“No final dos anos cinquenta, do século passado, mais precisamente em 1958, aconteceu o encontro de duas personalidades musicais que já tinham certo destaque no panorama da MPB. Desse encontro resultou uma dupla de compositores das mais profícuas e prolíferas já surgidas no Brasil, Evaldo Gouveia e Jair Amorim.”
No final dos anos cinquenta, do século passado, mais precisamente em 1958, aconteceu o encontro de duas personalidades musicais que já tinham certo destaque no panorama da MPB.
Desse encontro resultou uma dupla de compositores das mais profícuas e prolíferas já surgidas no Brasil, Evaldo Gouveia e Jair Amorim.
Iniciemos pelo mais antigo, Jair Amorim, que nasceu Jair Pedrinha de Carvalho Amorim, a 18 de julho de 1915, em Cachoeiro de Santa Leopoldina/ES.
Quando completou quinze anos, sua família mudou-se para Colatina, ingressando ele no Colégio São Vicente, onde concluiu o curso colegial. Pretendia cursar a universidade, mas, com a morte do pai, abandonou os estudos, e foi trabalhar no Diário da Manhã – jornal da capital capixaba – primeiro, como redator, mas, já compunha marchinhas para blocos carnavalescos.
Em 1941, Jair partiu para o Rio de Janeiro. No começo, para manter-se, escrevia crônicas para revistas, depois, foi trabalhar como locutor, na Rádio Clube do Brasil. Ali, conheceu José Maria de Abreu, pianista e compositor de algum sucesso. Jair andou sondando José Maria, com o intuito de escreverem algo, juntos. Mas ele não estava mais interessado em compor, pois seu principal parceiro, Francisco Matoso, havia morrido.
Sempre que Jair terminava seu serviço, ficava na rádio ouvindo os outros programas. Entre eles, o programa do galã Arnaldo Amaral que, certo dia, comentando sobre um sucesso internacional, “Maria Elena”, do mexicano Lorenzo Barcelata, muito tocado por aqui, mas, com letra em inglês, disse: ─ Se eu tivesse uma letra para essa canção, eu iria fazer muito sucesso! Jair, na hora, respondeu: ─ Se você quiser, eu faço uma.
Correu para a discoteca, de onde voltou, meia hora depois, com a letra pronta. Essa versão foi lançada logo após, pelo próprio Arnaldo e chegou às paradas de sucessos. José Maria de Abreu, que havia assistido o desenrolar desse fato, perguntou a Jair: ─ Essa letra é sua?
─ É!
─ Olha, eu tenho umas musiquinhas, e gostaria que você ouvisse.
Estava formada uma dupla que duraria cerca de dez anos, criando músicas inesquecíveis, como “Ponto Final”, “Sonhar”, “Um Cantinho e Você”, “Alguém Como Tu”, etc.
Agora, Jair já estava mais conhecido e compunha esporadicamente com outros parceiros, caso de Valdemar de Abreu, o Dunga (1907-1991) com quem compôs “Maria dos Meus Amores” e o megassucesso na voz de Cauby Peixoto “Conceição”.
A outra parte da dupla, também tinha um passado de atividades musicais, vejamos, então, o Evaldo Gouveia, que nasceu em Orós/CE, em 8 de agosto de 1930.
O pai, rico comerciante, no ano seguinte, mudou-se para Iguatu, onde, aos seis anos, Evaldo já sabia recitar a tabuada, tocar violão e cantar no sistema de alto-falantes instalado na praça.
Com onze anos, foi para a capital, Fortaleza, onde, após quatro anos, formou-se no ginásio, e já trabalhava na feira. Mas não continuou os estudos. Foi trabalhar, ainda menor, como músico em uma pensão para mulheres. Porém, para a mãe garantiu que o emprego era num “restaurantezinho” cem por cento.
Com dezenove anos, em 1949, Evaldo tocava violão em um conjunto que se apresentava num bar elegante. Já havia estreado na composição, com: “Nós Dois e o Mar”, que chegou a fazer algum sucesso na voz de cantores da terra.
Ano seguinte, seguindo um aforismo de sua autoria: “O Ceará produz seca e conjunto vocal”, fundou o Trio Nagô. Era a época dos conjuntos vocais, e, entre os conhecidos, o Trio Irakitan, Anjos do Inferno, Quatro Azes e Um Coringa, o Trio de Ouro, e o recém-formado grupo cearense, com enorme popularidade.
Em São Paulo, decorrido um mês de sucesso, foram contratados pela Rádio Jornal do Brasil, pela Tupi e pela Record. Excursionaram duas vezes pela Europa (1956 e 1962), tocaram em muitas boates da moda, até que um dos integrantes do grupo arranjou um emprego público, e o Trio Nagô se desfez, após doze anos ininterruptos de atividades.
Mas, desde 1957, Evaldo já vinha compondo com certa regularidade. Fez, em parceria com Pedro Caetano, “Eu e Deus”; com Almeida Rego, “A Noite e a Prece” e “Pior Pra Você”; e também, com Gilberto Ferraz, um grande êxito, na voz de Nelson Gonçalves: “Deixe Que Ela se Vá”.
A respeito dessa música, alguém indagou: ─ Você deve estar “faturando uma nota” com esse sucesso do Nelson!
Evaldo respondeu: ─ Como assim, faturando o quê?
Ouviu então algumas explicações sobre direitos autorais, e uma sugestão: ─ Arranje três fotos 3×4, vai lá, à UBC — União Brasileira dos Compositores, e procura o Jair Amorim.
Ele já conhecia a fama do Jair como compositor e queria muito conhecê-lo. Na mesma hora, correu para a UBC. O letrista estava terminando um artigo para uma revista e pediu que o esperasse um pouco. Após de ter conversado com ele, e saber das suas atividades, perguntou:
─ Rapaz, com toda essa bagagem, você ainda não é sócio?
─ Não, senhor.
─ Cadê as fotografias?
Regularizada a situação, Jair confessou-se admirador de Evaldo, que já conhecia seu trabalho no Trio Nagô. Este respondeu no ato:
─ Seu Jair, o maior prazer da minha vida seria fazer uma canção junto com o senhor. Nessa mesma noite nasceu a primeira composição da dupla: “Conversa”, que seria gravada por muitos intérpretes, por exemplo, Maysa e Cauby Peixoto.
Começava aí a jornada de uma dupla consagrada. Jair sempre pretendeu formar uma dupla estável, a exemplo do que então acontecia na música norte-americana com duplas, tais como: Richard Rodgers & Lorenz Hart; Sammy Cahn & Jimmy Van Heusen; Hoagy Carmichael & Mitchell Parish; James McHugh & Dorothy Fields; e outras. Jair, quando conheceu Evaldo, dono de grande inventividade musical, pôde colocar em prática o seu sonho.
O grande segredo da dupla é a sua extrema versatilidade. Ao longo da produção da dupla, assinalam-se os mais variados ritmos, samba, samba-canção, bolero, valsa, marcha-rancho, bossa-nova, tango, samba-iê-iê-iê e até mesmo samba-enredo.
Para interpretar as canções da dupla, inicialmente, a pedida era um cantor capaz de expressar a tristeza, a dor-de-cotovelo, em ritmo de samba-canção ou bolero. Escolheram Anísio Silva, um baiano de voz anasalada e queixosa, que foi o responsável pelo sucesso de “Alguém me Disse”.
Na sequência, foi a vez de Altemar Dutra, voz romântica e educada que seria o lançador dos maiores sucessos de Gouveia e Amorim, “Tudo de Mim”, “Sentimental Demais”, “Que Queres Tu de Mim”, ”Somos Iguais”, “O Trovador”, “Brigas”.
Outros dois intérpretes também tiveram grande importância na carreira da dupla, Miltinho, que gravou, em 1962, o famoso “Poema do Olhar”, e Morgana que, no mesmo ano, proporcionou outro enorme êxito, “E a Vida Continua”.
Depois do carnaval de 1969, enveredaram pelo samba, compondo “O Conde”, uma obra em homenagem a Vilma, porta-estandarte da Portela. Esse samba obteve grande sucesso, interpretado por Jair Rodrigues. Assim, Evaldo e Jair acabaram por se firmar no samba, chegando mesmo a compor, em 1973 – a despeito das críticas e reclamações de puristas – o samba-enredo para a Portela, cujo título foi “O Mundo Melhor de Pixinguinha (Pizindim)”.
Em 1977, compuseram outro samba-enredo para a Portela, “Mulher à Brasileira”, que chegou a ser gravado por Rod Stewart, cantor pop inglês, numa versão rock and roll.
Para não se esquecerem de sua veia versátil, compuseram um tango, “Tango para Tereza”, gravado por Ângela Maria, em 1977. Evaldo Gouveia e Jair Amorim têm, juntos, um acervo de mais de cento e cinquenta composições.
Jair Amorim faleceu em 15 de outubro de 1993, na cidade de São José dos Campos. Evaldo Gouveia, aos 88 anos, ainda se apresenta pelas cidades do Brasil.
Em uma entrevista, já quase no final de sua vida, Altemar Dutra respondendo a um repórter, que lhe perguntou como gostaria de ser lembrado, disse que gostaria de ser lembrado pela gravação de “Brigas”, canção de Evaldo Gouveia e Jair Amorim.
BRIGAS
Veja só que tolice nós dois
Brigarmos tanto assim
Se depois vamos nós a sorrir
Trocar de bem no fim…
Para que maltratarmos o amor
O amor não se maltrata não
Para que se essa gente o que quer
É ver nossa separação…
Brigo eu, você briga também
Por coisas tão banais
E o amor em momentos assim
Morre um pouquinho mais…
E ao morrer então é que se vê
Que quem morreu fui eu e foi você
Pois sem amor, estamos sós
Morremos nós…
(Evaldo Gouveia / Jair Amorim)
Gonçalves Viana – viana.gaparecido@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024