A vida
O segredo da vida é a simplicidade. A vida é simples. Tão simples que a desconfiança, essa vizinha mexeriqueira, se aproxima dos ouvidos de nossa alma e sussurra: “Se é tão barato, não deve prestar…”.
Daí, resolvemos complicar as coisas. Nossos antepassados mais longínquos se contentavam em comer restos de carne deixados em cadáveres vitimados por feras maiores e mais hábeis. Quando descobriram como produzir o fogo, a vida tornou-se plena: precisavam, aqueles seres humanos, apenas de um pedaço de carne, do fogo aquecedor, da água e de um abrigo.
E para reforçarem a ideia de que eram seres diferenciados dos demais, humanizavam-se diante da fogueira, pouco antes de dormir, e contavam histórias. Ou se sentavam olhando o firmamento e marcando as estrelas. Depois, reproduziam com pedras as constelações vistas.
Acordar junto com o sol, dormir logo depois da lua alcançar o ponto alto na abóboda, beber água, comer, conversar… Coisas simples que tornavam a vida plena.
Alguém pensou que aquilo era pouco e resolveu produzir alimentos, cercar terras com muros altos, criar exército, diferenciar as pessoas pelo que elas possuíam de riqueza. E assim a humanidade foi se aprofundando cada vez mais nesse poço, esquecendo-se, porém, de que precisamos de pouco para sobreviver.
Não necessitamos de um automóvel no que vai além de sua função de nos levar de um lado a outro. E mesmo assim, apenas quando essas duas pontas são extremamente distantes e não podemos vencê-las sem essa ajuda. Ou quando precisamos carregar um peso que não suportamos. Não precisamos do automóvel para afirmar quem somos e nem para nos fazer sentir superior ao outro. Isso é tolice.
Não devemos querer da residência além do templo sagrado onde descansamos depois de um dia árduo de trabalho e onde possamos nos confraternizar com a nossa família e amigos. Não é salutar esperar da roupa algo mais do que cobrir seu corpo por uma convenção social e para proteger das intempéries.
Não há mal em se ter um carro de última geração. Nem mesmo uma mansão ou uma roupa de grife mais cara. Mas se esse é o único objetivo de sua vida, compreenda que você perdeu a essência que nossos antepassados possuíam. A vida é simples. Se não tratarmos dela nesses termos, criaremos em nós um vazio enorme que acabará por nos consumir.
Converse mais… pessoalmente, de preferência. Olhe nos olhos quando falar com alguém. Beba água, beba água novamente… somos a metáfora do próprio planeta… Precisamos de água sempre! Alimente-se equilibradamente, um pouco de cada alimento, de cada nutriente. Apaixone-se constantemente, pois sem paixão não existe vida. Dance uma vez sem compromisso. Ria, o humor é o que tempera a vida. Jogue fora o veneno da inveja, da angústia, da amargura, do ódio, da maledicência, da fofoca… Alimente sua alma com bons livros, bons filmes, passeios, viagens, sorrisos. Não perca tempo! Quando você perde tempo, o relógio continua a correr e é você quem fica para trás. Não deixe de falar com quem sente vontade, não passe vontade. Durma o suficiente. Beba uma taça de vinho uma vez ou outra. Os mais santos beberam vinho. Perdoa, pois perdoar é faxinar a sua alma. Chore de vez em quando, mas sorria mais do que chore. Não lamente o que ainda não possui. Quase tudo o que você possui não tem função prática em sua vida. É apenas desejo do ego.
A vida é simples. Saiba viver.
Carlos Carvalho Cavalheiro
27.12.2022
- O admirável mundo de João de Camargo - 2 de maio de 2024
- No palco feminista - 26 de dezembro de 2023
- Um país sem cultura é um corpo sem alma - 9 de agosto de 2023
Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos