Link para download de fotos – crédito Filipe Berndt
O nome da exposição é uma referência à conferência feita por Jacques Lacan no VII Congresso da Escola Freudiana de Paris, no dia 1º de novembro de 1974
Em “A Terceira”, a artista Marcia de Moraes conjuga questões da arte e da psicanálise. Através do desenho, a artista encontra destino ao que transborda: para o vazio e para o excesso, para o que é radicalmente seu e para aquilo que é pura alteridade. As perguntas que seus desenhos e colagens sustentam encontram-se nas entranhas e nas vísceras, no dentro e no fora, na superfície e na espessura das coisas. No traçado das primeiras formas, Marcia de Moraes abriga o espaço em branco. O intervalo revelado pelo traço do grafite e a cor como preenchimento desfiguram o figurativo, fazendo com que as coisas possam se imiscuir e perder seu contorno fixo.
O nome da exposição é uma referência à conferência feita por Jacques Lacan no VII Congresso da Escola Freudiana de Paris, no dia 1º de novembro de 1974. Na conferência que também recebeu o nome “A Terceira”, Jacques Lacan trata de um ponto central para a psicanálise: a maneira singular como cada sujeito escreve um corpo. “Dentro da minha interpretação, ele falou sobre o aquilo que não cabe dentro das pessoas. Provavelmente ele está falando de pulsões emocionais, mas no meu caso, eu transponho isso para o desenho, quando eu digo que o que eu desenho é aquilo que não cabe dentro de mim” comenta a artista.
A exposição acontece no subsolo do CCBB-SP, ocupando inclusive o antigo cofre da agência, que hoje se tornou um dos espaços expositivos mais desafiadores da cidade. O subsolo tem área útil de 133 metros quadrados e o espaço interno do cofre possui 33 metros quadrados. Toda essa área do prédio construído em 1901 será ocupada pelas obras inéditas de Marcia, desenhos e colagens criados especialmente para a exposição.
“O cofre é um lugar que sempre me chamou muito a atenção, ele tem um formato quase octogonal que me interessa muito, ele permite que o público tenha uma proximidade muito intensa com o desenho, assim como eu tenho no ateliê. Isso acontece pela própria geografia do espaço.”
Desde 2010 Marcia direciona sua arte na pesquisa do desenho.” Já ouvi muito que o desenho não poderia ir além do que um determinado tamanho do papel, ou de uma determinada situação de esboço, de planejamento, e eu insisti de uma forma muito teimosa, e continuo insistindo até hoje, e essa exposição mostra o quanto isso é possível, acho que ela é o lugar mais longe que já cheguei no meu trabalho com o desenho.”, completa.
“A Terceira” fica em cartaz de 28 de agosto a 04 de outubro, todos os dias, das 9h às 18h, exceto às terças, e contará com um catálogo virtual completo.
Texto crítico da exposição “A Terceira” de Marcia de Moraes
28.8.21 a 04.10.21 CCBB São Paulo
A vertigem de escrever um corpo no abismo do mundo
Bianca Coutinho Dias – psicanalista e crítica de arte
“A Terceira”, exposição de Marcia de Moraes no Centro Cultural Banco do Brasil, conjuga questões da arte e da psicanálise trazendo para o centro de sua obra o corpo pulsional: dentes, seios, folhas, colunas vertebrais, troncos de árvores – vibrações e aspectos disruptivos saltam do seu lugar de origem e se deslocam para as obras expostas. Através do desenho, a artista encontra destino ao que transborda: para o vazio e para o excesso, para o que é radicalmente seu e para aquilo que é pura alteridade.
Na conferência que também recebeu o nome “A Terceira”, Jacques Lacan trata de um ponto central para a psicanálise: a maneira singular como cada sujeito escreve um corpo.
“Quem sabe o que se passa no seu corpo?”, interroga o psicanalista, que diz ainda: “A angústia é justamente alguma coisa que se situa alhures em nosso corpo, é o sentimento que surge dessa suspeita que nos vem de nos reduzirmos ao nosso corpo”. Com Lacan retomamos a novidade freudiana acerca da corporeidade. Na psicanálise, o corpo não se reduz ao campo da biologia, mas se faz a partir da linguagem.
Marcia de Moraes revela que há maneiras de se desdobrar o corpo, de ficcionalizar o que nele incide. Avançando pela produção da artista vemos que um léxico é inventado, e o desenho, que começa sem projeto prévio, encontra caminho na surpresa e no espanto. As perguntas que seus desenhos e colagens sustentam encontram-se nas entranhas e nas vísceras, no dentro e no fora, na superfície e na espessura das coisas. Até onde o corpo suporta? Como se escreve um corpo? De que matéria somos constituídos?
O gesto da artista se delineia na vitalidade explosiva do traço, que abriga também espaços vazios e o intervalo entre a nascente da imagem e sua inscrição. Diferentes pedaços do real vêm causar desejos e produzir efeitos, como uma condição que a leva a buscar um dispositivo topológico e discursivo que é uma espécie de profanação, como uma linguagem que se emancipa de seus fins figurativos e se prepara para um novo uso, para uma nova experiência do olhar.
