setembro 19, 2024
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Ranielton Dario Colle, o ‘Ranie’: Conto ‘O Princípio da Incerteza’

Rannie ColeRanielton Dario Colle, o ‘Ranie’: ‘O Princípio da Incerteza’

 

Ainda  era noite quando eu acordei. Eu estava suado, e tremia ao lembrar do sonho que tivera. Olhei, então, para a porta fechada, e fiquei pensando no Gato de Erwin Shrödinger, na caixa, a física quântica… Eu era um leigo nisso tudo, mas ficava fascinado pensando em teorias, e fórmulas muito além de meu parco conhecimento matemático.

Eu estava ali, no quarto, sozinho. E poderia estar vivo, ou morto, enquanto ninguém me observasse ou entrasse em contato comigo. Era essa a ideia: Um fenômeno tem chances iguais de acontecer, ou não, dependendo do observador. O olhar é determinante. Isso me era curiosamente mágico.

Afinal o universo só existiria com um observador? E se não houvesse vida? As coisas ainda existiriam? Sem observadores, sem universo? Eu pensava nisso: a expectativa do observador influencia o que será visto… até onde? De quantos observadores se faz uma realidade?

O gato está vivo ou morto? No que eu acredito?

Então, lembrei, de novo, dela… Fazia um ano já e nunca mais trocáramos uma palavra sequer. Nunca mais vi o seu rosto, ou toquei em sua pele… Mas eu sabia que ela estava viva e bem. E, dependendo de meu estado de humor, isso não era uma boa notícia, porque eu me sentia abandonado, embora eu nunca tenha pensado que ela talvez se sentisse abandonada também.

Esses pensamentos estavam em minha cabeça quando ouvi latidos lá fora. Olhei pela janela e os vi, dois garotos corriam pela rua deserta. Tudo existia. Tudo era real. Eu adormeci novamente.

Ela estava tão bela no último dia em que nos falamos, naquela tarde.

Todavia eu peguei o carro e disse que ligaria mais tarde… Mas não liguei…

Era noite já quando passei por algumas pessoas na rua e fui ao supermercado. Eu andava apressado, e eles também: ninguém parecia ver ninguém. O mundo é assim hoje… Um grande aglomerado de pessoas, estranhas umas às outras, que não se cumprimentam.

Lembranças:

– Padre, perdoai-me porque eu pequei… Não existe perdão para o que eu fiz padre

– Sempre existe perdão meu filho. Basta que você esteja sinceramente arrependido… Deus é muito grande e bom… Então, o que você fez?

– Eu, eu… — sai correndo da igreja com lágrimas rolando pelos olhos.

Memórias se misturavam enquanto eu caminhava. A infância. A adolescência. O primeiro amor. O trabalho. E, por fim, ela…

Eu não estava mais no supermercado. Fui andando pelas ruas até chegar a minha casa.

Era estranho, eu tinha ficado tão relaxado ultimamente… Simplesmente não me importava com nada: pó e teias de aranha se misturavam… Deitei de novo, estava cansado: andava tão cansado ultimamente que meus pensamentos eram vagos, etéreos como os sonhos.

– Você não pode fazer isso comigo…

– Eu posso e vou! Você não tinha o direito! ME DÁ A CHAVE DO CARRO!

– Pega o seu carro, seu idiota!

– Sua vadia imunda! – Toma!

Eu acertei um tapa em sua cara. E sai gritando: “Ligo mais tarde”, sem saber ao certo o porquê. Nunca tive coragem de ligar novamente.

Desejei que ela tivesse morrido. E por quê? Eu não lembro o motivo. A briga foi tão séria que eu simplesmente não lembro o motivo. Às vezes, eu queria não existir!

De novo, pesadelos. Acordo. Decido ir caminhando até a casa dela. São três horas da madrugada. “Tudo bem, eu não pretendo tocar a campainha”, penso comigo. Cinco quilômetros de caminhada na noite: vejo gatos, um gambá perdido atravessando o asfalto, um cachorro dormindo na rua… E eu reconheço o cachorro. É o meu cãozinho, o REX… eu o havia esquecido.

Por que eu o havia esquecido? Que tipo de homem eu sou? Ele havia fugido e eu nem mesmo senti a sua falta! Como se ele nunca tivesse existido… “Eu era um monstro” ─ pensei.

O chamei. Ele me olhou e abanou o rabo, e veio correndo para mim. Estava tão sujo! Tão sujo! Tão magro! Há quanto tempo ele estava assim? Eu precisava consultar um médico urgente, a minha memória…

Fomos juntos até a frente da casa dela. Era quase quatro horas quando eu parei ali em frente, e olhei: Estava tudo igual.

Rex começou a latir. Pedi, implorei, chorei para que ele ficasse quieto. Mas era tarde, a luz do quarto se acendeu. Eu me escondi atrás do muro do vizinho quando ela saiu:

– Rex… você está aqui? Onde você estava menino? Você está imundo!

Ela foi até ele, se agachou, começou a acariciá-lo, e uma lágrima correu de seu rosto. E ela falou:

– O papai te abandonou né? Ele abandonou a todos nós, aquele porco egoísta! – então ela, já chorando, o pegou no colo e o levou para dentro.

Fiquei abalado e cai em pranto. E assim, quando percebi que estava seguro, comecei o caminho de volta para casa…

– Padre perdoai-me porque eu pequei… Eu sai correndo. Eu me odiava por ter batido nela. Por querer que ela morresse.

Entrei no carro, e dirigi como um louco, e bati numa árvore na curva. Eu estava me lembrando agora, voltando para casa… tudo estava acabado.

Ela estava viva para mim, ela sempre estaria viva para mim… mas eu não estava mais vivo para ela… Um ano já… Eu não queria acreditar! Eu morri?

De quantos olhares se faz uma realidade?

Haviam aberto a caixa, o gato havia tomado o veneno, e estava morto!

Helio Rubens
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