Pedro Israel Novaes de Almeida – ‘ESTRANHA FOLIA’
O brasileiro possui sentimentos agendados.
No natal, solidário, na páscoa, esperançoso, no dia dos pais, todo família e, no carnaval, só alegria.
Em nosso calendário, ainda cabem milhares de comemorações, como o dia do Orgulho LGBT, da Consciência Negra, do Trabalhador, da Mentira, e assim vamos, com a agenda sempre lotada. Quem mais sofre são os colunistas, quase forçados a comentar a comemoração da semana.
É difícil escrever a respeito do carnaval, sem ser folião, e sem ao menos tomar uma ou outra dose de animador alcoólico. Sem o mínimo espírito carnavalesco, resta achar alguma graça na folia das crianças, muitas ainda jogando água em transeuntes.
É triste ver o marido jazer sonolento e inerte, enquanto a esposa cai na folia, confinada aos arredores da mesa. É arrepiante ver meninas e moças caírem na folia descalças, em plena multidão, e terminarem a noite com os dedos dos pés intactos.
Escolas de samba desfilam maravilhosas, exaltando temas da ocasião, prestando imperceptível agradecimento aos contraventores que auxiliam a festa. Alegorias revelam artistas, e sambas-enredo grandes compositores.
Fantasias animam o comércio, com destaques para imagens de corruptos famosos e governantes exóticos. Abadás permitem integrar blocos.
Cervejas e destilados disputam espaços publicitários, e regam o país, de sul a norte. Reaparecem, com pouco brilho, no noticiário de acidentes de trânsito, alguns fatais.
Homens assumem vestes e feições femininas, alguns recatados, outros verdadeiras sirigaitas. Mulheres economizam tecidos, só mantendo ocultas porções sabidamente de pouco brilho.
Maternidades lotam mais que cartórios, em novembro. A festa tem reflexos e preparos durante todo o ano.
Para a maioria, o brilho dos agendamentos recai no fato de serem, muitos, feriados, modalidade em que somos campeões mundiais. Os dias úteis acabam sendo exceções, nos quase raros intervalos entre feriados.
Milhões de brasileiros aproveitam a festa para pescarias, churrascos, praias, retiros, consertos domésticos ou o inigualável ócio, esquecendo boletos. Sambas e marchinhas ambientam até os que não cultuam Momo.
A crise aproveita o período de festas para demonstrar sua grandeza, com furtos, assaltos, tráfico e outras manifestações de carência civilizatória, onde rareiam empregos, saúde, segurança e educação. A folia induz a sensação de que, por alguns dias, nossas mazelas ficam suspensas.
Idosos, sempre precavidos, evitam o burburinho, temendo, literalmente, cair na folia. Relembram, saudosos, os carnavais de outrora.
Não convém, os que foliões não somos, escrever sobre o carnaval.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.