No livro “O que vemos, o que nos olha”, Georges Didi-Huberman nos convida a inquietar a visão diante da obra de arte e experimentar o que não vemos. Na obra de arte pode haver algo que atinja nosso olhar, que chame à perda de nossas certezas sobre o objeto e nos lance ao espaço em que possa vicejar a invenção.
No traçado das primeiras formas, Marcia de Moraes abriga o espaço em branco. O intervalo revelado pelo traço do grafite e a cor como preenchimento desfiguram o figurativo, fazendo com que as coisas possam se imiscuir e perder seu contorno fixo. Dos desenhos às colagens há um movimento de sístole e diástole. Se nos desenhos seus acenos são de grande amplitude e expansão, nas colagens há outro tipo de gesto, um outro tempo.
Numa dimensão de hibridismo e de inclassificável, seu trabalho não se deixa capturar com facilidade. O modo de preencher os espaços com cores se aproxima do pictórico. Usando sua matéria pulsátil – o lápis de cor – a artista encontra, na mistura sensível, algo de uma estética e uma ética, como no desenho “O mormaço e o azul”: uma abertura em um espaço tramado entre a cor e o fenômeno da natureza que se experimentam dialeticamente. Ou ainda em “Onda solta”, que busca na canção de Chico Buarque a evocação de um movimento encontrado no sinuoso de uma aparição.
As referências partem de lugares diversos: o ambiente natural, uma música, um poema ou mesmo a obra de outra artista, como em “Altos e baixos after Louise”, uma homenagem à Louise Bourgeois. Seu trabalho cria dobras, desdobra-se, duplica e mistura discursos numa construção labiríntica que concede voz ao inanimado. Uma irradiação incessante acontece nas colagens feitas de recortes de desenhos, conjugando espanto a uma ironia fina, que comparece já nos títulos de obras como “Octopus”, “Tava cheio, vazou”, “Ups and downs”, “Argolas Tropicais”, “Sinuca”. Os próprios nomes dados sabem perverter a linguagem, jogam com as ambiguidades e as circularidades da vida: em alguns dos trabalhos, os “Anéis”, o “Carrossel” ou mesmo os “Filetes” que comparecem dos títulos à forma, injetam tremores na nomeação, sustentando algo de delirante que pode encontrar o indizível, o inominável, o real, o ponto em que toda significação escoa.
Em suas profanações, Marcia de Moraes ousa desinvestir as camadas de sentido até o osso, escrevendo uma geografia corporal própria que enoda natureza e cultura, botânica e poesia, onde ranhuras desenham horizontes improváveis.
Um furacão ou a chuva podem criar derivações convulsivas do afeto como em “Chuva choro”, obra em que forma, cor e conteúdo conversam e criam camadas de acontecimento e espelhamento entre a vertigem do sensível e a vibração líquida da natureza. Elementos se repetem criando uma cartografia própria: um conjunto aberto sem lugares definitivos, uma resposta ao real que abriga o estranhamento necessário para se produzir algo, onde o irrepresentável e o impensável podem aparecer.
“Êxtase” – trabalho em que o que conecta é também o que separa – traz imagens que dizem do nascimento das coisas, e reverberam uma experiência vertiginosa e a sensação de certo embaraço interpretativo. São formas com enorme carga de sentido mas sempre, em alguma medida, inacessíveis ou inassimiláveis. Trata-se do feminino em convulsão, como no “Êxtase de Santa Teresa”, escultura de Bernini que reverbera um corpo pulsional marcado pela linguagem. E como em Loie Fuller – atriz e dançarina que desenha movimentos envolvida em gestos e tecidos – algo de dança serpenteia a agudeza do trabalho de Marcia de Moraes, feito de dobras e curvas decompostas, a partir de uma compreensão que articula o invisível ao visível.
Em suas obras, que agora se apresentam de maneira intimista – expostas, mas guardadas em cofre-forte, – podemos entrever a relação viva da cadência própria do feminino, como num poema de Hilda Hilst:
Por que não posso pontilhar de inocência e poesia
ossos, sangue, carne, o agora
e tudo isso em nós que se fará disforme?
E, daí, tocar um corpo em sua arquitetura, em sua paisagem: trechos de vida escritos no abismo do mundo.
Sobre Marcia de Moraes
Marcia de Moraes
São Carlos, Brasil, 1981.
Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.
