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O leitor participa: Arvelos Vieira, da Academia Cruzeirense de Letras e Artes, com a crônica 'A pinguela do manacá'

“A pinguela (tronco ou prancha que serve de ponte sobre um rio), nas proximidades da estação de Manacá, localizada em solos passaquatrenses, tem existência de longa data, e é para lá que nos reportaremos dando corpo à nossa história.”

 

A pinguela (tronco ou prancha que serve de ponte sobre um rio), nas proximidades da estação de Manacá, localizada em solos passaquatrenses, tem existência de longa data, e é para lá que nos reportaremos dando corpo à nossa história.

A cidade é a mineira Passa Quatro no ano de 1946!
Meu pai, Adolpho Vitor, de memória saudosa, então com 12 anos de idade, vivia feliz e comodamente naquela cidade, ao lado dos seus pais e irmãos, na casa da estação, onde seu pai, o meu avô, Adolpho Arvelos Vieira, homem de decisão, estatura mediana, mas bravo como um cão, era o chefe da estação.

Vovô, entre a partida e a chegada de um trem à sua estação, sempre dava uma escapada à sua residência, colada à agência para uma prosa, um cafezinho, um belisco ou mesmo distribuir tarefas à sua prole, que o respeitava como ninguém, dentre ela, o meu pai. Vovô fazia isso com frequência.

Minha avó Hilda, mulher religiosa fervorosa, além dos afazeres domésticos que lhe competia e do esmero cuidado com os filhos, regularmente preparava deliciosos quitutes que dividiam espaço caprichosamente na bem montada cesta de vime, com frutos variados, doces e salgados, que meu pai os vendiam nas janelas ou corredores das composições ferroviárias, quando estacionadas na plataforma da estação, para manutenção da lendária “Maria Fumaça”, assim como embarque e desembarque dos passageiros. Valores auferidos que ajudavam nas despesas do lar.

Fui num desses dias de 1946 que, papai, ao passar pelo carro restaurante de uma dessas composições ferroviárias, captou uma conversa nada interessante, de influentes senhores da época, políticos importantes, capitaneados pelo Coronel Tibúrcio, vulto lendário dos mais influentes na região mineira, com residência fixa em Passa Quatro. Era um homem proeminente.

Nesse diálogo, papai ouviu tristemente que arquitetavam friamente a retirada do meu avô da chefia da estação de Passa Quatro para dar lugar a um outro, que fazia parte do grupo político desses respeitáveis senhores. O Coronel Tibúrcio tinha voz ativa junto à direção da Rede Mineira de Viação, em Belo Horizonte, logo, ele tinha carta branca para qualquer decisão que fosse do seu interesse. Como podem observar, as “armações políticas” já vêm de longa data …

Papai ficou, deveras, revoltado com o que ouviu, sem nunca ter contado para o seu velho pai. Sabia sê-lo um homem genioso, rédeas curtas, meio burrão; logo, se conhecimento tomasse daquela decisão, certamente iria tirar satisfação e o resultado disso certamente não seria nada bom. Meu avô morreu sem saber da sua “puxada de tapete”, e papai com essa estória “atravessada na garganta”.

Como antigamente palavra de Coronel era sinônimo de “cumpra-se”, não demorou muito para que meu avô, classificado como Chefe de Estação de 1ª classe, fosse removido para uma simples estaçãozinha de roça, localizada no meio do mato, conhecida por Manacá (para atendimento da zona rural de Passa Quatro!), quase sem nenhum estrutura, como água encanada, luz, rede de esgoto, banheiro e outros, como era comum nessas localidades, ao contrário da maravilha que é hoje. Nesse época, banhos eram nos rios e necessidades fisiológicas no mato, ou mesmo no rio, havia a opção de escolha (rsrsrs).

Pois bem! A revolução foi total na vida do meu avô e sua família, que tiveram que disponibilizar a ampla, confortável e gratuita residência da estação que residiam no centro da cidade, para dar lugar ao “protegido” do Coronel Tibúrcio, passando a família a morar em residência alugada e meu avô a amargar 4 quilômetros diários de caminhada, às 5 horas da manhã, beirando a ferrovia, para chegar à estação do Manacá e receber a primeira composição ferroviária vinda de Cruzeiro, e outros 4 km ao anoitecer, para retornar a sua residência, mudança essa que acabou sobrando também para o meu pai, então moleque, nos seus 12, 13 anos de idade, que teve como incumbência levar o almoço, cuidadosamente preparado pela minha avô em caldeirão amarado e embrulhado em pano de prato, para o meu avô, na estação de Manacá, diariamente no meio do dia.

Como todo menino normal, enquanto o meu avô almoçava dentro da agência, papai se ocupava com brincadeiras banais, utilizando daquilo que encontrava ao seu redor, e foi numa dessas ocasiões que, brincando sobre a pinguela do Manacá de onde atirava pedras ao rio, assustou-se com a sombra do meu avô às suas costas. Como papai tinha pavor de água, pois não sabia nadar, e julgando que meu avô pudesse atirá-lo dentro do rio, vez que vovô era dotado de brincadeiras imprevisíveis e, às vezes, até abrutalhadas (nós netos que o digamos, rsrsrs!), instintivamente, agarrou-se às pernas do meu avô, que, desequilibrado, caiu sobre ele e os dois foram parar nas correntezas volumosas das águas do rio Passa Quatro (hoje apenas filetes de água de um vasto passado!).

