Talento da Terra: Eric Cobrah
Há um ditado que diz que “santo de casa não faz milagre”. Jesus Cristo disse algo semelhante ao afirmar que um profeta não tem honra em sua casa e entre os seus. No entanto, é preciso entender que contextos diferentes promovem reações distintas. Existe sim uma tendência a não acreditar no potencial daqueles que estão próximos a nós. Mas nem sempre deixaremos de reconhecer o seu talento quando ele se mostrar.
Se um profeta do primeiro século não convencia aos seus parentes, isso não significa que um artista do século XXI terá a mesma sorte. E disso já tivemos inúmeros exemplos.
Quem procurar o nome de Eric Cobrah em vídeos pela internet talvez se surpreenda e não reconheça de imediato o cantor e compositor de Porto Feliz, vocalista da banda Porão 365. Não porque ele não tenha demonstrado o seu valor artístico já naqueles idos finais da década de 1990. Ao contrário, os elementos fundamentais do artista já estavam ali presentes.
Porém, há um salto enorme entre esse trabalho e o que Eric Cobrah vem produzindo atualmente. A começar pela produção áudio visual dos clips das músicas, com qualidade técnica impecável e cuidado estético primoroso. Sem receio de ousar, as cenas de “Blue Bird Man”, clip assinado por Alice Blake, contrasta a escuridão da noite com o bruxulear de chamas de uma fogueira. O resultado é um controle da iluminação, valorizando o que importa da cena, criando uma narrativa que nos empurra ao imaginário do longínquo “oeste selvagem” dos mitos estadunidenses. Sim, porque o trabalho de Eric Cobrah é baseado no folk, com influência de Bob Dylan, Woody Guthrie, Johnny Cash e Neil Young. “Blue Bird Man” foi composta em homenagem ao seu amigo Azulão. Neste vídeo, Alice Blake mostra todo o talento e conhecimento da linguagem cinematográfica, sem dever a nenhum clip musical feito por grandes produtoras.
Essa nova fase artística de Eric Cobrah surgiu há quatro anos, com canções em inglês compostas por ele em parceria com a esposa Alice Blake. O objetivo é gravar um álbum com 12 canções produzidas em estúdio. Paralelamente à gravação em homestúdio, algumas dessas músicas vêm ganhando a sua versão em vídeo. Além da já citada “Blue Bird Man”, foram produzidos os vídeos das canções quatro vídeos até agora: Walkway, Brothers, Blue Bird Man e Song to Tommy (The Scarecrow).
As imagens criadas para os clips não são meras ilustrações ou divagações descoladas do contexto musical. Ao contrário, são a perfeita complementação, como um texto que corre em paralelo para reforçar e ao mesmo tempo ampliar os sentidos. É esse o cuidado que se vê na escolha dos ângulos, da iluminação, da interpretação, do uso dos filtros no vídeo.
Quem não conhece o artista, poderia se surpreender ao saber que ele caminha pelas mesmas ruas que nós, na querida Porto Feliz. Ao presenciar uma produção de tamanha qualidade, com texto em inglês, a nossa vilipendiada autoestima – que sofre cada dia, a despeito da narrativa pseudo-patriota – induzirá, certamente, a acreditar que “só pode ser produto vindo de fora”.
Ocorre que, numa análise mais acurada, as pessoas hão de se lembrar do Cire (nome com o qual se apresentava no Porão 365, uma inversão de Eric), do Eric Zorob, seu nome de batismo, e irão perceber que se trata do mesmo Eric Cobrah.
Aliás, há uma história bonita na adoção desse nome artístico. Cobrah é o sobrenome da mãe de Eric. Há algum tempo, com a ameaça de uma doença grave, Eric prometeu que se a mãe se curasse, ele adotaria o seu sobrenome como nome artístico. Sucesso na promessa, sucesso também na carreira artística. Eric Cobrah é um dos talentos desta terra de Porto Feliz.
Carlos Carvalho Cavalheiro
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos