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Celso Lungaretti: 'Três malditos aos olhos dos que tem poder e fazem valer as próprias leis: Mauricio Norambuena, Celso Lungaretti e Rafael Braga

Celso Lungaretti: DEFESA DE NORAMBUENA PLEITEIA AS
GARANTIAS DE INCOLUMIDADE CONCEDIDAS A PIZZOLATO.

Pizzolato tem seus direitos de prisioneiro respeitados…

Alegando que, na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), Mauricio Hernández Norambuena está sendo “submetido a um regime cruel, desumano, assemelhado ao das masmorras dos regimes totalitários”, seu advogado Antonio Fernando Moreira entrou com um pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, no sentido de que solicite ao Brasil a adoção de medidas cautelares para a preservação da sanidade física e mental  do prisioneiro chileno. 


O principal pleito é sua transferência para o Centro de Detenção Provisória da Papuda, repetindo a solução adotada no caso de um dos principais réus do mensalão:

Na extradição do brasileiro Henrique Pizzolato (…), requerida à Itália, a medida foi inicialmente negada por aquele país devido as más condições dos presídios brasileiros, que não possuiriam condições para respeitar os direitos dos presos.

Após longa discussão jurídico-diplomática e envolvimento de diversas autoridades brasileiras e italianas, com inspeções in loco, foi considerado que o CDP da Papuda, bloco V, na Ala de Vulneráveis, era lugar apto ao cumprimento de pena no Brasil.

A petição, apresentada em nome de Cecilia Hernández Norambuena, irmã de Mauricio, aponta outra opção, o Presídio de Itaí, interior paulista, que “talvez seja um caso único no mundo de prisão para estrangeiros e, devido a esta especificidade, parece ter melhores condições de atender as peculiaridades da pessoa que está em lugar estranho ao de sua origem”.

…mas eles viraram letra morta no caso de Norambuena.


E destaca que se faz premente a transferência, seja para um destes presídios, seja para “outro que venha a ser considerado por esta Comissão (…) apto a respeitar os direitos dos presos”, porque a perspectiva de uma rápida extradição para o Chile deixou de existir (vide aqui) e também não se nota, por parte das autoridades brasileiras, nenhuma disposição de enfim lhe concederem os direitos que vêm há muito atropelando, como a progressão para regime semiaberto e depois para aberto, que deveriam ter ocorrido respectivamente em 2007 e 2011.

Desfigurou-se até mesmo a visita da família, que ocorria “entre três e quatro vezes por ano, quando seus parentes tinham dinheiro e tempo para tanto”, mas ultimamente “virou contato audiovisual por meio de interfones e entre placa de acrílico”.

Finalmente, os motivos jurídicos e humanitários que justificam uma intervenção de tal órgão autônomo da OEA  são estes, segundo o advogado:

Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente, considerando a gravidade e urgência da situação, seu contexto e a iminência do dano em questão…

situação de Maurício não possui qualquer perspectiva de mudança, a não ser para pior. (…) Chegou a um ponto insustentável, que não deixou alternativa senão peticionar a esta Comissão.

Está mais velho, com quase 60 anos, cada vez mais longe da família – no extremo nordeste do Brasil , sem possibilidade de visita de parentes, sem direito a contato reservado com seu defensor, tendo suas correspondências violadas, isolado quase o dia inteiro em sua cela, podendo ler somente livros e revistas que estejam de acordo ‘com a moral e bons costumes’.

Tal tratamento, de forma prolongada, provocou o deterioramento de sua saúde física e mental, [daí o] quadro preocupante de hipertensão, enjoos, fortes dores de cabeça, transtornos ansiosos, perda do sono, fadiga mental e depressão, entre outros problemas de saúde.

É difícil enumerar todas as violações de direito existentes no âmbito do sistema penitenciário federal, à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos, da Constituição brasileira, das Regras Mínimas para Prisioneiros da ONU…

EXISTEM AQUELES QUE ESFAQUEIAM PELAS COSTAS
HÁ OS QUE LUTAM DE PEITO ABERTO.

