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Artigo de Hamilton Octávio de Souza: 'Luta contra a direita exige clareza da situação e do projeto'

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Foto Hamilton (2) (1) (Copy)Hamilton Octavio de Souza – ‘Luta contra a direita exige clareza da situação e do projeto’

A mobilização das ruas precisa se comprometer com objetivo além do “Fora Temer” e visar a organização dos trabalhadores para mudança radical do modelo político-econômico dominante.

 

Hamilton Octavio de Souza

 

Ninguém mais duvida de que a crise brasileira envolve aspectos políticos, econômicos, éticos e sociais de enorme complexidade, os quais atrapalham a real identificação de boa parte de suas origens, consequências e possíveis desdobramentos e superações. Vivemos uma conjuntura embaralhada de tal maneira que no corre-corre dos acontecimentos muitas vezes tomamos decisões e miramos alvos de menor relevância para o enfrentamento da crise. Somos tragados por fatos e factoides produzidos no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal, na Operação Lava Jato e na mídia e redes sociais. Temos gasto energia supérflua e corremos o risco de chegar a lugar nenhum, reproduzir o que está aí e não mudar a situação atual.

As manifestações contra o governo (interino, provisório, transitório) de Michel Temer, que ocorrem desde o início de maio em várias partes do país, expressam motivações e objetivos diferentes. Os setores influenciados pelo PT e PCdoB, derrotados no Congresso Nacional e afastados temporariamente do governo devido ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, estão nas ruas para denunciar o “golpe” e tentar reverter o julgamento da presidente no Senado. No caso de nova derrota institucional, devem assumir de forma rotineira o papel de oposição ao governo federal e se preparar para as eleições municipais deste ano e, principalmente, para as eleições gerais de 2018. Estão nesse bloco as organizações identificadas com o lulismo, como PT, PCdoB, Frente Brasil Popular, CUT, CMP, MST e UNE.

Boa parte da cúpula desses partidos e movimentos considera difícil a retorno da presidente Dilma Rousseff ao governo, já que depende de forte guinada de posição no Senado e, mais do que isso, a construção de novo bloco de apoio parlamentar e a reconquista da confiança junto ao empresariado e demais atores políticos e econômicos nas instituições do Estado e na sociedade civil. Mesmo que o desempenho do governo Temer seja muito ruim, as forças que atuaram no afastamento de Dilma, inclusive a grande imprensa empresarial-burguesa, tendem a defender o governo Temer e confirmar a queda definitiva de Dilma.

Engrossam as manifestações contra o governo Temer amplos setores da sociedade críticos ao governo Dilma e ao PT, especialmente a juventude, estudantes, intelectuais e funcionários públicos, mas que no processo do impeachment foram sensibilizados pela denúncia do “golpe” e pela defesa genérica da democracia – do chamado Estado Democrático de Direito, que nada mais é do que a base jurídica do sistema fundamentado no liberalismo político e na economia capitalista. Estão nas ruas porque não querem retrocessos nos direitos e conquistas sociais e nas liberdades democráticas. Não querem Temer, mas também não se identificam plenamente com o governo da presidente afastada, com o PT e com o lulismo. Apenas não querem o conservadorismo e a direita no governo federal.

 

Luta de massas

Embarcaram também nessa jornada do “Fora Temer” as forças de esquerda que não estão empenhadas no “Fica Dilma” ou “Volta Dilma” em julgamento pelo Senado, como saída para o “Fora Temer”, mas reforçam essa luta pela democracia na expectativa de que o movimento de massas possa crescer contra a direita, inclusive após a eventual cassação ou renúncia de Dilma Rousseff, de maneira a fortalecer a luta geral da classe trabalhadora. Estão nesse grupo principalmente os integrantes e correntes mais combativas do PSOL, PCB, outras organizações socialistas, movimentos populares distanciados do lulismo e militantes independentes de esquerda. O PSTU e seus aliados têm posição própria contra todas as lideranças dos partidos da ordem dominante, inclusive contra o governo Temer.

Parte dessas forças defende a realização de eleições gerais ainda em 2016, na tentativa de mudar a composição do Congresso Nacional e de ter alguma liderança nova e promissora na Presidência da República. Outra parte aposta no avanço da luta de massas até a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, que possa mudar as leis, o sistema político-partidário e promover uma renovação das lideranças políticas.

Todas essas forças têm noção clara de que estão na luta contra a direita, sabem que o governo Temer representa os setores conservadores e a reaglutinação do bloco afinado com o neoliberalismo, com as elites e com as oligarquias do capital nacional e estrangeiro. Por isso mesmo precisam ter muita clareza sobre o que fazer além do “Fora Temer”, qual o projeto a ser defendido pelas oposições de esquerda agora e no futuro.

