“Esse desafio de decifração da cidade de Sorocaba foi aceito pelo cineasta Cleiner Micceno que produziu e dirigiu o documentário ‘Extremos – Histórias cotidianas’, lançado oficialmente no último dia 1º de março na Biblioteca Infantil de Sorocaba.”
Decifrar uma cidade não é tarefa fácil. Afinal, desde quando o homem converteu as antigas aldeias em cidades, criou juntamente com as construções, as marcas urbanísticas, os templos e palácios, também os códigos e as múltiplas linguagens que deram consistência ao grupo daquilo que hoje chamamos de identidade.
Desse modo, por diversos signos distintivos, os habitantes de uma cidade sustentaram as suas relações sociais de maneira a se diferenciar dos demais povos. Atenienses tenderam para o desenvolvimento das artes e da filosofia, criando, inclusive, algo notável e fora dos padrões da época: a democracia. Já os Espartanos mantiveram o poder da oligarquia e tiveram como maior propósito a criação de uma elite militar.
Ambas as cidades pertencentes à Antiga Grécia, mas cidades-estados, ou seja, independentes entre si e, por isso, autônomas em relação à sua organização social, política, religiosa e cultural.
Embora exista a distância espaço-temporal, as cidades contemporâneas também se constituem a partir de identidades construídas durante o processo de formação dos núcleos habitacionais. Não é fácil, portanto, mapear essas diferenças elaboradas na convivência das pessoas e ao decanto da poeira do tempo.
Ainda mais se essa cidade possui uma diversidade ímpar, formada a partir da convergência de diversos povos e culturas para um determinado lugar e, sobretudo, quando atinge dimensões que a tornam uma verdadeira metrópole.
Esse desafio de decifração da cidade de Sorocaba foi aceito pelo cineasta Cleiner Micceno que produziu e dirigiu o documentário “Extremos – Histórias cotidianas”, lançado oficialmente no último dia 1º de março na Biblioteca Infantil de Sorocaba. Trabalho produzido a partir de recursos advindos da LINC (Lei Municipal de Incentivo à Cultura), “Extremos” coleciona relatos de moradores dos bairros do Éden, Brigadeiro Tobias, São Bento e Aparecidinha, buscando formar um mosaico de memórias que ajudem a compreender como foram formados esses povoados localizados nas bordas e cercanias de Sorocaba.
À falta de um trabalho historiográfico que aprofunde o estudo dos arrabaldes sorocabanos, o documentário “Extremos” preenche a lacuna construindo uma narrativa a partir das memórias que constituem o alicerce das identidades desses bairros. A poesia se faz presente nesses relatos, pois as lembranças tendem a ser o sumo filtrado das percepções emocionais, muito além, portanto, do que a simples verbalização de datas e fatos.
O ponto de equilíbrio das narrativas desse documentário se faz presente na opinião de abalizados pesquisadores que escoram os depoimentos dos moradores na contextualização histórica e geográfica.
Do ponto de vista técnico, o documentário é revestido de excelente fotografia, captação do som e com ritmo que permite ao expectador acompanhar, sem se cansar, as histórias contadas durante uma hora e meia de duração. Isso é raro em termos de documentários.
Por outro lado, a experiência acumulada de décadas à frente da produção audiovisual permite ao diretor Cleiner Micceno transpor esse desafio e produzir um documentário em longa metragem.
“Extremos” é, definitivamente, um excelente trabalho que também servirá como testemunho de uma memória narrativa que preserva as identidades de bairros de Sorocaba.
Carlos Carvalho Cavalheiro – carlosccavalheiro@gmail.com
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos