novembro 23, 2024
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UM BOM ARTIGO SOBRE O ATENTADO AO JORNAL CHARLIE

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Atendendo a pedido de leitor, reprodução de um texto de Rosa Guerreiro

“The times, they’re changing…quem nao conhece esta musica emblématica do Bob Dylan, nos ja sexagenarios, e outros mais jovens. Ah época, acreditávamos em mudanças apesar de também serem tempos de guerras. Aspirávamos à paz. O século mudou, no momento do ataque às torres gêmeas. Senti que mudávamos de época. Os franceses, neste momento, sentem que o 11 de setembro deles foi o 7 de Janeiro deste ano. Conhecia pessoalmente dois dos cartunistas, Wolinski e Cabu. Foi há tempos, após os cartoons dinamarqueses do Jyllands Posten, organizamos um seminário “Humor e religiões”, quando era encarregada do programa de dialogo interreligioso na UNESCO. Vieram pessoas de vários lugares, inclusive do mundo árabe – muçulmano, israelenses, crentes e não-crentes. Rimos muito, debatemos demais e no fim houve 2 conclusões marcantes: o homem que não consegue ri da sua religião não é “religioso”, e rir é o melhor remédio, que é quase um lema universal, sobretudo em tempos bicudos. Pude apreciar o quanto homens e mulheres “não ocidentais” achavam um “privilégio” poder exercer uma total liberdade de expressão sem levar chibatadas (o que ocorre hoje amiúde nesses países) nem serem presos ou até desaparecer por se declararem não crentes.Pode-se ser Charlie ou não-Charlie, o diálogo deve também implicar em não estar de acordo com todos e com tudo. Ha muita gente que acha que os cartunistas do Charlie Hebdo faziam “too much” no sentido de caricaturar religiões, ainda que também caricaturavam políticos, porem no contexto da sociedade francesa, desde 68 quando surgiu esse hebdomadário, era uma válvula de escape. E difícil entender quando não se mora la e se vivencia uma sociedade se alquebrando porque não consegue integrar alguns das suas comunidades mais visíveis e numerosas – 6 milhões de muçulmanos. Friso a palavra muçulmano porque nao têm eles nada a ver com grupúsculos islâmicos radicais para não dizer psicopatas, muitos deles jovens delinquentes convertidos nas prisões aliciados por imas falaciosos. Tenho muitos amigos muçulmanos, alguns deles imas e sempre digo-lhes, vocês têm que demonstrar, sair às ruas e proclamar que o Isla não é isso, que esses malucos não lhes representam, que ha uma pedagogia a ser seguida, de contextualizar o Alcorão, a Sunna, e virar as costas para interpretações literais como a da escola hanbalita (idade média) ou wahhabita (século XVIII).

Os muçulmanos vieram à Franca porque chamados a trabalhar nas grandes fabricas montadoras de automóveis durante as “30 glorieuses” na França. Nos anos 70, iniciou-se a politica do reagrupamento familiar, construíram-se edifícios horrendos nos subúrbios, começou um fenômeno de “ghetoisazao”, o trabalho industrial foi minguando, a crise instalou-se de maneira durável. é o que vivemos. Hoje, os jovens já são franceses enquanto seus pais e avos ainda pensavam em retornar para o”bled”, as cidadezinhas de onde eram oriundos sobretudo da Argélia. Essa juventude tomou vários caminhos, pois diferentemente do que se pensa, muitos puderam aproveitar o sistema francês de ensino e se tornaram personalidades em diversos campos, inclusive, no Charlie, trabalhavam muçulmanos. Outros, de fato, ficaram em ambientes desfavorecidos e com o tempo, se sentiram marginalizados, psicologicamente fragilizados.

Nosso mundo moderno, globalizado, “virtualizado” foi paradoxalmente uma ferramenta para eles acessarem essas imagens violentíssimas do Jihad que ao mesmo tempo, lhes oferecia uma “nova fraternidade” na “Umma” comunidade só deles, com suas regras de vida e alimentando em mentes frágeis o sentimento de pode virar herói, de assumir uma “identidade” que para eles, era-lhes negada pelo “Ocidente”. Esse ocidente que lhes acolheu e bem ou mal, tentou integra-los, como conseguiu fazer com os inúmeros asiáticos franceses. Então, os “cartoons” só são a ponta de um iceberg, a pergunta que não quer calar é que modelo de integração com politicas inovadoras pode-se conceber para que essa radicalização seque?

Ai esta o grande desafio tanto da Franca como da Europa e dos Estados Unidos. Cada um terá um resposta em função da realidade que enfrentam. A primeira resposta é acabar com essa expansão do EI que é um verdadeiro chamariz para jovens europeus muçulmanos e convertidos, estes às vezes os piores. Segundo: repressão é importante, é poder antecipar, escrutar onde e como estes grupos se movem para que não haja negligências. Mas terceiro: informação e educação, tanto dos imas que têm um papel predominante em guiarem os jovens muçulmanos para que se tornem cidadãos e não assassinos, sobretudo em nome da sua religião mal compreendida e usada para aniquilar inocentes, na Europa mas sobretudo no próprio mundo muçulmano (incluo aqui a Nigéria com forte maioria muçulmana) onde minorias cristas de todas denominações, Yezidis e também ateus são chacinados, mulheres estupradas.

Poderia dizer muito mais como historiadora das religiões, tendo visitado subúrbios “quentes” nos arredores de Paris. Veremos como a situação evolui. Estou no Rio, mas se estivesse em Paris seria uma pequena Charlie desfilando junto com amigos e colegas e bradando: isto nunca mais.

E aqui da praia, do meu posto, gargalhando “in petto”, pois como disse : rir é o melhor remédio, esses selvagens “no pasaran”…

ROSA GUERREIRO”

Helio Rubens
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