novembro 24, 2024
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Ranielton Dario Colle: 'Um lapso Marina…'

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Ranielton Dario Colle: ‘Um lapso Marina…’

– Oi – disse Marina olhando em meus olhos com seu jeito casual, e “oi” eu lhe respondi de forma indiferente e quase rude… A verdade é que eu estava cansado, há uma semana que não dormia direito e não tinha paciência para conversar com ninguém, por mais que eu gostasse da pessoa. E eu gostava de Marina, gostava não como mulher, mas, sem dúvida, como uma amiga, quase que como uma irmã…

Era um fim de tarde nublado e não me recordo direito se era uma sexta-feira ou a véspera de um feriado. Porém eu jamais imaginaria que aquele “oi”, daquele fim de tarde, seria o último que trocaríamos em nossas vidas.

Lembro de sua expressão vívida, e de sua felicidade ao me ver expressada em seu rosto através daquele simples oi; felicidade essa que murchou ante a minha apatia e aparente indiferença. E ela era uma amiga tão intima, tão querida…

Será que, se eu soubesse que nunca mais nos veríamos, teria agido diferente? Eu não sei… É provável que eu me esforçasse para parecer mais simpático, só que a evidente falta de assunto provocada pelo meu cansaço mental não deixaria a conversa ir muito mais longe.

O consolo? Depois de cumprimentá-la na padaria, onde sempre passava todos os fins de tarde para comprar pão, fui direto para casa e não fiz outra coisa se não cair na cama, e dormir…

Sabe aquela sensação gostosa de sono, que você acorda e volta a dormir várias e várias vezes e, cada vez que você acorda, parece que está em uma outra dimensão? E então vai tendo esses sonhos que se revelam sagas e que faz com que você simplesmente não queira mais acordar? Sim… sabe essa sensação entorpecida e de prazer que te prende na cama e faz com que você durma muito mais do que seria o saudável, e que ainda queira dormir mais? Sabe essa sensação? Ela não me largava!

E quando eu finalmente venci a batalha com a cama, já era fim de tarde, embora eu pensasse que ainda era de manhã.

Quando eu levantei, após lavar o rosto inchado de tanto dormir, decidi sair de casa, caminhar, andar pelas ruas, que eram as mesmas ruas de sempre.

Após caminhar um pouco percebi, não obstante, que tudo parecia tão diferente, e que, de alguma forma, estava tudo igual. Eu fiquei com essa sensação confusa, com um certo mal estar: Havia uma aura estranha nas coisas. As pessoas conhecidas com as quais eu cruzava me cumprimentavam, e sorriam, todavia pareciam diferentes e eu não sabia explicar o porquê.

Você leu, ou assistiu ao filme “Os Invasores de Corpos”, de Jack Finney? Então… a sensação que eu tinha era parecida com a do protagonista no começo. Como se as pessoas continuassem a ser as pessoas mas, ao mesmo tempo, não fossem mais elas! Por um instante parei, fechei os olhos e respirei fundo: “Será que estou enlouquecendo?”, pensei… Só que não tinha lógica para isso, eu não tinha feito nada diferente no dia anterior, eu nunca usara nenhuma droga pesada em minha vida, só tomava álcool socialmente e, ainda assim, detestava os destilados…

Continuei a andar, e tentei prestar atenção nas ruas para ver se notava alguma diferença, afinal eu conhecia aquela cidade como a palma da minha mão. Eu andara por ela durante os últimos dez anos de minha vida. Então eu a conhecia, não? Não… na verdade descobri que não é tão fácil perceber as coisas assim. A gente pensa que está vendo tudo todos os dias, mas só vê é o que já está acostumado e não presta muita atenção nos detalhes; pelo menos não até algo nos chame a atenção e nos obrigue a ver. Tem uma explicação para isso: o nosso cérebro é superotimizado, ele não perde tempo analisando informações que não são relevantes no dia a dia, porque se ele fosse fazer isso o nosso processo de tomada de decisões seria muito mais lento e cansativo, e talvez só ocorresse quando já fosse muito tarde para qualquer coisa… É como em uma partida de xadrez, por exemplo, enquanto um computador normal analisa todas as jogadas possíveis mesmo aquelas mais absurdas e sem sentido, a nossa mente ignora essas e pensa apenas nas jogadas que tem nexo.