O símbolo era o alvo;  o homem amargou a fuga sem fim

A pergunta de Cesare Battisti mexia com minhas emoções: “Por que eu?”.

Sua visão acerca de si próprio, da qual nunca tive motivos para duvidar, era como mais um dos ativistas imbuídos do espírito de 1968, nem dirigente nem o responsável pelas mortes que, quando ele estava a salvo na França, prisioneiros na Itália descarregaram nas suas costas, acreditando que se beneficiariam sem o prejudicarem.


Com as reviravoltas da política, Silvio Berlusconi se tornou o premiê italiano, passando a mover céus e terras para tê-lo em seu cárcere, enquanto a solene promessa de François Mitterrand a Battisti e outros exilados, garantindo abrigo vitalício a quem desistisse da atuação revolucionária e passasse a levar vida comum, virou letra morta com ele fora da presidência.


A irracionalidade da perseguição que sofria, na verdade visando muito mais ao símbolo do que ao homem, atormentava Battisti. Por mais que tenhamos uma compreensão teórica de um fenômeno destes, é muito difícil convivermos com ele no papel de alvo de ódio desmedido e vítima de acusações falsas ou distorcidas.


As afinidades em nossas histórias de vida foram determinantes para que eu defendesse com tanto ardor o Cesare, lançando (entre 2008 e 2011) cerca de 250 artigos diferentes para esclarecimento da opinião pública e contestação das falácias italianas encampadas por nossa grande imprensa, além de dar entrevistas, participar de debates em cidades próximas e distantes, comparecer a julgamentos e integrar o núcleo dirigente do Comitê de Solidariedade, etc.

Foto batida na fase de torturas


Eu também não me conformava com o abismo existente entre quem realmente era e a forma grotesca como muitos me viam. A pergunta por que eu? poderia igualmente ter-me ocorrido, mas a variante com que me autodefinia era outra: a de estar aprisionado numa armadilha da História.


Com a idade de 18 anos ingressara na Vanguarda Popular Revolucionária, um dos principais agrupamentos que travavam a luta armada contra a ditadura militar, logo me tornando comandante estadual de Inteligência. Um ano depois, fui um dos militantes arrastados ao DOI-Codi durante as quedas em cascata que a VPR sofreu nos meses de abril e maio de 1970.


Por desencontro de informações ou decisão de preservar alguém com importância bem maior para a organização do que eu, fui acusado publicamente de delator da área de treinamento guerrilheiro da VPR na região de Registro, da qual o comandante Carlos Lamarca e outros companheiros escaparam numa fuga dramática; e, provavelmente como consequência desta imputação errônea, fiquei de fora da lista de 40 presos políticos trocados pelo embaixador alemão Ehrenfried von Holleben.


Senti-me abandonado pelos companheiros e deduzi que o motivo só poderia ser um: eu era o único preso político que poderia, de forma plausível, servir como culpado alternativo da queda da escola de guerrilha. Afora o abatimento que isto me causou, houve uma intensificação das torturas que eu sofria, com os agentes da repressão me retaliando por terem percebido que eu lhes ocultara informações a partir das quais poderiam haver abortado o sequestro de von Holleben.


Finalmente, depois de mais de dois meses de torturas e incomunicabilidade, com um tímpano recém-estourado e sob ameaça de morte, consenti em protagonizar, na TV Globo, uma simulação de arrependimento orquestrada pelo serviço de guerra psicológica do Exército. E, durante mais de três décadas, seria estigmatizado por muitos, embora a verdade fosse paulatinamente aflorando (não tardou tanto para se tornar conhecido que eu estava reduzido a um trapo quando fui levado às instalações da Globo no Jardim Botânico, mas o episódio de Registro só viria a ser esclarecido em 2005).

1980: em veículo menor e com pseudônimo


Fui prejudicado na trajetória jornalística, entre outros motivos por ter ficado com má audição, limitando minha atuação nos veículos eletrônicos e dificultando a compreensão do que me diziam quando trabalhava como repórter na mídia escrita; e por haver me tornado um personagem-tabu, além de alvo da censura, de forma que só consegui ingressar na grande imprensa após o fim da ditadura, aos 36 anos.


