Virgínia Assunção: ‘Crônica ‘A oração de dona Benzinha’
Era domingo. Meados dos anos 1980. Dia ensolarado na cidade onde dona Benzinha vivia com a sua família. Dia feliz como sempre é o dia de domingo. A casa da família ficava próxima à praia, mas no domingo ninguém ia, pois a sua família tinha que, obrigatoriamente, ir à igreja. Na escola dominical da igreja onde a família dela frequentava, o pastor pediu à dona Benzinha que ela fizesse uma oração.
Pois bem, dona Benzinha, que já não está mais entre nós, era uma senhorinha bem simples e bem quietinha na igreja, nunca orava em voz alta e só cantarolava as músicas, bem baixinho. Era uma senhora doce e meiga. Disse ao pastor, meio envergonhada que não sabia orar, porém ele insistiu, dizendo que bastava que ela conversasse com Deus. Ela, então, concordou.
Nesse dia, ou melhor, nessa oração, ela mostrou o seu outro lado e resolveu lavar a alma. Havia uma irmã na igreja, chamada Carmélia, que fazia orações bem eloquentes, eu diria até, poéticas. Falava da natureza, agradecia pelas flores, pelo ar, pelo mar, enfim, uma verdadeira poesia. Porém, ela teve a infelicidade de pedir um dinheiro emprestado à dona Benzinha e nunca pagou, fato que a deixou indignada com essa irmã.
Havia também, um outro irmão, chamado João, que era calado como ela, porém tocava violão, aliás, era o único que tocava violão na igreja e também era pedreiro. Acontece que o genro de dona Benzinha, pessoa pela qual ela tinha o maior respeito e morria de amores, contratou os serviços deste, e este acabou deixando o genro dela na mão antes da conclusão do tal serviço. Lembram que o pastor pediu para ela orar? Vamos então, à oração da dona Benzinha.
– Senhor, eu não sei orar, o Senhor sabe disso, mas também, não sou como umas e outras que fazem uma oração linda, floreada, cheia de borboletas e cachoeiras, toma dinheiro dos outros emprestado e não pagam, fingem que esqueceu. A irmã Carmélia, a devedora, engessou, mal respirava.
E dona Benzinha continuou… Senhor, me perdoe, eu também não sei tocar violão e nem quero aprender, também não sou pedreira como uns e outros, que só porque é o único que toca o instrumento, quer ser o dono da igreja, porém quando contratam seu serviço de pedreiro dá o cano, desaparece. O irmão João não sabia se rodava, sentava ou deitava no banco.
Todos ficaram atônitos! O constrangimento invadiu o recinto, mas mesmo assim, só se via gente prendendo o riso.
Josefa, filha de dona Benzinha, morta de vergonha, querendo atenuar o que a mãe tinha feito, achou por bem dar uma cutucada no braço dela, para adverti-la das coisas que ela estava falando. Dona Benzinha, tão quietinha e calada na igreja, não pensou duas vezes; virou-se para a filha e em alto e bom som, bradou: – Você quer ser santa, menina? Quer dizer que em casa você não diz a mesma coisa? Você presta, Zefinha?
A essa altura ninguém mais segurou o riso e Josefa, coitadinha, não sabia onde esconder a cara. A vergonha, imaginem! Não tinha lugar que coubesse. E não pararia por ali se o pastor, diligentemente, não interrompesse a oração que virou discussão. Arrependido de ter pedido para a doce irmã Benzinha orar e muito constrangido também, interrompeu a oração que agora tinha virado um problema de família e disse:
– Obrigado, irmã Benzinha! Em nome de Jesus, amém!
Virgínia Assunção
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Maria Virgínia de Assunção Feitosa Gomes, natural de Maceió/AL, residente há muitos anos em Aracaju/SE. É Professora licenciada em Letras Português/Francês; licenciada em Pedagogia e Jornalista. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura e em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Dr. H.C. em Educação. Possui vários cursos de formação complementar na área de educação. É escritora e poetisa. Membro fundadora e presidente da AFLAS – Academia Feminina de Letras e Artes de Sergipe; membro fundadora da AMS – Academia Virtual Municipalista de Sergipe; membro efetiva da ALCS – Academia Literocultural de Sergipe; membro correspondente da FEBACLA, Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes. Membro do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho da ASL – Academia Sergipana de Letras.