 

Eleições de 2018

O PT não esconde que por trás da denúncia do golpe e da campanha do “Fora Temer” tem uma preocupação estratégica relativa ao futuro do partido nas eleições gerais de 2018. Embalado no marketing da luta por “democracia” e “resgate da legitimidade do governo”, a campanha eleitoral de 2018 pode significar, para os petistas, a recuperação do espaço político perdido no fracasso do governo Dilma, nos processos de corrupção da Operação Lava Jato e nos casos de envolvimento espúrio da maior liderança do partido com as empreiteiras OAS, Odebrecht e Camargo Corrêa.

A denúncia do “golpe” cumpre várias funções. A primeira delas procura atribuir ao processo de impeachment uma conotação de ação ilegítima e antidemocrática da oposição de direita, de tal maneira que o foco seja colocado nos adversários e não no próprio governo Dilma Rousseff. A segunda tenta tirar do governo Dilma e do PT a necessidade de autocrítica sobre os erros da gestão e sobre os equívocos políticos e éticos praticados nos 13 anos de lulismo. A denúncia de “golpe” serve para jogar uma cortina de fumaça no fracasso do PT no governo e desconversar sobre a autocrítica que o partido deve aos trabalhadores e ao povo brasileiro.

Uma questão que precisa ser colocada agora é a seguinte: O povo brasileiro acreditou no projeto do PT nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014, mas por que esse projeto naufragou e deixou o país no caos econômico, com milhões de desempregados, com educação e saúde em frangalhos, com programas sociais estagnados e toda a máquina pública arrebentada? Por que a direita aliada do PT ganhou força nos governos do PT e acabou por abater o próprio PT causando graves danos para o povo brasileiro?

Se o PT não fizer ampla e profunda autocrítica de seus erros e equívocos, a luta de resistência ao “golpe”, pela democracia, contra o governo da direita, tende a não acrescentar o necessário aprendizado político e apenas favorecer o retorno do lulismo em 2018 nos mesmos moldes do período 2003 a 2016, que deixou o país na atual situação. A classe trabalhadora tem o direito de saber qual é a política de alianças e o projeto dos que lutam contra o governo Temer, se seguem o mesmo esquema de conciliação de classes que levou Lula e Dilma ao governo federal ou se defendem agora proposta diferente. Afinal, o lulismo continua apostando na conciliação com o capital e no “presidencialismo de coalizão” com os partidos tradicionais da direita?

 

Projeto revolucionário

É essencial que as forças de esquerda que participam das manifestações do “Fora Temer”, “Fora Cunha”, “Fora Jucá”, “Fora Renan”, tenham projeto político mais avançado de transformação social do que aquele que foi aplicado pelo lulismo e que foi fragorosamente derrotado pela direita. Vale lembrar que o programa adotado pelo atual governo Temer, que enfrenta resistência na sociedade, nada mais é do que o programa que o segundo governo Dilma tentou impor em 2015 e foi amplamente rechaçado pelo povo.

Está claro que não basta derrubar ou cassar políticos marcados pela corrupção e/ou pela incompetência e/ou pela falta de compromisso com o povo brasileiro. Também não basta focar a crítica e o ataque a um ou outro partido político, pois, no geral, todos têm reproduzido os mesmos vícios. Tentar fazer uma reforma política na conjuntura é correr o risco de entregar ouro para o bandido, na medida em que os políticos e os partidos que dominam o Congresso Nacional, os governos estaduais, as assembleias legislativas, as prefeituras e as câmaras municipais, estão interessados apenas em manter seus privilégios e seus esquemas de poder. Qualquer mudança real, profunda e verdadeira, precisaria primeiramente implodir o atual sistema político-partidário-eleitoral, precisaria contar com a força do povo, a rebelião popular, a organização e a luta da classe trabalhadora de baixo para cima.

Não basta mudar governantes dos mais variados partidos se todos estão aprisionados ao modelo econômico dominante. A luta da esquerda, dos trabalhadores, da juventude e do povo brasileiro deve estar centrada além do “Fora Temer”, “Fora Dilma”, “Fora Lula”, “Fora Cunha”, “Fora Renan”, “Fora X”, “Fora Y”. A esquerda precisa ter projeto político para a transformação econômica e social do Brasil com objetivos inegociáveis, entre os quais a efetiva redução das desigualdades, o acesso imediato aos direitos fundamentais, o fortalecimento do poder popular, a concreta melhoria de todos os serviços públicos, o aprofundamento real da democracia e a abolição de todas as formas de exploração dos trabalhadores.

O compromisso maior da esquerda deve ser com a construção de uma sociedade justa, igualitária, livre, democrática e soberana. Os militantes da esquerda socialista que se empenham nessa luta precisam ter a ousadia de propor ações verdadeiramente revolucionárias. Precisamos nos livrar dos projetos do passado, que prometem muito e nada fazem. Não devemos ser massa de manobra de mais do mesmo. É preciso mudar de verdade, ter claro que a mudança que o povo brasileiro reclama se chama revolução. Esse é o projeto, nada menos do que isso.

 

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.

 

Helio Rubens
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