Tomé Ângelo traz para o ROL as cores e o calor literário da África!
Tomé Francisco Ângelo, é natural de Luanda, Angola. Cursou o Ensino Médio no Colégio Kaweye, em preparação universitária, PUNIV, em Cacuaco, Luanda; no Ensino Superior, é Formado em Ensino da Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Modernas, pela Escola Superior do Bengo e professor de Língua Portuguesa.
É membro do projecto de investigação científica Variedade do Português em Angola (VAPA) e membro do Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA).
Como primeira contribuição literária, Tomé apresenta a ‘Crônica do Arroz’, revelando um aspecto social de sua terra natal, finalizando-a com um glossário cultural enriquecedor aos leitores do ROL.
A CRÓNICA DO ARROZ
Arroz aqui, arroz alí, arroz acolá! No país cuja unidade lexical que o designa começa com “A” e termina em “a” ( ‘a’ de arroz, talvez), dá-se muita importância a esta substância alimentar ou comidícia. O bombô, a couve, a jimboa, a fumbwa, pouco se ouvem falar. Mas como se falaria, se a maioria deixou asfixiar seus pensamentos pelo arroz?
Não é sobre as suas propriedades nutritivas, mas é sobre o peso que exerce na barriga dos populares. O importante é a barriga cheia.
O arroz, nestas bandas, é amigo de todos, mas principalmente das crianças, adolescentes e jovens que não conseguem transitar de um dia para o outro sem o citar e saborear. Quer dizer, a sociedade em si começa a ser a sociedade do arroz, sociedade pensamento de arroz.
O arroz, por via do kuduro, sensibilizou alguns “kus duros” a cantarem e a dançarem arroz: «Só mexeram / Só mexeram/ Só mexeram no meu prato/ arroz feijão/ Só mexeram no meu prato/ arroz feijão (…)[1]».
E no parlamento, lugar para lamentar, um parlamentar lamentou que até o saco de arroz é mais afamado que o vice-presidente da República.
Nas Terras das Acácias, quando um trailer que levava uma tonelada de arroz capotou na via pública, um jovem, que andava na sua viatura, que tem uma formação superior, trabalha na função pública, pertence à estrutura do partido que governa, apropriou-se vorazmente de dois sacos de arroz, caídos do trailer. Cinco segundos eram suficientes para o jovem posar na internet, Facebook, cunhado como “Arroz Man”, em português, Homem Arroz.
O povo só revolta-se quando o preço do arroz sobe e acalma-se quando baixa. O governo sabe disso e faz disso a sua carta na manga, principalmente na véspera do pleito eleitoral.
Por isso, meus irmãos, não duvidem. Aqui, o povo é arroz e arroz é o povo!
É o arroz que acode a maior parte da população da fome, com isenção aos enfatados e engravatados, os da cidade alta, os lexuados.
O arroz, aqui, não precisa de companhia, pois que ele sozinho consegue dar conta do embelezamento da mesa das famílias e tapa os buracos das barrigas de milhares e milhares de populares.
O arroz só não expulsou o colono, na Luta de Libertação Nacional, mas, hodiernamente, luta para a libertação popular da fome; portanto, o arroz, hoje, é um herói nacional!
E como queres que a sociedade não pense no arroz, ou seja, não pense arroz?
O governo não dá livros e a leitura só tem pernas para andar na boca de poucos, pois a maioria, legada a uma educação barriguenha, não tem a capacidade de interpretar as entrelinhas de García Lorca: “O homem não vive só do pão. Eu se tivesse na rua à míngua não pediria um pão, pediria meio pão e um livro”.
Aqui, nestas terras, onde não se produz arroz, embora o solo seja tão fértil, mas que o arroz é o cartão postal da gastronomia popular, não são contados aqui os enfatados e engravatados, lutam ferrenhamente para não alimentar, mas “comidar” o corpo e esquecem-se ou, talvez, nunca souberam que “alimentar a alma é tão importante como alimentar o corpo”. Mas o povo pode ser culpado-não-culpado, pois está dentro de um barco que os tripulantes o conduzem aonde quiserem.
Desta forma, surge-me uma interrogação: entre aquele que só pensa em distribuir arroz ao povo e o que consome tal arroz quem é que pensa arroz?
O primeiro, propositadamente, e por uma questão de estratégia de manutenção de poder, pensa arroz; aliás, um dos pontos fortes da sua governação é a importação do arroz, pois acha que o povo que (mal) dirige não tem alma que precisa de ser alimentada. O segundo, não por opção, mas por manipulação do primeiro, vive pelo arroz e clama por ele, logo, também pensa arroz.
Portanto, governo de arroz, sociedade pensamento de arroz; República do Arroz. Arroz é o povo e o povo é arroz. Viva o arroz!
Glossário
Bombô – mandioca colocada na água, durante certo tempo, que depois é estendido e seco para a feitura de farinha (fuba) de mandioca, com o qual se confeciona o funje (comida típica angolana feita com água quente misturado com fuba).
Fumbwa – erva alimentar meio dura, cortadas em fios, que, depois de cuzida, serve de acompanhante ou conduto do funje.
Jimboa – erva alimentar que geralmente serve de acompanhante ou conduto do funje.
Kuduro – estilo musical popular, feito por jovens, maioritariamente, caracterizado por batucadas e ritmos acelerados, acompanhado de danças extravagantes.
Kus duros – para este texto, esta unidade vocabular significa jovens e mais velhos apreciadores de kuduro.
Lexuados – pessoas que se fazem transportar no lexus (carro luxuoso, atribuídos aos deputados ou aos elementos ligados à estrutura gove
[1] Música de estilo Kuduro do grupo Elenco da Paz, intitulada «Arroz com feijão».
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024