Elaine dos Santos: Artigo ‘Príncipes também são sapos’


O casamento nesse formato que conhecemos hoje em dia, com festas reunindo famílias, é uma invenção da classe burguesa, que surgiu na Europa por volta de 1450 ou 1500, o que corresponde ao fim da Idade Média, início da Idade Moderna.
Philippe Ariès, no livro História Social da Criança e da Família, por exemplo, afirma que, antes disso, não havia sequer privacidade entre os membros da família: pai, mãe, filhos, avós, serviçais dormiam todos na mesma peça – geralmente, era o mesmo lugar em que todos faziam as refeições diárias.
Nas classes mais abastadas, o casamento selava uma relação comercial entre o pai da noiva e o futuro marido dela: uma sociedade, tanto que o pai oferecia um dote ao futuro marido dela para que empreendesse em suas novas atividades.
Uma obra exemplar, neste sentido, é Senhora (1874), romance de José de Alencar . Trata-se de um romance da fase mais madura de Alencar e a explicitação de sua crítica social encontra-se, inclusive, na divisão dos capítulos do romance: O preço; Quitação; Posse e Resgate.
Aurélia Camargo, a jovem pobre rejeitada por Fernando Seixas, que a troca por outra mais rica e com um bom dote, literalmente, ‘compra’ Seixas: qual o preço? Ela paga por ele, por sua presença masculina ao lado dela nas festas, nos saraus, nos teatros, até que ele consegue dinheiro suficiente para ‘resgatar-se’. Releia o romance, o final é clássico, classicamente, próprio do Romantismo, apaixonante para quem ainda acredita em príncipes encantados.
O príncipe encantado, diga-se de passagem, é um arquétipo – essas figuras universais, como a bruxa má, o herói, o amante, o bobo da corte etc. No Ocidente, ele tem a sua origem nos contos de fadas recolhidos pelos irmãos Grimm e Charles Perrault entre o povo europeu.
Desde a adolescência, eu sempre ironizei muito essa ideia do príncipe encantado: imagine um homem vestido com uma armadura dourada, montado em um cavalo branco, percorrendo a principal avenida da cidade procurando a sua amada. Sem cabimento!
Porém, em 1981, parecia que um príncipe encantado e uma princesa haviam se encontrado e, no dia 29 de julho, no verão europeu, celebravam a sua união. Ledo engano.
Havia três pessoas no casamento; o príncipe era um sapo e a linda princesa sofreu muito, segundo contam. Não havia festas, castelos, viagens e, ao que parece nem os filhos que transformassem a vida de Charles e Diana, os príncipes de Gales.
A separação oficial aconteceu anos depois e, finalmente, um acidente em Paris, França, colocou fim à vida da princesa. O príncipe não era encantado, porque homens e mulheres não são perfeitos, são seres incompletos, com dúvidas, com erros, com medos, com traumas, que, por vezes, fazem muito mal ao (s) outros (s).
O príncipe é encantado nas narrativas, os amores são perfeitos nos romances, contudo, na vida real, as relações demandam compreensão, aceitação, paciência, sentimentos/percepções que parecem estar em falta em um ‘mercado’ que só valoriza estética, aparência, ‘fotos instagramáveis’, pouco conteúdo e zero diálogo.
Este texto representa o meu lamento pelo número desesperador de mulheres mortas por seus maridos, companheiros, ficantes ou mesmo por estranhos. Nunca a vida da mulher foi tão desrespeitada, tanto física quanto emocionalmente.
Há medo, há inquietação, há angústia no seio de uma sociedade que optou pela violência e descarrega-a nos mais frágeis, como mulheres e crianças.
Elaine dos Santos
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Natural de Restinga Seca (RS), é licenciada em Letras, Mestre e Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. Possui 29 artigos acadêmicos publicados em revistas nacionais na área de Letras com classificação Qualis, além de participação em eventos com trabalhos completos e resumos. É autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em outros livros versando sobre Direito, História, Educação e Letras. É revisora de textos acadêmicos, cronista com textos publicados em jornais regionais e estaduais e participação em mais de 80 antologias.

