei minha mãe para conversar;  e quanto tempo não fazíamos isso! Tudo era tão rápido que não conseguia contar-lhe minha vida e projetos. Tudo isso porque eu preferira trocar um bom papo com minha mãe para ficar no celular! Chega! Liguei o modo avião! Eu quero e necessito da vida real.

A internet pode sim ajudar a salvar vidas, mas não sabendo usá-la, essa mesma internet aprisiona, e seu uso excessivo, desconstrói.

Quando eu sentava na frente do computador, sabia que tinha o mundo em minhas mãos e via naquela tecnologia toda um meio único de resolver todos os problemas meus e dos outros sem precisar sair de casa. Porque no fundo, é isso mesmo que queremos. Evitar o contato físico e o olhar nos olhos. Muitas pessoas são tão escravas do WhatsApp que nem sabem mais como é falar ao telefone sem usar os dedos para digitar.

Cadê o coração? O toque das mãos; não no teclado do aparelho, mas na pele? E os abraços apertados?

Os almoços em família foram banidos da casa de muitas pessoas; pai e mãe almoçam sozinhos, pois o filho ainda está brincando no seu tablet. Outros pais, para terem tempo de conversar e receberem visitas, colocam uma série de joguinhos para as crianças se distraírem e não pedirem para ir ao parque, ao campinho… Brincar no quintal, pular corda, andar de bicicleta, brincar de bola? Pouco se vê nas casas.

E eu me senti tão insignificante, por dar conta que não tinha mais minha avó comigo para dizer ‘os tempos são outros’; por causa da velha enceradeira que papai comprara para mamãe; por não ouvir mais falar das conversas dos mais velhos em frente à fogueira; história de romance ou terror que nós, mesmos cansados e com sono, queríamos ouvir até o final, ainda que nos impressionasse e fizesse com que temêssemos levantar a noite para ir ao banheiro.

Quem escuta os mais velhos hoje em dia? Cada um com foco na tela, hipnotizadas e, quando dá tempo, acena com a cabeça pra dizer que ‘tá tudo bem’.

Não quero deixar de usar a internet, pois ela me ajuda muito e está sendo minha aliada em diversas áreas das minha vida. A tecnologia me ensinou e ensina até hoje; abriu-me portas e janelas para um presente e futuro que outrora só via em filmes ou na minha própria imaginação.

O que estou querendo dizer é que precisamos parar por alguns instantes. Se desconectar mesmo! Entender que a vida não é feita de chips.

De que adianta eu estar conectada na web e desconectada na vida? De que adianta o pai de família ficar filmando o bebê, se não entende que o tempo que ele perde fazendo isso para ganhar curtidas e comentários como ‘fofo’, ‘lindo’, ’parabéns’,  poderia estar brincando com ele! Passeando ao ar livre!

A tecnologia, sem saber seus limites, vai nos afastando da família, e não convém que seja assim. As novidades do mundo virtual surgem com tanta velocidade que muitos não estão sabendo lidar com ela. E eu quase caí nesse engano!

O que dizer então do lado obscuro da internet? Onde predadores online se aproveitam para ceifarem a inocência das crianças?

Não! Eu não quero uma existência filtrada! Não quero passar os domingos lendo comentários ofensivos no Facebook, pois é lá que muitos estão desabafando e destilando seu ódio.

Os tempos são outros sim, é que bom que as coisas estejam mudando; mas eu não vivo numa bolha ideológica!

‘Há tempo para todas as coisas debaixo do Céu’. Não é isso que diz o Eclesiastes? Pois é tempo de se desconectar um pouco e ouvir o barulho do mar, o cheiro do mato, o pôr do sol, caminhar na praia e olhar nos olhos das pessoas, seja da vendedora de tapioca ou de um simples cãozinho na rua.

Se me derem um caderno, uma escrivaninha e algumas frutas, pronto: estou feliz! As notificações?  Eu vejo depois, afinal elas sempre estarão lá e a oportunidade de me conectar com Deus e com a natureza posso não conseguir mais, pelo excesso de uma vida vivida pelos olhos alheios. Os tempos podem ser outros sim, mas eu não preciso perder a minha essência.

 

Andreia Caires

andreiacairesrodrigues@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

Claudia Lundgren
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