Eu tinha acabado de fazer 12 anos quando a crise dos mísseis cubanos estava em grande destaque no noticiário.
Ingenuamente, perguntei a um colega mais velho do ginásio se ele temia ser convocado para lutar numa eventual 3ª Guerra Mundial.
Nem me passava pela cabeça que não haveria guerra, mas sim o extermínio quase instantâneo da espécie humana.
Agora que o presidente demente Donald Trump trama um aumento de 10% no orçamento militar dos Estados Unidos, podendo dar o pontapé inicial de uma nova corrida armamentista, fico pensando como seria bom se as novas gerações não olhassem tanto para o próprio umbigo, alheias a quase tudo que aconteceu anteriormente na história da humanidade.
Quantos saberão hoje em dia que, durante 13 dias do mês de outubro de 1962, a sobrevivência da espécie humana esteve por um fio? Quantos se mostrariam tão indiferentes aos planos sinistros de Trump se soubessem disto?
Rememoremos. O presidente John Kennedy deu um ultimato à União Soviética, exigindo a retirada de mísseis nucleares instalados secretamente em Cuba, cuja presença fora revelada por fotos de aviões espiões, e ordenou o bloqueio naval da ilha. A resposta do premiê Nikita Kruschev foi despachar uma força-tarefa rumo à linha do bloqueio.
Militares linha-dura de ambos os lados acalentavam o sonho de destruírem o inimigo atacando em primeiro lugar com suas bombas atômicas. Isto não teria dado certo pois, além de empestear com radiatividade um enorme naco do planeta, ainda sobraria ao país atacado tempo suficiente para lançar seus mísseis antes de ser pulverizado.
Então, quando aquelas dezenas de navios de guerra se colocaram frente a frente, bastaria um dos comandantes perder a cabeça e gritar fogo! para as pedras de dominó começarem a tombar uma por uma. A guerra começaria no mar e, em terra, logo os mísseis seriam libertados dos silos.
O perigo era tão dantesco que, do lado dos EUA, o próprio John Kennedy comandou com mão de ferro a operação. Inclusive contatava pessoalmente, por rádio, os comandantes dos navios, dando-lhes ordens e instruções. Ele e o irmão Bob (seu conselheiro militar) fizeram tudo que podiam para que a situação não escapasse de controle.
Não se sabe ao certo o que Kruschev fez nem quem foi o responsável pela decisão de ordenar aos navios soviéticos que dessem meia volta, desistindo de romper o bloqueio.
Mas o premiê soviético estava tão pressionado que, quando resolveu entrar em contato com John Kennedy para discutirem o impasse, optou por mandar recado por um canal inusitado, ao invés de recorrer aos diplomatas profissionais que imediatamente transmitiriam a novidade ao serviço de espionagem.
Ou seja, escondeu de todo seu governo que estava negociando em segredo com os EUA até fechar o acordo e só então apresentou o prato feito ao Politbur
o, obtendo seu aval (seria difícil discordar naquela altura).
Aceitara retirar imediatamente os mísseis soviéticos de Cuba, em troca da promessa de Kennedy de retirar dentro de algum tempo, sem alarde, os mísseis estadunidenses da Turquia e da Itália.
De quebra, foi instalado o célebre telefone vermelho, linha direta para os dois dirigentes supremos se contatarem em momentos de grave crise, como garantia adicional de que uma guerra apocalíptica não começasse por mero equívoco.
Chegamos a um passo do abismo e recuamos horrorizados; aí atravessamos mais de meio século sem sustos semelhantes. Agora, contudo, podemos voltar às paranoias do tempo da guerra fria, quando aquelas imagens horrorosas da destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki assombravam-nos em pesadelos e cidadãos particulares chegavam ao cúmulo de construírem precários abrigos nucleares em suas residências.
Pior: tendo plena consciência de que, mais dia, menos dia, a casa acabará finalmente caindo, caso não transformemos radicalmente a nossa sociedade. Enquanto os artefatos de destruição em massa existirem, não teremos garantia nenhuma de estarmos vivos no dia seguinte.
CELSO LUNGARETTI
COMO DETER O FASCISTA BOLSONARO?
COMBATENDO-O SEM TRÉGUA!
No segundo semestre de 2014, p. ex., eu já tinha percepção clara de que o novo mandato presidencial transcorreria sob aguda recessão. Tudo fiz para abrir os olhos da companheirada, no sentido de que Dilma Rousseff não tinha competência para administrar uma crise dessas e seu fracasso anunciado seria catastrófico para a esquerda brasileira.
Vi como preferível, primeiramente, a candidatura de Marina Silva, pois, com ela no poder, a responsabilidade pelo desastre econômico ficaria ao menos diluída.
Depois que Marina foi destruída pela mais torpe campanha de calúnias e falácias já vista na política brasileira, incentivei o Volta Lula!, pois ele, com todos os defeitos, ainda seria capaz de amenizar um pouco a devastação que se prenunciava. Mas, os petistas vacilaram miseravelmente, encaminhando-nos para a perda total.
