Resumão de Guararema: entre panquecas e urutal
Gente, resolvi fazer um balanço do que passei nesses últimos dois anos precisamente.
Não quis esperar chegar ao final do ano e depois ficar embebida naquelas reflexões, toda chorosa, enquanto comia uva passa, romã, panetone… Aliás panetone existe em qualquer época do ano. Então para que cerimônia, não é mesmo? Melhor começar agora a fazer um balanço e assim continuo caminhando sabendo exatamente o que vou fazer daqui por diante.
Bom, aprendi que a vida passa muito rápido pois, realmente, nada dura para sempre e quando somos jovens não nos damos conta disso. Apenas queremos viver como se fôssemos eternos aqui nessa Terra. Mas, quando eu olho pra trás, vejo quanta coisa mudou, principalmente dentro de mim.
Foi uma mistura de alegrias, tristezas, tédio, entusiasmo, desespero, mas, no final, muita esperança.
Já se passaram seis meses que meu pai faleceu e a vida continua. Estou sobrevivendo às cicatrizes e tristezas. Por mais que a gente tente, agora entendo que ninguém jamais estará preparado para perder alguém que ama…
Por isso, 2021 não fora um ano feliz na minha vida, e 2022 está sendo regado de saudades.
Mas, apesar disso, sinto que consigo manter a quietude no meu coração e na minha mente, que insiste em emaranhar as coisas, me deixando tensa muitas vezes.
Hoje, aprendi a respirar fundo e compreender que aquilo que não está ao meu alcance e não posso mudar, preciso usar a meu favor de alguma forma.
Aonde eu aprendi isso? Talvez quando precisei me ausentar da cidade e ir para Guararema com meu marido. Acho que minha fé acabou se fortalecendo ali.
A nossa TV quebrou na hora certa, quando todos estavam vidrados no Jornal Nacional e para o rosto fúnebre do apresentador. Decidimos não comprar outra e saímos da cidade.
Aprendi muito com a natureza linda que havia naquele lugar, especialmente com os animais. Eu nunca havia visto uma siriema atravessando a rua, por exemplo, enquanto os carros pacientemente davam passagem, respeitando-as. Elas, tão familiarizadas e organizadas, formaram uma fila para chegar ao outro lado da avenida.
Os gambás que sempre visitavam nosso lixo quando chegava a tardezinha, as diversas espécies de tucanos que faziam uma festa no céu azulado, os lagartos, cada um maior que o outro, à procura de restos de cascas e que amavam se bronzear no sol quente do meio-dia.
Cada vida, cada espécie, foi me ensinando a ter paciência e a viver um dia de cada vez, ainda que na incerteza do que poderia acontecer.
Houve então um pássaro qual passei a gostar bastante: o urutal, que em tupi significa: ‘ave-fantasma’.
Não vou negar que o bichinho é meio sinistro, com um canto aterrorizador, mas, não deixa de ser fantástico ver sua capacidade de camuflagem. Ele se camufla imitando um tronco de árvore! É muita sabedoria numa criatura tão pequena. Cheio das habilidades, o urutal ainda carrega em si superstições de pessoas ignorantes, que o colocam como protagonista de uma série de contos e crendices absurdas!
A primeira noite que ouvi o urutal cantar bem alto na porta de casa, escondi a cabeça amedrontada pois eu não sabia o que era aquilo. Depois, pesquisando e perguntando, descobri o responsável pela minha insônia: era o sujeitinho camuflado com cara de coruja e gavião misturados.
Fui acostumando com seu canto, e muitas vezes me dava uma vontade de sair atrás daquele som, chegar perto de onde o urutal estava, mesmo sabendo que jamais o encontraria, pois era um verdadeiro soldado nessa arte da camuflagem.
Senti a natureza me chamando, me convidando a descansar daquele barulho da cidade grande, daquela euforia e medo da doença que estampava os olhos das pessoas.
Eu tinha diante de mim uma nova vida, na qual fortaleceu a minha resiliência e fé.
Assim como muitas pessoas, eu também aprendi muitas coisas. Nunca fiz tantas panquecas doces como fiz em Guararema. Eu as recheava com geleia de morango. Uma tarde sem panquecas não era tarde! Ao menos uns bolinhos de chuva tinham que ter para os amigos.
Caminhei bastante naquela natureza rica e exuberante. Só não consegui emagrecer pois descontava nas ditas panquecas.
Conheci pessoas maravilhosas, outras destrambelhadas, mas ninguém é perfeito.
O fato é que sinto saudades daquele lugar e carregarei para sempre as coisas, pessoas, cheiros, sabores de um lugar que me ensinou a ser forte e a viver um dia de cada vez.
Andreia Caires
andreiacairesrodrigues@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024