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Celso Lungaretti: 'Caso Bacuri' fará aumentar a pressão para que os torturadores sem identificados e processados

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  Celso Lungaretti: ‘ESTADO BRASILEIRO DEVERÁ SER RESPONSABILIZADO PELAS TORTURAS E EXECUÇÃO DO GUERRILHEIRO BACURI

Expira amanhã (3ª feira, 31) o prazo para o governo Temer se pronunciar sobre uma ação que pede a responsabilização do Estado brasileiro pelas torturas infringidas na ditadura militar ao guerrilheiro Eduardo Collen Leite, o Bacuri, seguidas de sua covarde execução. O caso tramita desde 2011 na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A ação foi movida pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional, a mesma ONG que recentemente obteve a condenação do Estado brasileiro, por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela tortura, prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog.

A Comissão (fundada em 1959) e a Corte (1979) são congêneres, ambas integrantes do sistema de proteção dos Direitos Humanos da OEA. Diferem em alguns detalhes de suas atribuições, mas não nos princípios norteadores, daí a tendência de que a Comissão chegue ao mesmo entendimento da Corte.

Da esq. p/ a dir., ele está na 7ª foto

Esta determinou ao Brasil que reiniciasse, com a devida diligência, a investigação e o processo penal cabíveis no caso do assassinato de Herzog, acrescentando serem inadmissíveis quaisquer alegações de prescrição, por se tratar de crimes contra a humanidade e internacionais.

O Ministério dos Direitos Humanos do Brasil informou que dará “cumprimento integral à sentença”, comprometendo-se a enviar à Corte, no prazo de um ano, um relatório sobre as medidas adotadas.

O xis da questão é: identificados os assassinos de Herzog, a instauração de processo penal contra eles continuará esbarrando na anistia de 1979 (inaceitável à luz do Direito civilizado, que não admite anistias decididas durante regimes de exceção, ainda mais quando vêm beneficiar os agentes do Estado responsáveis por chacinas e atrocidades de todo tipo).

Como o STF lavou as mãos com relação a tal simulacro de anistia em 2010, decidindo que cabe ao Congresso Nacional alterar ou não o que decidiu em 1979, o que o Governo brasileiro realmente tem de fazer, para dar cumprimento integral à sentença, é propor ao Congresso Nacional a rediscussão do assunto, com a revogação da Lei de Anistia ou a mudança de algumas de suas disposições. Alguém acredita que o fará?

De todo modo, se vier uma segunda sentença no mesmo sentido, certamente fará aumentar a pressão no sentido de que finalmente haja verdadeira justiça.

RECORDANDO O COMPANHEIRO MARTIRIZADO  — É como  Basílio  que eu me lembro do Eduardo Leite, cuja execução, depois do verdadeiro calvário ao qual as bestas-feras da repressão ditatorial o submeteram durante mais de 15 semanas, se deu em 8 de dezembro de 1970, quando ele estava com 25 anos de idade.

Bacuri  era um codinome já descartado, que ele usara antes de abril/1969, quando o conheci no Congresso de Mongaguá da VPR.
Deve tê-lo mudado porque era revelador em demasia, mais próximo de um apelido: um tanto gordo, ele lembrava mesmo um porquinho. E, claro, assim o nome de guerra descumpria a finalidade de dificultar a identificação do companheiro que o utilizava.

Eu era um secundarista de 18 anos, um tanto deslumbrado por ter sido repentinamente admitido no círculo dos revolucionários mais procurados do Brasil. Queria entrosar-me o quanto antes com os novos companheiros.
E, sem me dar conta, já era com olhar de jornalista que eu observava a tudo e a todos, fazendo  minhas avaliações, tentando entender como haviam sido forjados combatentes daquela têmpera. Sentia-me, como o antigo Repórter Esso, uma testemunha ocular da História

Basílio não parecia o combatente  da pesada  que depois fiquei sabendo ser. Nem de longe. Fiquei surpreso quando o  Moisés  (José Raimundo da Costa) me contou algo de sua história.

Estava com o cabelo curto e um farto bigode, que o deixava com um jeitão de português, além de envelhecê-lo um pouco. Nunca adivinharia que ele, àquela altura, tinha tão somente 23 anos.

Era simples, afável, simpático. Quando se alterava, gaguejava um pouco. Foi o que aconteceu ao comunicar que deixaria a Organização.

Minhas recordações, quase meio século depois, são nebulosas. Lembro-me de que ficou muito emocionado, talvez tenha até chorado.

Desentendera-se com outros companheiros a respeito do encaminhamento dado a operação(ões) armada(s); devido às regras de segurança, fiquei sabendo disso muito superficialmente, então não pude (nem posso agora) estabelecer quem tinha razão.

Notícia fraudulenta: ele foi executado a sangue-frio!

Montou uma pequena organização, a Rede Democrática, que se manteve bem próxima da VPR, sendo nossa parceira em várias ações.

Quando o Moisés e eu vimo-nos ameaçados de expulsão da VAR-Palmares, no curso da luta interna que desembocaria na recriação da VPR, ele consultou o Basílio a respeito do nosso ingresso na Rede, recebendo sinal verde.

Bem ao seu estilo – conservava sempre uma carta escondida na manga –, o Moisés só me falou dessa sondagem quando o racha estava consumado e nós, os precursores, reabilitados.

É minha última reminiscência envolvendo o Basílio, até ficar sabendo de sua prisão e martírio – um dos episódios mais chocantes dos anos de chumbo. “Nenhum tormento conseguiu arrancar qualquer informação do Bacuri“, afirmou Jacob Gorander.

Até hoje não me passa pela garganta que a vítima de tão terríveis e prolongados suplícios tenha sido aquele gordinho boa gente que batia bola comigo na praia de Mongaguá, nos intervalos do congresso da VPR. As duas imagens não casam.

O destino foi cruel demais com ele.

.

Obs. – ainda sobre o Bacuri, leia aqui (clique p/ abrir) a descrição do seu martírio no relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

ADM
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