Marcia de Moraes busca na abstração do traço e no preenchimento com lápis de cor o endereço poético para suas criações. Sua obra tem a coesão dos procedimentos que emprega; primeiro se dedica ao esboço dos traços feitos com grafite, fluidos e ágeis, para depois preencher com cores intensas as possibilidades delineadas — sem repetir formas ou combinações cromáticas. Seu trabalho é um turbilhão visual em constante transformação, com matizes únicas e traços expressivos. Suas obras articulam-se em dípticos e polípticos nos quais os traços e cores atravessam os limites do papel, por vezes encontrando continuações óbvias e por ora encontrando elementos díspares. Nas ocasiões em que a artista não se satisfaz apenas com o plano bidimensional ela o corta, fragmenta e o remonta criando uma nova dinâmica entre as partes. Nessas colagens, os pequenos desenhos redimensionados pela cisão, quando remontados num jogo de encontros improváveis em diferentes planos, ganham uma tridimensionalidade inesperada. Tal exploração tridimensional culminou em sua recente pesquisa em esculturas feitas em cerâmica esmaltada, nas quais está presente o vocabulário imagético que vem desenvolvendo há dez anos em seus desenhos e colagens: línguas, dentes, ovos, cordões umbilicais, estruturas cilíndricas e circulares, ossos, caules, caudas, entre outros.
Marcia de Moraes é Bacharel e Mestre em Artes pela Unicamp. Dentre suas exposições individuais destacam-se: História do Olho, Galeria Leme, São Paulo (2018), O Sopro, Centro de Arte Contemporânea W, Ribeirão Preto, Brasil (2018); Os fósseis ou as laranjas, Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo (2016); Elaine Arruda e Marcia de Moraes: Cheio de Vazio, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2014); À Deriva no Azul, Carpe Diem Arte e Pesquisa, Lisboa, (2011); Saint Clair Cemin / Marcia de Moraes: Correspondance Bresiliènne, VL Contemporary, Paris, França (2011); Marcia de Moraes, Centro Universitário Maria Antonia, USP, São Paulo (2009-2010) . Dentre as coletivas, destacam-se: O Pequeno Colecionador,Carbono Galeria, São Paulo (2020); Studiolo XXI – desenho e afinidades, Fundação Eugénio de Almeida, Évora, Portugal (2019), Intercâmbios / Tempos Cruzados, SESC Quitandinha, Petrópolis, Brasil (2018) Acervo MARP- Aquisições Recentes, Museu de Arte de Ribeirão Preto, (2018); Library of Love, Contemporary Arts Center, Cincinnati, EUA (2017). A artista já fez três residências artísticas: em 2010 foi residente em La Cour Dieu em La-Roche-en-Brenil, França; em 2011 esteve no Carpe Diem Arte e Pesquisa em Lisboa e em 2013 recebeu uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil para fazer uma residência na Fundación Ace em Buenos Aires, Argentina. Em 2011 ganhou o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea, São Paulo. Em 2016 foi contemplada com o Pollock-Krasner Foundation Grant, Nova York, EUA. Teve um livro sobre sua obra publicado pela editora Cobogó, Rio de Janeiro, em 2017. Atualmente prepara sua próxima exposição individual A terceira, que acontecerá no Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, entre agosto e outubro de 2021. www.marciademoraes.com.
Legendas das imagens em alta:
Marcia de Moraes
Chifre de Veado, 2021
Colagem de papéis desenhados com grafite e lápis de cor
80 x 88 cm
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Marcia de Moraes
Sinuca, 2018
Colagem de papéis desenhados com grafite e lápis de cor
86 x 74 cm
Coleção Particular, São Paulo
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Marcia de Moraes
Ups and downs, 2019
Colagem de papéis desenhados com grafite e lápis de cor
77 x 70 cm
Coleção Particular, São Paulo
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Marcia de Moraes
Onda Solta, 2021
Grafite e lápis de cor sobre papel
150 x 185 cm
Coleção Particular, São Paulo
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Marcia de Moraes
O êxtase, 2021
Grafite e lápis de cor sobre papel 153 x 180 cm (díptico)
Coleção Particular, São Paulo
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Marcia de Moraes
Chuva Choro, 2021
Grafite e lápis de cor sobre papel 140 x 430 cm (tríptico)
Foto: Filipe Berndt
Cortesia Galeria Leme, São Paulo
Serviço:
A Exposição
A Terceira, de Marcia de Moraes
De 28 de agosto de 2021 a 04 de outubro de 2021.
Todos os dias, das 9h às 18h, exceto às terças.
Apoio Institucional: Galeria Leme
Texto crítico: Bianca Coutinho Dias
Projeto de Iluminação: Carlos Fortes
Programação visual: Thalita Munekata
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Video: Laerte Késsimos
Classificação indicativa: livre.
Entrada gratuita.
Visitação com hora agendada pelo site / app Eventim, mediante disponibilidade.
Todas as obras são inéditas. São 26 trabalhos entre desenhos e colagens.
Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo –
Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico, Triângulo SP, São Paulo–SP
Aberto todos os dias, das 9h às 18h, exceto às terças.
Acesso ao calçadão pela estação São Bento do Metrô
Informações: (11) 4297-0600
Estacionamento Conveniado e Translado: O CCBB possui estacionamento conveniado na Rua da Consolação, 228 (R$ 14 pelo período de 6 horas – necessário validar o ticket na bilheteria do CCBB). No trajeto de volta, tem parada na estação República do Metrô
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024