novembro 25, 2024
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O leitor participa: a sorocabana Renata Rodrigues nos apresenta sua Tia Nena em: 'Dizia minha tia…' 10

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Tia Nena (in memoriam)

“Fazer nada por opção é muito diferente de fazer nada por falta de opção. Quem foi criança antes da TV fechada e do controle remoto, do videogame, do tablete e celular sabe muito bem disso.”

 

Dizia minha tia, quando ficava à toa, que passou o dia “comprando bobo e vendendo pasmado”.

Fazer nada por opção é muito diferente de fazer nada por falta de opção.

Quem foi criança antes da TV fechada e do controle remoto, do videogame, do tablete e celular sabe muito bem disso.

As férias eram curtas, mas alguns dias eram intermináveis sem nada para fazer.

Uma vizinha um pouco mais velha que eu me contou sobre um dia assim em sua infância. Eram férias de verão e ela, com a irmã, estavam sentadas na sarjeta sem nenhuma vontade de fazer nada que havia para ser feito.

Tinham por volta de dez anos de idade e, se entrassem em casa, a mãe logo as escalaria para alguma tarefa abominável, como secar os pratos, guardar os calçados ou tirar o pó dos móveis.

A irmã riscava o chão com um palito de picolé quebrado quando teve uma ideia e a convidou para brincar de “pedir esmolas”.

Ela ficou irradiada com o convite e, na mesma hora, começou a se preparar para tal, soltando os cabelos presos, fazendo um pequeno rasgo na roupa e escondendo os chinelos no jardim. Sua irmã procurou onde molhar as mãos e, com a poeira do chão, sujou a si mesma de maneira cinematográfica. Em tom de segredo, combinaram como seria a brincadeira: iriam alguns quarteirões longe de casa e se revezariam na fala e na cara de choro, diriam que precisavam comprar remédio pro irmãozinho doente e assim evitariam de ganhar mantimentos e roupas.

Numa faísca de alegria, foram correndo em direção da primeira casa e ficaram eufóricas com duas moedas que receberam após representarem tão bem. E seguiram batendo palmas de casa em casa, de rua em rua, uma moeda aqui, uma nota ali, um cachorro barulhento, uma senhora chata, até ouvirem seus nomes aos berros numa voz bem conhecida e irritada.

Sem combinarem uma palavra e com os olhos em pânico, correram tudo que suas pernas podiam de volta a casa.

Claro que o palco onde estrelaram não era assim tão distante: apenas algumas ruas de casa. As pessoas não eram tão desconhecidas e seus disfarces um pouco amadores, o que fez a notícia chegar aos ouvidos da mãe ocupada com muita clareza.

Levaram uma surra ardida e  tiveram que devolver o total da coleta de casa em casa com a mãe a tiracolo e um pedido de desculpas vexaminoso.

Seu pai foi participado do ocorrido e lhes deu de castigo uma semana sem “pôr a cara na porta da rua”. Foram dormir mais cedo e ela jura ter ouvido o pai rir na cozinha sobre protestos ameaçadores da mãe. E a história virou lenda na família anos mais tarde, mas elas aprenderam a lição.

Quando o marasmo tomava conta de seus dias, a primeira que reclamava ouvia da outra: vá pedir esmolas!

Que nada, melhor mesmo era ficar comprando bobo e vendendo pasmado.

 

 

Sergio Diniz da Costa
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