Provocações, um epílogo: Fernando Pessoa, o poeta filósofo ou filósofo poeta?
“Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana! …
– E que tragédia acreditar nela!”
Livro do Desassossego.
Após uma sequência de reflexões acerca da vida e os aspectos a ela inerentes; tal como o amor, amizade, tristeza, ou sua antítese, e, até mesmo a morte, em tom de encerramento, propomos uma incursão prática literária. A arte, de inúmeras maneiras, retrata as divagações e dúvidas ínsitas ao ser humano sensível e complexo. E nesse reflexo, impossível não citar o grande poeta lusitano, que em suas linhas, descortinou profundas reflexões que flertam com os questionamentos filosóficos dentro da poética. Com essa proposta, não se objetiva uma dissertação exauriente, o que seria, de plano, impossível, ou mesmo uma imersão explanatória mais profunda – que não faria jus à grandeza do autor citado – sem traçar um “passeio” ainda que pontual por diversas vertentes de sua obra.
Atua como elemento norteador deste pequeno texto, instigar o leitor a uma atividade reflexiva sobre a obra do poeta lusitano, a fim de aquiescer, ou não, com os pontos ora propostos. Ao menos, exorta-se uma nova visão dirigida a seus textos, ou um estímulo à sua descoberta aliada a grandes questões existenciais, num aprimoramento e autoconhecimento instigado em versos.
O saudoso Antônio Abujamra, grande entrevistador, dentre um de vários talentos, costumava inquirir aos entrevistados acerca do autor que eles conheceram mas ainda não como gostariam; bem como aquele ainda não encontrado, mas que pretendiam conhecer. Insiro-me na primeira categoria no que pertine ao autor nascido Fernando Antônio Nogueira Pessoa, (1988 – 1935), detentor de educação britânica na África do Sul, poeta, tradutor e pensador. Ora, à obviedade, dotados de racionalidade, somos seres pensantes, do latim, pensare, isto é, sopesar, refletir. E a reflexão, no plano filosófico, como cediço, é um exercício de questionamento e incursão investigativa numa proposta de pensamento. Tal é o que se percebe nas divagações, não raro, em tom onírico do artista português.
Decerto, o plano abstrato não é uma característica incomum aos escritos poéticos, o matiz de dubiedade e vertente aberta de interpretação são ínsitos àquele gênero literário. Todavia, em se tratando de Fernando Pessoa, suas proposições sobre vida, morte, obsessão, niilismo, natureza, dentre outros tópicos recorrentes à composição criativa, são inseridas em seus versos de forma robustamente inquisitiva. Revela-se, nesse passo, um paralelo entre a peculiaridade etérea e sensível da liberdade atrelada à escrita de poesia, bem como a um feixe de constante questionamento interior, que conduzem o leitor a uma atividade símile, quando se envereda pela poética de sua pena.
Não é inaudito que um autor apresente uma modificação de forma na escrita, utilizando-se de pseudônimos. Contudo, a complexidade da obra do poeta, o que favorece essa gama libertadora de metamorfoses de estilos e exegeses, é consubstanciada na criação de heterônimos, com biografias específicas e peculiaridades de escrita e fontes de influências e inspiração variadas, decorrentes dessas raízes biográficas. Aliás, tal atividade é traduzida nas palavras de seu semi-heterônimo, Bernardo Soares, ao qual é atribuído o Livro do Desassossego: “Dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado de alma uma alma”. O aforismo transcrito delineia essa verve de perfis numa só pessoa, entalhando uma obra completa nos planos estético e filosófico, unidos em uma requintada forma de literatura.
Derivando dessa ideia, na descrição dos atributos textuais de seus heterônimos, sirvo-me de um poema de minha autoria – cito, pois guarda pertinência com o tema – intitulado, Fernando em Pessoa, publicado em algumas antologias e em meu livro solo:
Fernando em Pessoa
Se busca algo simplista,
Recomendar-lhe-ei o artista,
Não simplório, nada corriqueiro,
Ler-se-á Alberto Caeiro.
Se flerta com a serenidade,
Coexista com erudita sagacidade,
Tom epicurista, teor renascentista: Eis!
Falar-se-á do latinista Ricardo Reis.
Se tem ares de convicto pessimista,
Contradição individual, ode logo à vista!
Homem que floresce em tediosos tempos,
Encantar-se-á com Álvaro de Campos.
Contudo, se não aprecia antônimos,
Consolar-se-á com transmorfos heterônimos,
Lirismo não comedido, mas unido, ressoa,
É o plectro da pena de uma só pessoa.
Marcus Hemerly
marcushemerly@gmail.com
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Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES, em 1989. Formado em Direito, é servidor do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo. Autor da obra “Verso e Prosa: Excertos de Acertos”, originalmente publicada em formato físico, coautor em antologias poéticas e de contos. Membro de Academias Literárias, recebeu prêmios e comendas, tais como: “Prêmio Monteiro Lobato”, “Prêmio Cidade de São Pedro da Aldeia de Literatura”, “Grande Prêmio Internacional de Literatura Machado de Assis”, “Medalha Patrono das Letras e das Ciências, Dom Pedro II”, “Medalha Notório Saber Cultura” e foi um dos vencedores do concurso internacional de poesias “Covid Times Poetry” promovido pela ONG “WHD – World Humanitarian Drive”. Foi agraciado com o Título de Doutor Honoris Causa em Literatura, pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Históricos e Filosóficos, com a Comenda Olavo Bilac Príncipe dos Poetas, pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes (FEBACLA), o título de Cavaleiro Comendador da Ordem de Gotland, pela Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente, dentre outras honrarias. É colunista de cinema e literatura, contribuindo para sites e jornais eletrônicos