Mal assumiu, Dilma jogou as promessas de campanha no lixo e empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Imediatamente lembrei que estava repetindo o erro de João Goulart, cujas tentativas de adotar a política econômica do inimigo sempre foram inviabilizadas pelo fogo amigo do Brizola e do PCB, lançando o país na confusão e preparando o terreno para a intervenção militar. Dito e feito, Dilma também acabaria sendo derrubada, desta vez não pelos tanques, mas por um peteleco parlamentar.
Tão logo a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impeachment, escrevi que a batalha no Congresso já estava perdida e o único contra-ataque com alguma possibilidade de êxito seria sua imediata renúncia, seguida pelo lançamento de uma nova campanha por diretas-já, unindo toda a esquerda. Mas, Dilma, sempre berrando que não iria cair, marchou de derrota em derrota até o mais amargo fim.
Fiz esta introdução porque novamente há um cenário horroroso se desenhando no horizonte e a esquerda está fazendo tudo errado mais uma vez.
Ao invés de depurar-se e reciclar-se como é inescapável após fiascos tão acachapantes como o de 2016, continua apostando no populismo, ao lançar uma campanha sebastianista pela candidatura de Lula que é simplesmente asnática: a direita, por via judicial, o fulminará quando bem entender.
E não percebe que, se o confronto for entre o populismo decadente do Lula e o populismo ascendente de Jair Bolsonaro, afinado com o espírito da era Trump, é o segundo que prevalecerá.
As lambanças do PT já levaram a direita ao poder. Se persistirem, acabarão conduzindo um fascista explícito ao Palácio do Planalto, enquanto quatro centenas de signatários de um manifesto altamente inoportuno ficarão tentando justificar sua estreiteza de visão política.
Eis os trechos principais de um artigo do Vladimir Safatle que dá uma boa noção do inimigo que temos pela frente:
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UM FASCISTA MORA AO LADO
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Por Vladimir Safatle |
“…poderíamos dizer que todo fascismo tem ao menos três características fundamentais.
Primeiro, ele é um culto explícito da ordem baseada na violência de Estado e em práticas autoritárias de governo.
Segundo, ele permite a circulação desimpedida do desprezo social por grupos vulneráveis e fragilizados. O ocupante desses grupos pode variar de acordo com situações históricas específicas. Já foram os judeus, mas podem também ser os homossexuais, os árabes, os índios, entre tantos outros.
Por fim, ele procura constituir coesão social através de um uso paranoico do nacionalismo, da defesa da fronteira, do território e da identidade a eixo fundamental do embate político.
Neste sentido, não seria difícil demonstrar todo o fascismo ordinário do sr. Bolsonaro. Sua adesão à ditadura militar é notória, a ponto de saudar e prestar homenagens a torturadores. Não deixa de ser sintomático que pessoas capazes de se dizerem profundamente indignadas contra a corrupção reinante afirmem votar em alguém que louva um regime criminoso e corrupto como a ditadura militar brasileira (vide casos Capemi, Coroa-Brastel, Paulipetro, Jari, entre tantos outros).
Bem, quem começa tirando selfie com a Polícia Militar em manifestações só poderia terminar abraçando toda forma de violência de Estado.
Por outro lado, sua luta incansável contra a constituição de políticas de direito, reparação e conscientização da violência contra grupos vulneráveis expressa o desprezo que parte da população brasileira sempre cultivou, mas que agora se sente autorizada a expressar.
Por fim, o primarismo de um nacionalismo que expressa o simples culto do direito secular de mando, algo bem expresso no slogan devolva o meu país, fecha o círculo.
Ora, o fato significativo é que a maioria da classe média brasileira, com sua semi-formação característica, assumiu de forma explícita uma perspectiva simplesmente fascista.
Ela operou um desrecalque, já que até então se permitia representar por candidatos conservadores mais tradicionais. Essa escolha é resultado de uma reação à desordem e à abertura produzida pela revolta de 2013.
Todo evento real produz um sujeito reativo, sujeito que, diante das possibilidades abertas por processos impredicados, procura o retorno de alguma forma de ordem segura capaz de colocar todos nos seus devidos lugares. Nesse contexto, a última coisa a fazer é acreditar que devamos dialogar com tal setor da população.
Faz parte de um iluminismo pueril a crença de que o outro não pensa como eu porque ele não compreendeu bem a cadeia de argumentos. Logo, se eu explicar de forma pausada e lenta, você acabará concordando comigo.
Bem, nada mais equivocado. O que nos diferencia é a adesão a forma de vida radicalmente diferentes. Quem quer um fascista não fez essa escolha porque compreendeu mal a cadeia de argumentos. Ele o escolheu porque adere a formas de vida e afetos típicos desse horizonte político. Não é argumentando que se modifica algo, mas desativando os afetos que sustentam tais escolhas.
De toda forma, há de se nomear claramente o caminho que parte significativa dos eleitores tomou. Essa radicalização não desaparecerá, mas é embalada pelo espírito do tempo e suas regressões. Na verdade, ela se aprofundará. Contra ela, só existe o combate sem trégua“.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.