Na queda, o vovô bateu com a perna esquerda violentamente sobre uma pedra fraturando-a, e esta nunca mais voltou a normalidade, obrigando-o a fazer uso por todo o resto da sua vida de uma bengala para locomover-se, sem contar que foi vítima também de um enfisema subcutâneo nessa mesma perna, que nunca mais cicatrizou e ele sofreu a vida todo com a consequência e os curativos regulares que eram penosos.

E assim papai nunca perdoou-se pelo acidente sofrido pelo meu avô, seu pai, como também nunca perdoou o Coronel Tibúrcio que, por capricho político, privou um excelente profissional de desfrutar com direito e justiça, do conforto que a sua profissão vinha lhe permitindo por conquista digna do seu trabalho e competência, e jamais através de proteção e apadrinhamento politico.

A maior conquista que um homem pode almejar na vida é a aposentadoria, prêmio que o meu avô conseguiu no ano de 1950, após 44 anos de trabalhos ininterruptos na ferrovia, sendo Jacutinga a última estação que o recebeu como profissional.

Quando eu vim ao mundo no ano 1955, passei a conviver com o meu avô, com ele novamente residindo em Passa Quatro, dessa vez em uma casinha “meia água”, construída por ele, com dinheiro de sua aposentadoria, no bairro Copacabana, que, com o passar dos anos ele foi ampliando-a até tornar-se do seu gosto e conforto. E a bengala, sempre a sua fiel e insubstituível companheira.

Lembro-me do Dr. Castro, médico de todos, do Serafim, o mago da farmácia (vivo nos dias atuais na altura dos seus 96 anos de idade!) que tão bem fez para várias gerações, e do aplicador de injeções, Aníbal, que andava como ninguém pelos quatro cantos da cidade numa perna só, tendo a outra substituída por uma muleta de madeira.

Todos eles, quando acionados, davam atendimento com muita atenção e presteza ao meu avô. Portanto, desde pequeno convivi com essa gente, aprendendo a respeitá-la e admirá-la.

Antes de virmos para Cruzeiro, residimos em Passa Quatro até ano de 1963, no bairro Copacabana, umas 3 casas acima da do meu avô e também na rua do Vinagre, época em que a luz elétrica estava chegando na cidade.

A maioria das ruas eram de terra batida e, quando chovia, tirando as poças d’águas enormes dificultando o caminhar, tínhamos que disputar espaço com uma infinidade de sapos e pererecas, que a orquestravam um coaxar infernal e também o brilho mágico dos vaga-lumes, que nos deixavam extasiados, face a quantidade e o riscar na escuridão, coisas não mais vistas nos dias de hoje, desconhecidas pela atual geração. Meus pais mudaram-se para Cruzeiro, porém nossas presenças eram sagradas em quase todos os finais de semana naquela terrinha, quando grande parte da família (filhos, genros, noras e netos), reuniam-se em torno de nossos ancestrais.

Tempos felizes que na minha inocência de menino eu julgava que se tratava de um nó indissolúvel, mas que vi desatado tão logo os velhos patriarcas e anfitriões foram convocados para o andar “superior’, após cumprida a missão que lhes fora reservada por “Ele”, o nosso criador, arquiteto do universo. Meu avô Adolpho desencarnou em 1969 e minha avó Hilda em 1970.

A seguir, a minha emoção, em forma de poesia, descrita no ano de 2004, data da inauguração do Trem da Serra, ao chegar e deparar com a pinguela do Manacá. história que é parte da minha REALIDADE COMO ELA É!

A PINGUELA DO MANACÁ

Em Passa Quatro terra querida,
Estava eu na estação da ferrovia,
Preparado e feliz para a partida,
Do retorno do trem que acontecia!

Era dia de São Sebastião,
A inauguração do Trem da Serra,
E também grande foi a emoção,
Do povo querido da minha terra!

Num longo e melodioso apito,
A Maria Fumaça pôs-se a andar,
E num resfolegar todo seu atrevido,
Fez muita gente as lágrimas derramar!

Chorar de emoção e alegria,
Por estar vendo um sonho realizado,
Daquele trem que se fora um dia,
Referência de um saudoso passado!

E o trem partiu da estação,
Tendo como destino o Manacá,
E no sacolejar da composição,
Permitia a todos se confraternizar!

Chegando no fim da linha
Naquela estação singela,
Qual não foi a surpresa minha,
Deparar-me com a pinguela!

Pinguela que tem história,
De um passado não muito recente,
Que guardei vivo na memória,
Por ser história da minha gente!

E assim a emoção aflorou-me na hora,
Por do meu avô e pai eu ter lembrado,
Do acidente que se tornou história,
Episódio pertencente ao passado!

Este é um marcante acontecido,
Que não poderia em branco passar,
Mas que estava meio adormecido,
Até eu ver a pinguela do MANACÁ!

Sergio Diniz da Costa
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