Embora não fosse tão longe na minha carreira como poderia ter ido sem tais desvantagens, sustentei-me bem com meu trabalho até o novo século, quando fiquei desempregado em meio a uma crise no mercado jornalístico e, cinquentão, passei a enfrentar preconceitos com relação à idade.


Nos anos de 2004 e 2005 fiquei em situação desesperadora, sob ameaça de despejo pelo atraso nos aluguéis e de prisão por não ter como pagar pensão para ex (sem prova nenhuma, o juiz supôs que eu estivesse obtendo renda significativa com trabalhos avulsos). Foi o momento em que só o recebimento de minha reparação de ex-preso político me salvaria.


Mas, meu caso nunca entrava em agenda; então, pesquisando normas, descobri que o principal motivo para priorização era a condição de desempregado, mas isto não estava sendo respeitado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.


Foi quando uma celebridade da literatura e do jornalismo teve a apreciação do seu processo passada irregularmente à frente de uma infinidade de anistiandos e a decisão do colegiado o favoreceu de forma tão exagerada que provocou grita na imprensa. 


Em desespero de causa, iniciei luta pública para que os critérios fossem seguidos à risca, inclusive o que me tiraria do limbo e me colocaria no topo da lista de agendamentos. Denunciei as burocracias insensíveis e atrabiliárias à imprensa, ao entidades de defesa dos direitos humanos, ao Ministério Público, à OAB, a comissões da Câmara e do Senado, etc.

Uma sessão da Comissão de Anistia do MJ


Tive um golpe de sorte quando me caiu nas mãos uma prova conclusiva de que fora outra pessoa a delatora da área de guerrilha em 1970; e o grande Jacob Gorender atestou minha inocência. O fato de haver sofrido uma injustiça histórica gerou boa vontade para comigo e os trâmites da minha anistia, de letárgicos passaram a acelerados, até o desfecho favorável.


Reconstruída minha vida, desfeita a imagem de vilão, com um livro lançado e uma atuação incessante nas redes sociais e na blogosfera, acreditei estar a salvo de perseguições. Ledo engano.


Passei em janeiro de 2006 a receber uma pensão vitalícia que, isoladamente, não seria suficiente para mim e meus muitos dependentes (estou no segundo casamento mas terceira união duradoura, tenho duas filhas legítimas e uma adotiva). Mas, a indenização retroativa igualmente estipulada na portaria do ministro da Justiça me permitiria sair do aluguel e equilibrar as finanças.


Conforme expliquei com mais detalhes neste artigo, durante os 13 meses seguintes foi olimpicamente ignorada pela União a obrigação de pagar no prazo de dois meses o total do retroativo. Depois, recebi pelo correio um documento para assinar e mandar de volta, com meu consentimento para que o valor fosse parcelado e o pagamento só se completasse no final do ano de 2014.


Como aquilo me chegou como um ultimato, sem nenhum pedido de desculpas nem justificativa, avaliei que não sofrera tanto lutando contra o totalitarismo dos militares para me conformar com autoritarismos no Brasil redemocratizado.

“Contestações que impõem delongas sem fim”


Desde então, a Advocacia Geral da União usa seu imenso poder de fogo para retardar indefinidamente o desfecho do caso. Já perdeu por unanimidade o julgamento do mérito da questão no Superior Tribunal de Justiça e também não encontrou um único ministro que votasse em seu favor nos dois julgamentos de embargos de declaração.


Mesmo assim, entrou com recurso extraordinário para colocar meu caso na dependência do resultado de processo semelhante que tramitava paralelamente no Supremo Tribunal Federal e viu mais uma vez todos os ministros se posicionarem contra sua tese.


