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Patrícia Alvarenga: 'Questão de lealdade: um conto policial'

Patrícia Alvarenga

Questão de lealdade: um conto policial

Antônio Jorge era Policial Civil, daqueles de fim de carreira; já contava o tempo para a aposentadoria. Até por isso, na delegacia onde estava lotado, entregaram-lhe uma pilha de inquéritos antigos, não solucionados, para ele revisar e separar os casos em que os crimes já haviam prescritos, daqueles em que se poderia, ainda, apurar a autoria. Tarefa bastante enfadonha. Sabia que era considerado “inapto” para operações de rua, fato atribuído nem tanto à sua idade, mas ao sobrepeso que adquirira com o passar dos anos e, ainda, por mancar de uma perna. Estava, como diziam, “encostado” naquela unidade calorenta da Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, local onde iria terminar sua vida no serviço público.

As semanas se passavam sem muitas novidades, até que um dia se deparou com um inquérito que tratava de uma ocorrência envolvendo policiais civis como suspeitos. Para este, teve sua atenção voltada e passou a lê-lo com bastante cuidado. Percebeu tratar-se de algo familiar. Lembrava daqueles fatos. A autoria ainda não havia sido apurada. Não havia qualificação de suspeitos: tanto por falta de testemunhas presenciais, como por falta de provas técnicas e, sobretudo, de vontade política. Sim, o corporativismo sempre está a ecoar em qualquer profissão.

Acontece que, talvez por não ter a própria Polícia Civil interesse em desvendar o caso, ou não ter havido, na época, muita cobrança por parte do Ministério Público, ele não fora chamado como testemunha. Estava em outro grupo naquele dia, mas na mesma comunidade onde se deram os fatos: o suposto homicídio de um homem desarmado e já rendido.

Circularam muitos boatos naquele tempo, mas ninguém apontou quem poderia ter sido o agente responsável pelo disparo. Leu os nomes dos policiais que estavam na guarnição envolvida no caso. Lembrou-se de boa parte deles. Como estava com tempo e interesse de sobra, resolveu entrar em contato com esses agentes. Um já havia falecido. Um aposentara-se e fora morar no Uruguai: ia ser difícil descobrir o paradeiro desse. Todavia, dois ainda estavam na ativa.

Conseguiu as lotações atuais desses policiais e decidiu ligar para aquele com quem trabalhou por menos tempo. Ele não quis falar sobre o caso, disse que muitos anos haviam se passado e já nem lembrava direito… Então, entrou em contato com o policial Oliveira. Há muito tempo não falava com ele. Trabalharam juntos oito anos na mesma unidade policial que, na época, fazia muitas operações contra o tráfico de drogas, após investigações do setor de inteligência.

Oliveira não havia mudado muito o jeito de falar. Gostou tanto do contato de Antônio Jorge que marcou de tomar um chopp com ele no dia seguinte, em um famoso bar no centro da cidade do Rio. Foi um bate-papo sobre os “velhos tempos”, quando, segundo Oliveira, tinham mais autonomia para trabalhar e eram mais respeitados. Saudosista. A conversa fluindo e os chopps descendo, naquele fim de tarde de verão carioca. Até que Antônio Jorge decidiu abordar o delicado tema. Oliveira quis desconversar. Mas, como já estava um pouco alterado pelo álcool e depositava confiança em Antônio Jorge, acabou por confessar a autoria do disparo que vitimou o homem rendido. Justificou sua ação ao declinar que o “elemento” era um traficante conhecido e que toda vez que o conseguiam prender, a Justiça o soltava. Cansado desse “enxugar gelo”, decidiu resolver o caso ali, local sem testemunhas, além de seus parceiros, que jamais o delataram, porque também não tinham um histórico “muito limpo”.

Após esse encontro, despediram-se e cada um seguiu sua vida. Oliveira não sabia que Antônio Jorge estava com o antigo inquérito em mãos.  O crime estava prestes a prescrever. Tinha que tomar uma decisão: levaria aquela investigação adiante?

Não bastasse o fato de Oliveira ter sido seu companheiro de delegacia por oito anos. Era muito mais que isso: ele salvara sua vida em uma operação. Mancava da perna direita devido a um tiro de pistola 9mm que o atingira. Estava encurralado numa comunidade violenta, ferido, sem poder fugir e pedia socorro, desesperadamente, a seus colegas da Civil. O reforço não chegava e ele só contava com uma meia dúzia de policiais espalhados no local. Todos sendo atacados por traficantes. Apenas Oliveira – destemido como sempre fora – decidiu arriscar-se e conseguiu (sabe-se lá Deus como) chegar até o ponto onde estava. Com muita obstinação e disparando para todo lado, foi carregando Antônio Jorge pelos ombros, que na época era atlético e bem mais leve. Assim, conseguiu colocá-lo junto a outros dois policiais, numa área mais baixa e protegida do morro, até a chegada de homens da CORE- Coordenadoria de Recursos Especiais – da Polícia Civil, que resgataram o grupo disperso de agentes.

É… não havia muito o que pensar. Para Antônio Jorge, se tratava de uma questão de lealdade. Pegou o inquérito, fechou-o e colocou-o embaixo da pilha empoeirada que haviam lhe dado.  Mais uma vez, a justiça não seria feita… E, de toda sorte, o crime estava mesmo prestes a prescrever.

 

Patrícia Alvarenga

patydany@hotmail.com

Patricia Danielle de Ataíde Alvarenga
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