Uma mulher negra e invisibilizada
Maria Geruncia de Jesus. Uma mulher negra que viveu em Porto Feliz na década de 1930.
Mais do que isso, Maria Geruncia foi militante pelos direitos e inserção social dos negros da cidade.
Ela estava presente na fundação da Frente Negra Brasileira, seção de Porto Feliz. Além disso, era a
única mulher que ocupou a primeira diretoria dessa sociedade.
A Frente Negra Brasileira foi fundada em São Paulo no dia 16 de setembro de 1931. Tinha
por objetivo ser um instrumento de ação política e social, ou seja, uma “união política e social da
Gente Negra Nacional, para afirmação dos direitos históricos da mesma, em virtude de sua atividade
material e moral no passado e para reivindicação de seus direitos sociais e políticos atuais na
Comunhão Brasileira”, conforme rezava o artigo 1º de seu Estatuto.
Com isso, a organização pretendia também a “elevação moral, intelectual, artística, técnica,
profissional e física; assistência, proteção e defesa social, jurídica, econômica e do trabalho da Gente
Negra” (art. 3º do mesmo Estatuto).
A Frente Negra chegou a se constituir enquanto partido político, tendo suas atividades
cessadas com o advento de ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1937.
Fundada em setembro de 1931, espalhou-se logo pelas cidades do interior paulista e por
outros estados como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e outros. Um mês depois, no
dia 19 de outubro de 1931, em reunião presidida por Olympio Moreira da Silva, reuniram-se os negros
de Porto Feliz para deliberarem sobre a constituição de uma delegação da Frente Negra Brasileira na
cidade. Em 22 daquele mês fundou-se, numa segunda reunião, fundou-se a seção portofelicense da
Frente Negra, tendo como primeira diretoria Francisco Paes, como delegatário; Martinho Correa de
Toledo como vice, Aquilino Antunes de Toledo como secretário e, como Tesoureira, a Maria Geruncia
de Jesus.
Esta, depois de empossada a diretoria, “proferiu uma alocução, pedindo aos associados que
a auxiliassem com boa vontade, que ela estava disposta a trabalhar pelos interesses sociais.
Terminou solicitando o sacrifício da própria vida, se possível, para ver bem alta a Bandeira
desfraldada pelos negros de Porto Feliz”, conforme noticiou o jornal “O Porto Feliz” de 31 de outubro
de 1931.
E qual era o trabalho social a que Maria Geruncia de Jesus se referia? O próprio texto
jornalístico dá notícia disso: criar uma escola para as crianças negras, abrigar e dar auxílio aos
doentes negros, assistência para os negros desabrigados que perambulavam pelas ruas da cidade.
Num momento histórico em que a mulher tinha pouco espaço de expressão, Maria Geruncia
se colocou como aquela que proferiu as palavras alicerçaram os ideais daqueles negros que
fundavam a Frente Negra em Porto Feliz.
Infelizmente, a sua presença enquanto sujeito histórico ainda requer o devido
reconhecimento. Não é fácil encontrar outros vestígios de sua vida. Em pesquisa auxiliada por Maria
Eduarda Nunes, encontrou-se uma “Maria Geruncio de Jesus” que faleceu em 1980 e está enterrada
no distrito de São Miguel Paulista, na capital.
Seria a mesma Maria Geruncia que atuou na Frente Negra de Porto Feliz? Somente novas
pesquisas poderão dar conta de responder a essa questão. Enquanto isso, a personagem histórica
continua invisibilizada, como tantas outras que por interesses diversos foram esquecidas.
PS – Se algum leitor souber alguma informação sobre Maria Geruncia de Jesus, queira, por gentileza,
compartilhá-la conosco. Contato: carlosccavalheiro@gmail.com
Gratidão.
Carlos Carvalho Cavalheiro
carlosccavalheiro@gmail.com
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos