Letícia Mariana: ‘Causos de uma caloura’
“Eu passei? Eu passei!”
Essas foram as minhas palavras quando vi o resultado do Sisu. Era noite, meus cabelos estavam molhados e minha cara limpa. Sem maquiagem, sem filtro, mas com uma alegria tremenda. Eu era, oficialmente, a mais nova caloura de jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ – a melhor do Brasil.
Já estava contando as moedinhas caso precisasse custear uma faculdade particular. Minha família mais próxima nunca estudou na Federal, então todos estavam contentes. Eu era uma jovem estudiosa, sempre fui uma criança à frente das outras crianças, mas passei por momentos difíceis que colocaram em cheque a minha sanidade mental. Mais ou menos em 2019, me contaram que tenho autismo. Nunca soube disso, nem o que era ser autista exatamente, mas pesquisei loucamente sobre mim mesma e resolvi lutar pelo ativismo das pessoas autistas como eu.
Quando fiz o Enem, fiquei numa escola para autistas e outras pessoas com deficiência. Não pedi sala única, mas só tinham seis pessoas lá dentro. No segundo dia, tinham apenas quatro junto comigo. A desistência foi grande, e eu queria muito que essa realidade mudasse. Uma prova não deveria definir a capacidade de alguém, mas enquanto o modelo for este, terei que me adaptar. E assim o fiz.
Foi um ano inteiro dedicado aos estudos. Ensino Médio, vestibular, videoaulas. Agora, finalmente, posso dizer que sou caloura da maior do Brasil! E foi um chororô misturado com auê na família, um viral da internet, eu me senti uma celebridade virtual.
Os primeiros dias foram proveitosos. Muitas palestras, muita recepção calorosa. Bandejão por dois reais, inclusive com atendimento prioritário para Pessoas com Deficiência. Reunião com a direção para decidir sobre acessibilidade na universidade. A primeira atividade remota devido ao risco de temporal no Rio de Janeiro. E, claro, a melhor aula da minha vida: Linguagem Fotográfica! Foi tanta emoção, bicho.
Eu me perdi naquele campus enorme. Fui motivo de risadinhas alheias de pessoas de outros cursos, mas também conquistei muitas amizades incríveis. Provei o pão de queijo mais delcioso do Rio de Janeiro, no famoso ‘Sujinho’, um espaço com lanchonetes dentro do campus. Comprei um livro no sebo de dois senhores megassimpáricos, meus novos amigos, que fazem tratamento no CAPS ao lado da faculdade. Fugi da baderna, conversei no Laguinho – coração da ECO – e me apaixonei mais ainda pela fotografia!
Aprendi que o “bem-vinde” é muito utilizado na universidade, e até os professores utilizam às vezes. Eu estranhei no início, mas agora acho normal. Muitas discussões políticas, muita gente que luta pela educação, pelos direitos das mulheres, das pessoas de baixa renda, dos homossexuais, das mães. Mas o mais importante é todo conhecimento e bagagem que nós tiramos de lá, todo o respeito pelo próximo. Eu já faço parte do ativismo PCD, ainda caminhando em passos lentos.
Fora tudo isso, estudar em período integral me faz sentir que a Escola de Comunicação se tornou a minha primeira casa. E que casa maravilhosa! O cheiro de cigarro me incomoda, mas nada que alguns passos para perto da turma ‘careta’ não resolvam.
Bem, o papo está bom, mas agora está na hora de eu correr para o campus. Afinal, o Bandejão me espera! E estudar dá fome.
Letícia Mariana
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