novembro 25, 2024
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O leitor participa: Renata Rodrigues nos apresenta sua tia Nena em: 'Dizia minha tia…' 6

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 Tia Nena

O leitor participa:

Renata Rodrigues nos apresenta sua tia Nena em: ‘DIZIA MINHA TIA…’ 6

 

Dizia minha tia antes nos contar um fato: “Devia ter costurado a língua dentro da boca”.  Já sabíamos que ela tinha dado algum fora e, conhecendo a protagonista, nos preparávamos para algo majestoso. Mas, antes mesmo de narrar o ocorrido, emendava um: “Não tenho culpa se…”

Um dos fatos memoráveis em que ela se meteu aconteceu mais ou menos assim: minha avó adoeceu e ela foi cuidar da mãe por um tempo ficando fora da rotina do bairro.

Um dia, voltando a pé da casa da filha com sua fiel companheira, a sombrinha,  encontrou uma vizinha varrendo a calçada melancolicamente. Assim que passou por ela, ao cumprimentá-la logo perguntou:

─ Por que essa carinha triste?  Para ela não havia espaço para tristeza e levantar o astral do outro era sua especialidade.

A fulana respondeu:

─ Você não soube?

E ela, mais do que curiosa:

─ Não, o quê? Tive esses tempos cuidando da minha mãe e não soube de nada!

E a vizinha, dolorida, lhe contou:

─ Fulano se foi!

Fulano era seu esposo e figura conhecida de todos no bairro. Mais pela amante que tinha há anos que por si mesmo.

No mesmo instante, num gesto que imitava sem perceber ao nos contar o causo, pôs as duas mãos na cintura e soltou:

─ Não acredito que ele foi morar com Cicrana! Que cafajeste! Eu nunca acreditei que ele ia deixar você de verdade por ela! Safado sem vergonha!

A expressão da vizinha se confundiu, como um céu formando nuvens de chuva, e disse:

─ Não, Nena, ele morreu… ─ Ele tinha um caso com Cicrana? Meu Deus! Esses anos todos e eu nunca soube de nada !

Ela nos falava que, naquele momento, teve vontade de se evaporar e deixar as roupas caídas no chão em frente à vizinha, que rezou para que a Terra se abrisse e a engolisse  de uma só vez.

Assim que a viúva derrubou a vassoura para começar a chorar, ela se  apressou em  remendar:

─ Ai, que tonta que eu sou! Não era ele nada! Me confundi! Cuidar da minha mãe me deixou meio lelé. Pensei que você estava falando daquele outro que mora naquela outra rua, casado com aquela outra pobre coitada!

Rapidamente pegou a vassoura ao chão e juntou as mãos da fulana ao seu cabo, dizendo:

─ Sinto muito pela sua perda, mas Deus dá consolo a todas nós, viúvas, você vai ver. E não pare de varrer a calçada, porque vai chover e as folhas entopem os bueiros e causam enchentes. Bom dia! Vou rezar por você e pela alma do fulano !

E antes mesmo de a vizinha responder, já tinha dobrado a esquina com suas perninhas curtas, mas ligeiras como sua língua!

A gente ria e ela dizia:

─ Não é coisa de rir! É coisa de chorar! Bendita língua a minha!

E nós fazíamos a brecha:

─ Mas tia, não foi culpa sua…

E ela aproveitava profundamente o gancho e completava:

─ Não foi mesmo! Quem mandou ele morrer e deixar duas viúvas?! Eu é que não dormi com nenhuma das duas e tô aqui vivinha da Silva pra morrer de vergonha!

Essa era dona Nena, e, apesar de costureira, não aprendia e a língua continuava solta e ligeira  a causar novas confusões que, depois, nos faziam morrer de rir.

Sergio Diniz da Costa
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