Foram imensas as dificuldades financeiras que a AGU me causou com uma postura que é, ao mesmo tempo, inusitada e intransigente, já que: 

— mandados de segurança não existem para permanecerem inconclusos por mais de dez anos;

— decisões de magistrados, quando unânimes e emanadas de uma corte superior, devem ser obedecidas e não contestadas, ainda mais de forma tão inconvincente que acaba servindo apenas para impor ao autor da ação delongas sem fim;

— a igualdade de todos perante a lei impunha que a liquidação do débito com os demais anistiados fosse acompanhada da desistência da contestação dos mandados de segurança que tramitavam na justiça.

E aqui cabe, sim, a pergunta: “Por que eu?”. Por conta de preconceitos antigos e superados? Por ter várias vezes confrontado os remanescentes e as viúvas da ditadura, bem como a estapafúrdia anistia que colocou os carrascos no mesmo plano das vítimas? Por ter peitado tantos poderosos no Caso Battisti? 

Pela minha retórica contundente quando denunciava desmandos burocráticos? Por ser um homem de esquerda que coloca a justiça social no mesmo plano do respeito aos direitos humanos, não transigindo com ditaduras nem me alinhando automaticamente com a força majoritária do meu campo?

Não sei, e presumo que jamais virei a saber. Mas, considero covardes e desprezíveis os que esfaqueiam pelas costas, protegidos pelo anonimato burocrático, com a certeza de que ferirão e não vão ser feridos. 

Passei a minha vida inteira lutando de peito aberto. E assim continuarei procedendo até o fim dos meus dias. (Celso Lungaretti)

RAFAEL BRAGA É O EXEMPLO MAIS GRITANTE
DE CONDENAÇÃO POR PRECONCEITO

Rafael se enquadra no perfil majoritário da população carcerária: negro, pobre, suburbano, de pouca vida escolar e egresso do sistema prisional. 

Em 2013, foi detido quando de um dos protestos no Rio de Janeiro, acusado de portar materiais incendiários: duas embalagens plásticas, uma de desinfetante, outra de água sanitária. 

Arrastado à delegacia pela polícia, afirmou que não participara da manifestação, que não tinha interesse por política e que, passando no local por acaso, levava os materiais de limpeza para uma tia.

Sua história, porém, foi confrontada pela versão dos policiais que o capturaram. Estes disseram que os bocais das embalagens estavam munidos de trapos de flanela, como se fossem pavios de uma bomba caseira incendiária. Rafael negou. 

As embalagens estariam lacradas. De nada adiantou o laudo técnico do esquadrão antibombas indicar que, obviamente, garrafas plásticas não se estilhaçam ao serem lançadas e que desinfetante e água sanitária não têm a “mínima aptidão para funcionar como coquetel molotov”. A despeito disso, Rafael foi condenado a cinco anos de prisão.

No final de 2015, a pena progrediu para o regime aberto. Rafael arranjou um emprego, sendo monitorado por tornozeleira eletrônica. Um mês depois, saiu de casa de bermudas, a fim de comprar pão para a mãe, quando foi abordado por policiais militares, que o prenderam sob acusação de tráfico de drogas.

Afirmaram ter encontrado com ele uma sacola com 0,6 gramas de maconha e nove gramas de cocaína. Rafael disse estar de mãos vazias. A palavra de uma testemunha de defesa foi ignorada, pois a Justiça considerou que esta visava “tão somente eximir as responsabilidades criminais do acusado”.

Portanto, com base apenas nos depoimentos dos policiais –considerados “prova robusta” no texto da sentença–, Rafael foi condenado novamente, desta vez a 11 anos de prisão. 

Na última 3ª feira (1º), foi posto em votação um pedido de habeas corpus a seu favor, no Tribunal de Justiça do Rio. Dois dos três desembargadores votaram pela manutenção da pena. O terceiro pediu vistas do processo.

Enquanto isso, Rafael segue preso em Bangu, alimentando as estatísticas perversas que incidem sobre outros jovens iguais a 

ele, pretos, pobres e periféricos.

(trecho do artigo Liberdade para Rafael Braga, jovem negro  vítima de sistema penal desigual, do jornalista, pesquisador e biógrafo Lira Neto)

Helio Rubens
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