Celso Lungaretti: ‘QUEM TEM MEDO DE ELEIÇÕES?’
Por Randolfe Rodrigues |
Além das superficialidades e dos escândalos que apontam soluções simples para problemas complexos, a verdadeira crise que o Brasil experimenta é a de representação. O governo não governa, o Parlamento não legisla nem fiscaliza e o povo não é chamado a decidir.
Do ponto de vista econômico, os anos de bonança, animados pela alta das commodities, deram lugar à carestia desenfreada, com profunda recessão e quebradeira de empresas – só no varejo, em 2015, quase 100 mil empreendimentos fecharam-, acarretando o desemprego em massa.
A opção neoliberal do segundo governo Dilma a afastou de sua plataforma eleitoral, agravou os gargalos na infraestrutura do país, enfraqueceu a competitividade e acentuou o atraso tecnológico, com graves reflexos na produtividade. A economia parou.
No plano institucional, o eclipse total do diálogo levou a presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a atuarem não como chefes de poderes independentes, mas como comandantes de tropas inimigas.
Enquanto Dilma se mostrava incapaz de reagrupar a base e dialogar com o Congresso, Cunha passava a trabalhar para restringir a mobilidade do governo, usando para isso manobras regimentais sucessivas. Asfixiado, o Palácio do Planalto capitulou, demonstrando que aquilo que parecia o ocaso de um governo era, de fato, o réquiem do presidencialismo de coalizão.
No plano político, os escândalos de corrupção envolvendo a maioria dos partidos e líderes da situação e oposição descredenciaram o maniqueísmo e, com ele, uma saída a frio para a crise. O impasse não será resolvido se ignorarmos o desejo de participação da ampla maioria da população. O dique está prestes a ser rompido.
O que vem das ruas é a rejeição de um modelo. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 9 mostrou que 61% da população quer afastar Dilma da Presidência. A destituição de Michel Temer é desejada por 58%. A rejeição ao vice-presidente consegue a proeza de unir os movimentos favoráveis e contrários ao impeachment.
A revista The Economist de 21 de abril, dia de Tiradentes, diz que o Brasil sofreu “grande traição”, tanto pela presidente Dilma quanto pela classe política. A reportagem fez lembrar a célebre frase de Leonel Brizola: “A política ama a traição e abomina o traidor”.
Reconhecendo a fragilidade do governo e a iminência do impeachment, a revista britânica afiança que Temer “dificilmente será percebido como alguém com legitimidade para governar o país”.
O eco das ruas que atravessou o Atlântico anima juristas e políticos de diferentes vertentes. Durante palestra, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa defendeu a consulta popular. “Organizem eleições, deixem que o povo resolva”, conclamou.
Com Dilma e Temer sem o apoio das ruas e Cunha, o terceiro na ordem de sucessão, prestes a experimentar o frio do cárcere, fica claro que um problema excepcional exige uma solução excepcional, proporcional à gravidade do momento: novas eleições.
Em resposta ao impasse político, um grupo de senadores apontou para o futuro e assinou a Proposta de Emenda à Constituição 20/16, que prevê excepcionalmente uma eleição presidencial simultânea às eleições municipais de outubro.
O voto direto como forma de superar a crise já ganhou as manchetes internacionais, o parecer de juristas renomados e a opinião majoritária das ruas. O que falta, então, para o eleitor ser chamado a decidir quem deve governar a nação?
As eleições diretas estão para a democracia como a água benta está para o rito católico: purifica a matéria, espanta o mal e potencializa os efeitos positivos da oração.
Só os agentes das sombras podem temer a luz das urnas.
MEU COMENTÁRIO – O senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, faz uma defesa convincente da realização de uma nova eleição presidencial para conferir credibilidade àquele(a) que substituirá a agônica Dilma Rousseff.
Mas, não bastam os pequenos partidos para viabilizarem a aprovação de tal PEC. Sem o poder de fogo do PT, não conquistarão as ruas nem votos suficientes dos congressistas (três quintos do Senado e da Câmara Federal).
Há uma corrente no PT propondo que, antes da data fatídica de 11 de maio, quando ela será afastada, Dilma também envie ao Congresso sua PEC.
Mas, existe um problema de timing; isto está sendo cogitado com um atraso terrível. Na 6ª feira, 15, dois dias antes da votação do impeachment na Câmara Federal, eu já dava como favas contadas que ele seria aprovado e propunha (neste artigo) o seguinte roteiro:
- renúncia de Dilma tão logo o impeachment seja aprovado na Câmara;
- na mensagem derradeira, exortação de Dilma a Temer, no sentido de que renuncie também e dê ao povo brasileiro a possibilidade de escolher alguém em quem realmente confie para conduzi-lo neste momento dramático da vida nacional, pois até as pedras sabem que os eleitores votam em presidentes e não dão a mínima para quem seja o vice;
- imediata adesão do PT e outras forças de esquerda à campanha por uma nova eleição presidencial, revivendo o espírito das diretas já.
Outro complicador é o de que, se ela não renunciar, não se estará oferecendo uma opção nítida aos brasileiros. Haveria, paralelamente:
- uma presidente afastada, à espera do veredicto definitivo do Senado; e
- uma mobilização no sentido de que se antecipasse a eleição presidencial para outubro.
Pareceria ao cidadão comum uma tacada do PT para ter uma chance de recuperar o poder pela via eleitoral, sem abrir mão da tentativa de convencer um terço dos senadores a devolverem a presidência da República a Dilma. Afora a incongruência de, após tanto haver martelado a fábula do golpe, estar admitindo o encurtamento do mandato da dita cuja (o que, para quem engoliu sua propaganda enganosa, equivaleria a uma contribuição do PT para o sucesso do golpe…).
Ou seja, havendo suspeita de tratar-se de um pulo do gato, a chance de a nova diretas já vingar seria praticamente nenhuma.
Finalmente, devemos considerar os fatores Dilma e Lula.
Ela já se resignou a desocupar o Palácio, mas faz planos e mais planos (périplos gato-por-lebre inclusos) para chegar à votação decisiva, provavelmente no 4º trimestre, com o apoio de 28 dos 81 senadores, o suficiente para ser reempossada.
Então, por mais que isto implique o alongamento da agonia a que estão submetidos os brasileiros, com a recessão atingindo os píncaros e o desemprego tangendo cada vez mais trabalhadores para o desespero e a penúria, temo que Dilma vá acalentar tal ilusão até o mais amargo fim, não se dispondo de maneira nenhuma a renunciar.
Eu diria que a aposta de Lula seja a seguinte:
- deixar que Dilma despenque de uma vez por todas, para que a impopularidade dela não continue contaminando a popularidade dele (ainda alta), com enorme risco de atrapalhar seus planos para 2018;
- deixar que Temer assuma, para fazer do governo dele o espantalho contra o qual o PT, encabeçando a oposição, poderá unir a esquerda.
Enfim, a falta de grandeza de uma e o excesso de esperteza do outro tendem a fulminar aquela que seria a melhor opção para o povo e a democracia brasileira. Melancolicamente. (por Celso Lungaretti)
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.