Por isso eu olhava e não notava nada de diferente na rua: pode ser que uma placa aqui e outra ali, a cor de um letreiro… mas tudo isso poderia ter sido trocado há dias e eu não percebera antes por não prestar atenção…

 

– Ei cara? Ei cara? Está tudo bem? Desculpe… eu não vi você, só que você deveria prestar mais atenção nas coisas né?

– Ãh? O que? Onde eu estou?

– Na rua Expedicionários, como assim? Você… está tudo bem?

– Não, desculpa… eu tenho que ir para casa…

– Olha, eu esbarrei sem querer em ti e você desabou… precisa de ajuda?

– Não tudo bem… eu vou indo

– Você bateu a cabeça tem certeza de que está Ok?

– Tenho, claro, obrigado…

 

 

Havia um canteiro de rosas na praça, e eu gostava delas, não de colhê-las e levar para casa, não, eu gostava delas ali, vivas, enfeitando a cidade feia e morta.

Quando cheguei em casa e abri a porta, Marina estava ali e sorriu para mim:

– Chegou mais cedo hoje? Assim não vale, estragou a surpresa! – e me deu um beijo. Eu fiquei perplexo! O que ela estava fazendo ali? E por que parecia diferente? Por que beijara a minha boca? Ela estava alguns anos mais velha e, ao mesmo tempo, mais bonita. E eu senti uma vontade irresistível de pegá-la e carregá-la até o meu quarto, beijá-la novamente e fazer amor: “Mas não… Pára! O que está acontecendo?” – pensei comigo mesmo e reagi:

– Cheguei sim Marina, mas o que você está fazendo aqui?

– Como assim? Você não está feliz porque eu voltei de viagem mais cedo?

– Não é que… eu te cumprimentei ontem na padaria e depois…

– Amor, para de brincadeira, você está me assustando… eu fiquei uma semana fora, e para mim parece que foi um mês, de tanta saudade que eu estava sentindo!

Foi então que percebi a aliança em seu dedo e olhei instintivamente para minha mão percebendo que nela também havia uma. Esse foi o primeiro erro que eu notei no quadro, como num jogo de sete erros, como eu não havia notado antes? Havia um porta-retratos com uma foto da gente, dela com vestido de noiva… ela… ela era minha esposa! E eu não conseguia entender mais nada…

 

 

– Ei cara! Ei… tudo bem com você? – disse o homem de terno parado à minha frente.

–Ã… ãh? Não, sim, tudo bem, eu vou indo. Obrigado.

 

Quando eu tive o apagão? Era difícil dizer, no entanto, foi como se eu acordasse em um lugar diferente com pessoas diferentes e que eram as mesmas… A última coisa que eu me lembrava ao certo era de ter dado oi para a Marina na padaria, e eu tenho certeza de que a gente nunca trocou nem mesmo um beijo. Ela era como uma irmã para mim, uma amiga e confidente, e agora ela estava casada comigo! E deve ter percebido que eu estava estranho… tudo que eu pensei em fazer foi ir até a padaria e tentar reconstituir aquele dia que, eu tinha certeza, tinha sido ontem… mas a padaria era agora uma farmácia… quanto tempo havia se passado?

 

– Ei amor… eu queria te fazer uma surpresa ontem!

– Eu sei… desculpa tá, é que está tudo tão… tão estranho… não sei o que aconteceu com o mundo, ou comigo… o que houve com aquela padaria da rua Expedicionários?

– Ah, para de fazer graça comigo, sério, você está me assustando.

– Não, desculpa, mas eu preciso que você me diga…

– Como você sabe há quase dez anos seu dono faleceu e eles fecharam… ficou fechado por uns dois anos até que abriram uma farmácia ali… mas porque isso agora? O que é que está acontecendo?

– Marina – eu disse – eu acho que estou enlouquecendo – e lágrimas começaram a rolar de meu rosto  – Em que ano nós estamos?

– Em 2017… – disse ela ainda sem conseguir assimilar o que eu estava falando… 2017, eu estava em 2005, minha memória era de sair daquela padaria em junho de 2005. Então, notei pela primeira vez também que todos os móveis e toda a decoração de meu apartamento estava diferente, e pela janela vi prédios que não existiam antes, e quis muito que a Marina fosse só aquela Marina que era minha amiga e confidente para que eu pudesse desabafar com ela, mas aquela Marina não existia mais, e eu nunca mais a veria…

Sergio Diniz da Costa
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