novembro 24, 2024
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Arvelos Vieira: 'Saudosa memória'

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SAUDOSA MEMÓRIA

Hoje eu acordei com o pensamento voltado para aqueles entes queridos que nos deixaram. Uma família numerosa, de muitos almoços, jantares, churrascos, enfim, reuniões deixadas para trás de nunca mais.

Eu nasci no ano de 1955, na pacata e bucólica Passa Quatro das Minas Gerais. Lá residi até o ano de 1963, quando meus pais rumaram para Cruzeiro, vindo papai assumir suas funções ferroviárias na maior estação da região, por ser o entroncamento ferroviário dos três principais estados do país; São Paulo – Rio de Janeiro – Minas Gerais.

Entre 11 e 14 horas, o pátio da estação se tornava pequeno para tanto movimento. Era um trançar de passageiros que não acabava mais.

A muvuca tinha início com o trem expresso de prefixo PC2, que chegava das Minas Gerais, atracando na estação de Cruzeiro por volta das 11h40. Nele vinham passageiros de retorno à Cruzeiro; amigos mineiros visitar seus parentes residentes em Cruzeiro, que é uma cidade de tradição mineira; passageiros que vinham às compras e retornavam horas depois no mesmo trem e vinham também passageiros com destino a São Paulo ou Rio de Janeiro, vez que os trens de aço oriundos das capitais opostas, aqui cruzavam diariamente entre os horários das 12 às 13 horas, salvo engano, composições de prefixos DP1 e DP2.

A estação era (ainda é, embora hoje fantasmagórica!) uma só, porém dividida ao meio. Do lado da antiga zona de meretrício, pertencente a Central do Brasil, recebendo os trens das capitais paulista e carioca, e do lado do centro da cidade, a “5ª Divisão Centro Oeste”, última nomenclatura, sepultada com a ferrovia. Ela foi fundada com a denominação “Ferrovia Minas e Rio”, passando a “Estada de Ferro Sul Mineira’, “Rede Mineira de Viação”, “Viação Férrea Centro Oeste” e por fim, 5ª Divisão Centro Oeste”.

Os trens que aqui chegavam vindos de São Paulo e Rio de Janeiro além de embarcarem os passageiros oriundos do Sul de Minas, desembarcavam uma infinidade de outros passageiros com destino as plagas mineiras, principalmente nos finais de semanas e feriados prolongados. Eram os chamados “turistas balneários” ou “turistas das águas”, que chegavam eufóricos em especial as mulheres comumente trajando roupas coloridas, bermudas, chapéus e óculos grandes, além das suas volumosas e pesadas bagagens, dando trabalho para os “carregadores”, senhores vestidos num terninho branco, surrado, quepe da mesma cor e um carrinho para o transporte dessas bagagens de um lado para outro. Era nítido o cenário de visita turística balneária.

Logo em seguida esses turistas embarcavam no trem expresso, aí, de prefixo “PC1”, que tendo chegado as 11h40, já se encontrava estacionado no pátio da estação, pronto para retornar às Minas Gerais, com sua composição já varrida e aromatizada. Sua partida se dava impreterivelmente às 13h40.

Era uma composição extensa, geralmente com 12, 14 carros de passageiros, as vezes até mais, para transportar tantos turistas. Os carros tinham uma placa de identificação bem no centro, no lado externo. O circuito das águas procurado era: São Lourenço, Caxambu, Cambuquira e Campanha, e os turistas identificavam os carros que os levariam ao destino programado. Na cidade de Soledade de Minas a composição era partilhada em 3 outras.

O carro de São Lourenço seguia em frente, juntamente com outros, tendo como destino Belo Horizonte, passando por Conceição do Rio Verde, Três Corações, Lavras e outras cidades. Os passageiros com destino à cidade de Itajubá bem como Caxambu, seus carros eram deixados em Soledade de Minas por um certo tempo, até a passagem de duas outras composições que os acoplavam em suas caldas e seguiam em direção aos destinos finais.

O carro com destino a Cambuquira e Campanha, seguia na composição de Caxambu, sendo deixado um pouco mais na frente, numa estaçãozinha de roça, sendo formado outra composição passando antes por Olímpio Noronha e Jesuânia para depois chegar em Cambuquira e Campanha. Essa composição tinha como destino final a cidade de São Gonçalo do Sapucaí.

A composição com destino a Itajubá, seguia em frente passando por Santa Rita do Sapucaí, Pouso Alegre, não sei ao certo seu destino final. Da mesma forma a composição de Caxambu, que seguia para Baependi, Cruzília, Aiuruoca e outras cidades.

No retorno, essas composições vinham dos variados destinos e novamente encontravam-se em Soledade de Minas, onde se ajuntavam numa única, para que todos fossem trazidos de volta a Cruzeiro e, repetido o formigueiro na estação, com cada qual procurando o seu rumo.

Esse processo era rotineiro e nos finais de semana e feriados, era um verdadeiro enxame de passageiros, de idas e voltas, de muita conversa, risadas, beijos, despedidas, lágrimas e abraços, bons tempos que só quem viveu sabe da emoção, hoje saudosa memória.

Comecei escrevendo sobre meus entes queridos e a história acabou tomando rumo completamente diferente. No desvio da chave, acabei entrando nos trilhos da ferrovia. Noutra oportunidade volto a focar nos meus entes queridos tão saudoso quanto a ferrovia, afinal, todos eles fizeram parte da ferrovia, se não nela trabalhando, utilizando-a como meio de transporte.

SEIS FOTOS MARCANTES

1 – Baldeação de passageiros com destino às Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Grande a movimentação na estação vendo-se ao lado esquerdo da foto, os “carregadores de malas”, nos seus tradicionais terninhos branco.

2 – Passageiros no pátio da estação da Central do Brasil, esperando o trem vindo do Rio de Janeiro, para embarcarem com destino a São Paulo.

3 – Composição ferroviária extensa, seguindo para o Sul de Minas, levando os turistas com destino ao Circuito das Águas.

4- A tristeza, o descaso, o abandono, o que sobrou de uma linda história.

5 – Cruzamento na estação Cruzeiro dos TRENS HÚNGAROS que por um tempo circularam entre São Paulo e Rio de Janeiro. Eles foram tirados de circulação porque não tinham força motora para transpor a serra das Araras no Estado do Rio de Janeiro.

6 – Última composição ferroviária, o EXPRESSO – no caso PC1, pronto para seguir para as Minas Gerais, locomotiva a diesel e carros de passageiros de gás carbono.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Helio Rubens
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