Despedida de uma dama
De talento inquestionável, partiu no dia 03 de abril de 2022, uma das maiores contistas e romancistas brasileiras: a paulista Lygia Fagundes Telles. Precoce no seu despertar para a literatura, mas longeva em sua vida intelectual e biológica, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985, tendo sido apenas a terceira mulher a ocupar uma cadeira nessa tradicionalíssima arcádia. Ganhou os principais prêmios literários do país e até o ´Camões` – láurea maior concedida a escritores de países lusófonos – pelo conjunto de sua obra, tendo sido indicada, em 2016, aos 92 anos, ao Prêmio Nobel de Literatura.
Sempre cercada por notáveis da literatura, como Mário e Oswald de Andrade, Érico Veríssimo, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos, Edgard Cavalheiro, Carlos Drummond de Andrade e Hilda Hilst – que se tornou sua melhor amiga – desafiou preconceitos para seguir as carreiras de advogada e de escritora, numa época em que essas profissões eram consideradas masculinas.
Fez parte da chamada geração ´pós-modernista` e sua obra foi marcada, especialmente, por abordar o universo feminino de forma avançada, quebrando tabus e preconceitos; por essa razão, é um ícone de feministas, artistas e ativistas ´LGBT’s`. Com foco em temas clássicos e universais como amor, traição, medo, fantasia, loucura e morte, sua literatura destaca-se, também, por retratar o cotidiano dos grandes centros urbanos, em obras contextualizadas social e politicamente. Sua prosa intimista, conduzida por personagens complexos, imersos em conflitos existenciais e incertezas, perturbados por um passado que insiste em não se despedir, é caracterizada pelo uso do fluxo da consciência, pela narrativa fragmentada e pelo diálogo entre o real e o fantástico.
Uma mulher prodigiosa, forte, corajosa, moderna, feminista e libertária, que rompeu crenças e tradições, abrindo caminhos para novas gerações de escritoras. Conseguiu conciliar vida familiar e vida profissional, encontrando, na literatura, sua redenção, chegando a declarar, em uma entrevista que: “A literatura já me ajudou a não enlouquecer”. Lygia Fagundes Telles partiu, mas, para nossa sorte, deixou um legado memorável, distribuído em dezenas de contos e romances.
Finalizo este singelo artigo com um trecho do romance ‘As Meninas`, escrito em 1973 e laureado com o ´Prêmio Jabuti`, em 1974: “Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões”.
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com
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Natural do Rio de Janeiro/RJ, é escritora e poeta. Trabalha como Analista (área processual) do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. É Bacharel em Letras (UFRJ) e Direito (Uerj), pós-graduada em Educação (UFRJ). Dra.h.c. e Pesquisadora em Literatura. É autora do livro de poemas ‘Tatuagens da Alma – Entre Versos e Reflexões’, editora AIL, publicado neste ano, que foi escolhido como semifinalista do concurso ‘Livro do Ano 2021’, pela Literarte (o resultado do certame ainda não foi divulgado até a presente data). Participou do projeto ‘Parede dos Imortais’, na Casa dos Poetas, em Petrópolis-RJ, através da Associação Internacional de Escritores e Artistas. É coautora de, aproximadamente, 25 coletâneas. Detentora de prêmios literários, títulos e comendas, é também Embaixadora da Paz da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH.
Membra vitalícia de seis academias literárias: ACILBRAS, FEBACLA, AIML, AIL, ALSPA (fundadora) e AILAP (fundadora). É ativista cultural nas redes sociais e participa de inúmeros saraus literários. Redes sociais:
Instagram: @patriciapoeticamente. Facebook: Patrícia Alvarenga