‘…MAS, O QUE EU QUERO É LHE DIZER QUE A COISA AQUI ‘TÁ PRETA!’
Não pude deixar de lembrar-me da canção Meu caro amigo, do Chico Buarque, ao acabar de responder a um e-mail do bom companheiro Rui Martins que, lá na Suíça, aflige-se com as novidades que lhe chegam do Brasil.
No caso, a sua inquietação era com o alerta que lancei nesta 2ª feira, 17 (vide aqui), por ele qualificado de “um pesadelo”.
A resposta que enviei ao Rui é o que tenho para dizer aos leitores neste momento, então a reproduzo na íntegra:
“…é triste mas continuo não conseguindo fazer com que esses indícios de grave perigo sejam levados a sério.
O MBL e o Vem Pra Rua estão convocando para manifestações no país inteiro no dia 30, alegadamente em solidariedade ao Moro.
Há duas possibilidades:
1. a de o áudio provir de uma vertente secundária da extrema-direita que estaria tentando dar um direcionamento mais radical a tais manifestações;
2. a de o áudio expressar a verdadeira intenção da extrema-direita com as manifestações e a solidariedade ao Moro ser apenas a versão maquilada, para uso externo.
O certo é que não se pode brincar com essas coisas e a imprensa, em primeiro lugar, deveria estar investigando esse áudio, até porque faz um tipo de pregação que pode ser enquadrado como crime virtual. Isto não tem interesse jornalístico?
Será que, como durante a escalada do Hitler, ignoraremos o perigo até essa cambada não poder mais ser detida?!”
Um amigo de décadas acaba de receber pelo WhatsApp e me repassar um áudio de 1’05”, no qual o locutor que se identifica como Beto Fontes, de Londrina, PR (seu perfil no Youtube o apresenta como “jornalista investigativo, analista de mídias sociais, ativista e coaching“), faz esta convocação para uma versão brasileira da Marcha sobre Roma de 1922, que marcou a conquista do poder por parte dos fascistas italianos:
“Este áudio é curtíssimo para que vocês possam compartilhar em todas as redes.
Dia 30/06/2019 voltaremos às ruas contra o crime político organizado.
A pauta será única e objetiva, ou seja, o tiro letal contra a corrupção que vem atravancando um governo que nós elegemos democraticamente.
Todo poder emana do povo, artigo 1º, é constitucional. E o povo irá às ruas ordenado para que o presidente Jair Bolsonaro acione o artigo 142 da Constituição Federal e faça uma faxina constitucional.
[Que] Juízes e políticos corruptos, inclusive jornalistas criminosos, [sejam] julgados e condenados sem redução de pena.
Quem manda no Brasil somos nós e o governo que nós elegemos democraticamente está precisando do nosso apoio.constitucional.
E a pauta é objetiva e única: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Eis o que estabelece o citado artigo 142:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Então, depreende-se que se pretenda colocar o povo nas ruas para dar ao presidente Jair Bolsonaro um pretexto para ele, presumivelmente em nome da defesa da lei e da ordem, ordenar às Forças Armadas que barbarizem o Judiciário, o Legislativo e a imprensa.
Isto se faz com anuência do próprio presidente ou à sua revelia? Não há como provar, mas se pode conjeturar, a partir deste relato de hoje (2ª feira, 17) do jornalista Reinaldo Azevedo:
“É de assombrar a sequência de ações destrambelhadas do senhor presidente da República em 96 horas. Entre a quinta, data em que o deputado Samuel Moreira apresentou o texto da Previdência, e este domingo, o chamado Mito se dedicou incontinente à tarefa de gerar crises.
E não! Não se trata de coisas irrelevantes. Pior: em duas das invectivas contra o bom senso, contou com o auxílio de Paulo Guedes, tido por incautos como âncora da estabilidade do governo.
…Atenção! Na mesma quinta em que se apresentou o texto da Previdência, Bolsonaro demitiu Santos Cruz da Secretaria de Governo e pôs em seu lugar um general da ativa: um paraquedista vai fazer articulação política.
Na sexta, anunciou que vai pôr na rua o presidente dos Correios e criticou o STF, voltando a defender um evangélico no tribunal. No mesmo dia, Guedes disparou contra Joaquim Levy, então presidente do BNDES, e desferiu duras críticas ao Congresso e ao texto da reforma.
No sábado, o presidente disse que a cabeça de Levy estava a prêmio e que, para governar, precisa mais do povo do que do Parlamento. Adicionalmente, defendeu o armamento da população e, se preciso, a luta armada propriamente.
E isso em meio ao escândalo das conversas de pornografia política e jurídica explícita entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol”.
Ou seja, há fortes motivos para supormos que Bolsonaro esteja mesmo decidido a virar a mesa para obter poderes bem maiores do que a Constituição lhe concede. E que ele sonhe com uma reedição do êxito de Mussolini ao marchar com seus fascistas sobre Roma.
Mas, se todos que repudiam o golpismo e o autoritarismo reagirem firmemente, Bolsonaro pode, isto sim, bisar o fracasso retumbante que Jânio Quadros colheu em 1961 com sua renúncia que embutia um autogolpe. (por Celso Lungaretti)
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.